Foi ao ar, na semana passada, novo episódio de um seriado ambientado no Palácio do Planalto que está em cartaz há 20 meses. Não há, porém nenhuma ineditude, pois trata-se de um remake de outros capítulos que focaram a cozinha palaciana, onde tachos de óleo são mantidos no fogo 24/7, à espera do ministro da vez. E neste episódio, a despeito de o ator principal ser outro, o diretor e o roteiro foram mantidos, o que nos dá uma indisfarçável sensação de déjà-vu.
Resta saber se o gran finale será a expulsão do protagonista
— como no capítulo de abril, estrelado pelo ortopedista Luiz Henrique Mandetta — ou se ele se demitirá — como fez Sergio Moro uma semana depois de o ex-ministro da Saúde ser defenestrado. Vale lembrar que a pasta da Saúde está sob
intervenção militar desde a passagem relâmpago do oncologista Nelson
Teich, que se demitiu em maio, antes mesmo de completar um mês no cargo (a propósito, vale a pena ler esta
entrevista).
Enquanto aguardamos a apoteose, relembro que, para aliciar o
mercado e obter o apoio do empresariado, o então candidato a presidente que
sempre defendeu um Estado inflado, intervencionista, e que se elegeu deputado sete
vezes defendendo privilégios para corporações,
convidou o liberal Paulo Guedes para comandar a Economia. Ignorante
confesso na matéria, o ex-capitão dizia: “quem precisa entender de Economia
quando tem um Posto Ipiranga pra chamar de seu?”. E assim o superministro
embarcou numa canoa que deveria saber furada.
Para endossar a promessa de promover a maior cruzada contra
a corrupção da história deste país — e assim conquistar a confiança dos
eleitores que estavam até os tampos com a roubalheira de Lula, do PT
e de seus satélites —, o deputado medíocre, adepto às práticas da baixa política
e amigo de milicianos, chamou o juiz da Lava-Jato em Curitiba para
comandar a pasta da Justiça. E também Sérgio Moro embarcou numa canoa
que deveria saber furada.
Uma vez eleito, o capitão despiu a reluzente armadura de cruzado e chutou-a para debaixo da rampa
do Palácio do Planalto, onde já havia entocado outras bandeiras de campanha, como
a carta branca ao ministro da Justiça, o fim da reeleição etc. Com o MP-RJ nos calcanhares de Fabrício Queiroz, o combate à
corrupção mudou de prioridade zero a sinal de alerta aos olhos bem treinados do recém-eleito
presidente. Ainda assim, o "mito" manteve a pose durante algum tempo — em Davos, na Suíça, questionado pela imprensa sobre as suspeitas de rachadinha no gabinete de seu primogênito na Alerj, sua insolência respondeu: “se
ele errou e isso ficar provado, eu lamento como pai, mas ele vai ter que pagar”.
Suspeita-se agora que práticas espúrias foram uma constante
na trajetória política dos membros da famiglia Bolsonaro. Mas os esqueletos só começaram a emergir depois que o capo chegou ao
topo do organograma do serviço público tupiniquim. Contribuiu para isso, segundo o empresário Paulo Marinho, a subserviência de integrantes da PF ao clã: o esquema Flávio/Queiroz
foi alvo da Operação Furna da Onça, cuja deflagração foi adiada para não prejudicar Zero
Um e seu papai nas eleições de 2018. Ainda segundo o empresário, foram as informações vazadas por
um delegado ligado federal que levaram à demissão simultânea de Queiroz e de
sua filha Natália (em 15 de outubro de 2018) dos gabinetes de Jair
e Flávio Bolsonaro.
Observação: Natália Queiroz foi
contratada em dezembro de 2016 como secretária parlamentar do então deputado
federal Jair Bolsonaro, com salário mensal de R$ 10 mil mais
benefícios. Apesar de a moça trabalhar como personal trainer no Rio, em horário comercial, o gabinete de Bolsonaro na Câmara atestou que ela cumpria a
frequência prevista em lei, de 40 horas semanais.
Mas vejo agora que fugi ao mote desta postagem. Tentarei retomá-lo no capítulo de amanhã. Tenham todos uma ótima segunda-feira e um semana fantástica. Afinal, sonhar não paga imposto. Ainda assim, se desejos fossem asas, os mendigos voariam.