domingo, 2 de agosto de 2020

HAY GOBIERNO? SOY CONTRA!

A frase de cariz anarquista que intitula este post remonta à anedota da vítima de naufrágio que, ao chegar à praia de um país desconhecido, diz a seus acolhedores habitantes: "Obrigado por me salvarem! Mas se há Governo, sou contra!"

O verbo "governar" pode ser transitivo, intransitivo e reflexo. É transitivo quando a ação praticada pelo sujeito recai sobre uma pessoa, coisa ou animal (por exemplo: "João governa Maria"); intransitivo quando a ação não passa a outra pessoa (p. ex.: "João adormeceu a governar"); reflexo quando a ação recai sobre quem a pratica (p. ex.: “Eu me governo").

Como bem disse o historiador católico e liberal Lord Acton, “o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Ainda segundo ele, “a liberdade não é um meio para um fim político mais elevado; ela é em si mesma o mais elevado fim político.”

No livro The History of Freedom foram reunidos vários de seus escritos, e sua análise sobre a liberdade na antiguidade, logo no começo da obra, tem inestimável valor. Importantes lições podem ser extraídas através da experiência dos povos antigos, tais como os judeus, atenienses e romanos. O que Lord Acton faz é justamente filtrar essas preciosas lições.

Para Acton, em todos os tempos o progresso da liberdade enfrentou seus inimigos naturais, pela ignorância e superstição, pela sede de conquista, pelo desejo de poder etc.; os amigos sinceros da liberdade foram raros, e seus triunfos, devidos a minorias que obtiveram sucesso associando-se a aliados cujos objetivos frequentemente diferiram dos seus próprios.

Acton reconhece que tais associações são sempre perigosas, e algumas vezes desastrosas para a própria liberdade. Para ele entende, os interesses hostis à liberdade causaram menos ferimentos a ela do que as falsas ideias. As instituições que tentam preservar a liberdade acabam dependendo das ideias que as produzem e do espírito que as preserva. Por isso a preocupação com os pensamentos dos homens é crucial.

Por liberdade, Acton entendia a garantia de que todo homem deve ser protegido ao fazer aquilo que ele acredita ser seu dever contra a influência da autoridade e maiorias, costumes e opinião. Portanto, o teste mais certeiro pelo qual podemos julgar se um país é realmente livre seria a quantidade de segurança desfrutada pelas minorias. Como um dos primeiros exemplos usados para ilustrar o que tinha em mente, Acton usou a história do “povo escolhido”.

O governo dos israelitas era uma Federação, unida sem uma autoridade política, por acordo voluntário. O princípio de autogoverno estava bastante presente em cada grupo e, pelo que afirma Acton, não havia privilégios nem desigualdade perante a lei. O historiador respeita o fato de que uma constituição cresce de suas raízes por um processo de desenvolvimento, e não por uma mudança essencial.

Essas características estariam presentes, segundo ele, na Grécia Antiga, onde as reforma introduzidas por Sólon foram fundamentais para a ampliação da liberdade em Atenas. As classes mais pobres eram excluídas, e o estadista lhes deu voz política ao garantir a eleição de magistrados, introduzindo a ideia de que o homem deve ter direito a uma voz ao selecionar aqueles aos quais irá confiar seu futuro e sua vida.

O único recurso conhecido contra as desordens políticas era a concentração de poder, e Sólon escolheu o caminho contrário, da descentralização. Na essência da democracia estaria obedecer a nenhum mestre além da lei. A democracia, porém, não pode ser vista jamais como simples ditadura da maioria. Para Acton, se é ruim ser oprimido pela minoria, é ainda pior ser oprimido pela maioria. Afinal, existe uma reserva latente de poder nas massas a qual, caso seja despertada, a minoria raramente consegue resistir.

A lição que se pode tirar das experiências passadas a este respeito é que o governo da classe mais numerosa e poderosa representa um mal da mesma natureza que uma monarquia. Pelos mesmos motivos, portanto, exige instituições que servem para proteger o governo dele mesmo, na tentativa de permitir o reino permanente da lei contra revoluções arbitrárias de opinião.

Acton considerava que não era alguma classe específica que seria inadequada para governar, mas sim que todas as classes eram inadequadas. O poder deve ser descentralizado, e por esse motivo, o Federalismo era defensável. Se a distribuição de poder entre as várias partes do Estado é o meio mais eficiente de restringir uma monarquia, a distribuição de poder entre vários Estados é o melhor caminho na democracia. Multiplicando os centros de governo, ele promove a difusão do conhecimento político e a manutenção da opinião independente — donde a máxima “o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente.

Mesmo assim, nunca é demais lembrar a pérola de sabedoria atribuída ao político conservador e estadista britânico Sir Winston Churchill, famoso principalmente por sua atuação como primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial: 

"O MELHOR ARGUMENTO CONTRA A DEMOCRACIA É UMA CONVERSA DE CINCO MINUTOS COM UM ELEITOR MEDIANO."




Com Rodrigo Constantino