A frase de cariz anarquista que intitula este post remonta à anedota da vítima de naufrágio que, ao chegar à praia de um país desconhecido, diz a seus acolhedores habitantes: "Obrigado por me salvarem! Mas se há Governo, sou contra!"
O verbo "governar" pode ser transitivo,
intransitivo e reflexo. É transitivo quando a ação praticada pelo sujeito recai
sobre uma pessoa, coisa ou animal (por exemplo: "João governa Maria");
intransitivo quando a ação não passa a outra pessoa (p. ex.: "João
adormeceu a governar"); reflexo quando a ação recai sobre quem a pratica
(p. ex.: “Eu me governo").
Como bem disse o historiador católico e liberal Lord
Acton, “o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”.
Ainda segundo ele, “a liberdade não é um meio para um fim político mais
elevado; ela é em si mesma o mais elevado fim político.”
No livro The History of
Freedom foram reunidos vários de seus escritos, e sua análise sobre a
liberdade na antiguidade, logo no começo da obra, tem inestimável valor.
Importantes lições podem ser extraídas através da experiência dos povos
antigos, tais como os judeus, atenienses e romanos. O que Lord Acton faz
é justamente filtrar essas preciosas lições.
Para Acton, em todos os tempos o progresso da
liberdade enfrentou seus inimigos naturais, pela ignorância e superstição, pela
sede de conquista, pelo desejo de poder etc.; os amigos sinceros da liberdade
foram raros, e seus triunfos, devidos a minorias que obtiveram sucesso
associando-se a aliados cujos objetivos frequentemente diferiram dos seus
próprios.
Acton reconhece que tais associações são sempre
perigosas, e algumas vezes desastrosas para a própria liberdade. Para ele
entende, os interesses hostis à liberdade causaram menos ferimentos a ela do
que as falsas ideias. As instituições que tentam preservar a liberdade acabam
dependendo das ideias que as produzem e do espírito que as preserva. Por isso a
preocupação com os pensamentos dos homens é crucial.
Por liberdade, Acton entendia a garantia de que
todo homem deve ser protegido ao fazer aquilo que ele acredita ser seu dever
contra a influência da autoridade e maiorias, costumes e opinião. Portanto, o
teste mais certeiro pelo qual podemos julgar se um país é realmente livre seria
a quantidade de segurança desfrutada pelas minorias. Como um dos primeiros
exemplos usados para ilustrar o que tinha em mente, Acton usou a
história do “povo escolhido”.
O governo dos israelitas era uma Federação, unida sem uma
autoridade política, por acordo voluntário. O princípio de autogoverno estava
bastante presente em cada grupo e, pelo que afirma Acton, não havia
privilégios nem desigualdade perante a lei. O historiador respeita o fato de
que uma constituição cresce de suas raízes por um processo de desenvolvimento,
e não por uma mudança essencial.
Essas características estariam presentes, segundo
ele, na Grécia Antiga, onde as reforma introduzidas por Sólon foram fundamentais para a ampliação da liberdade em Atenas. As classes mais pobres eram excluídas, e o estadista lhes deu voz
política ao garantir a eleição de magistrados, introduzindo a ideia de
que o homem deve ter direito a uma voz ao selecionar aqueles aos quais irá
confiar seu futuro e sua vida.
O único recurso conhecido contra as desordens
políticas era a concentração de poder, e Sólon escolheu o caminho
contrário, da descentralização. Na essência da democracia estaria obedecer a
nenhum mestre além da lei. A democracia, porém, não pode ser vista jamais como simples
ditadura da maioria. Para Acton, se é ruim ser oprimido pela minoria, é
ainda pior ser oprimido pela maioria. Afinal, existe uma reserva latente de
poder nas massas a qual, caso seja despertada, a minoria raramente consegue
resistir.
A lição que se pode tirar das experiências passadas a este respeito é
que o governo da classe mais numerosa e poderosa representa um mal da mesma
natureza que uma monarquia. Pelos mesmos motivos, portanto, exige instituições
que servem para proteger o governo dele mesmo, na tentativa de permitir o reino
permanente da lei contra revoluções arbitrárias de opinião.
Acton considerava que não era alguma classe específica que seria inadequada para governar, mas sim que todas as classes eram inadequadas. O poder deve ser descentralizado, e por esse motivo, o Federalismo era defensável. Se a distribuição de poder entre as várias partes do Estado é o meio mais eficiente de restringir uma monarquia, a distribuição de poder entre vários Estados é o melhor caminho na democracia. Multiplicando os centros de governo, ele promove a difusão do conhecimento político e a manutenção da opinião independente — donde a máxima “o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente.
Mesmo assim, nunca é demais lembrar a pérola de sabedoria atribuída ao político conservador e estadista britânico Sir Winston Churchill, famoso principalmente por sua atuação como primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial:
"O MELHOR ARGUMENTO CONTRA A DEMOCRACIA É UMA CONVERSA DE CINCO MINUTOS COM UM ELEITOR MEDIANO."