segunda-feira, 31 de agosto de 2020

JÁ VIMOS ESSE FILME...

 


Foi ao ar, na semana passada, novo episódio de um seriado ambientado no Palácio do Planalto que está em cartaz há 20 meses. Não há, porém nenhuma ineditude, pois trata-se de um remake de outros capítulos que focaram a cozinha palaciana, onde tachos de óleo são mantidos no fogo 24/7, à espera do ministro da vez. E neste episódio, a despeito de o ator principal ser outro, o diretor e o roteiro foram mantidos, o que nos dá uma indisfarçável sensação de déjà-vu.

Resta saber se o gran finale será a expulsão do protagonista — como no capítulo de abril, estrelado pelo ortopedista Luiz Henrique Mandetta — ou se ele se demitirá — como fez Sergio Moro uma semana depois de o ex-ministro da Saúde ser defenestrado. Vale lembrar que a pasta da Saúde está sob intervenção militar desde a passagem relâmpago do oncologista Nelson Teich, que se demitiu em maio, antes mesmo de completar um mês no cargo (a propósito, vale a pena ler esta entrevista).

Enquanto aguardamos a apoteose, relembro que, para aliciar o mercado e obter o apoio do empresariado, o então candidato a presidente que sempre defendeu um Estado inflado, intervencionista, e que se elegeu deputado sete vezes defendendo privilégios para corporações, convidou o liberal Paulo Guedes para comandar a Economia. Ignorante confesso na matéria, o ex-capitão dizia: “quem precisa entender de Economia quando tem um Posto Ipiranga pra chamar de seu?”. E assim o superministro embarcou numa canoa que deveria saber furada.

Para endossar a promessa de promover a maior cruzada contra a corrupção da história deste país — e assim conquistar a confiança dos eleitores que estavam até os tampos com a roubalheira de Lula, do PT e de seus satélites —, o deputado medíocre, adepto às práticas da baixa política e amigo de milicianos, chamou o juiz da Lava-Jato em Curitiba para comandar a pasta da Justiça. E também Sérgio Moro embarcou numa canoa que deveria saber furada.

Uma vez eleito, o capitão despiu a reluzente armadura de cruzado e chutou-a para debaixo da rampa do Palácio do Planalto, onde já havia entocado outras bandeiras de campanha, como a carta branca ao ministro da Justiça, o fim da reeleição etc. Com o MP-RJ nos calcanhares de Fabrício Queiroz, o combate à corrupção mudou de prioridade zero a sinal de alerta aos olhos bem treinados do recém-eleito presidente. Ainda assim, o "mito" manteve a pose durante algum tempo — em Davos, na Suíça, questionado pela imprensa sobre as suspeitas de rachadinha no gabinete de seu primogênito na Alerj, sua insolência respondeu: “se ele errou e isso ficar provado, eu lamento como pai, mas ele vai ter que pagar”.

Suspeita-se agora que práticas espúrias foram uma constante na trajetória política dos membros da famiglia Bolsonaro. Mas os esqueletos só começaram a emergir depois que o capo chegou ao topo do organograma do serviço público tupiniquim.  Contribuiu para isso, segundo o empresário Paulo Marinho, a subserviência de integrantes da PF ao clã: o esquema Flávio/Queiroz foi alvo da Operação Furna da Onça, cuja deflagração foi adiada para não prejudicar Zero Um e seu papai nas eleições de 2018. Ainda segundo o empresário, foram as informações vazadas por um delegado ligado federal que levaram à demissão simultânea de Queiroz e de sua filha Natália (em 15 de outubro de 2018) dos gabinetes de Jair e Flávio Bolsonaro.

Observação: Natália Queiroz foi contratada em dezembro de 2016 como secretária parlamentar do então deputado federal Jair Bolsonaro, com salário mensal de R$ 10 mil mais benefícios. Apesar de a moça trabalhar como personal trainer no Rio, em horário comercial, o gabinete de Bolsonaro na Câmara atestou que ela cumpria a frequência prevista em lei, de 40 horas semanais.

Mas vejo agora que fugi ao mote desta postagem. Tentarei retomá-lo no capítulo de amanhã. Tenham todos uma ótima segunda-feira e um semana fantástica. Afinal, sonhar não paga imposto. Ainda assim, se desejos fossem asas, os mendigos voariam.