Como hoje é domingo, começo a postagem com dois dedos
de descontração:
Um político e um ladrão entram numa loja de chocolates
para tomar um café. Na saída, o primeiro tira do bolso dois bombons e diz ao
segundo: “Você nem reparou, né? Eu sou mesmo imbatível”. O político esboça um sorriso
de desdém e sentencia: “Voltemos à loja, meu caro, que vou lhe mostrar como faz
um verdadeiro mestre”. Depois de receber do balconista dois bombons iguais aos
que o ladrão havia furtado, sua excelência avisa que vai fazer um número de
mágica. Dito isso, desembrulha os bombons, leva-os à boca, degusta-os com nítida
satisfação e pergunta ao amigo e ao balconista: “Viram?” “Vimos o que?”, retruca o primeiro. “Pois é, qual foi a mágica?”, ajunta o segundo. Com uma piscadela
para o ladrão (ou seria melhor dizer "colega"?), diz o político ao balconista: “Enfie a mão no bolso do meu amigo
aqui e veja o que você vai encontrar”.
Segue um texto de Josias de Souza, que vai ao encontro do raciocínio desenvolvido na postagem anterior. Confira:
Pouco antes de assumir o governo do Rio de Janeiro como
uma das grandes novidades da autoproclamada nova política, Wilson Witzel
disse que seria implacável com a bandidagem. Ele declarou: "A polícia vai
fazer o correto: vai mirar na cabecinha e... fogo! Para não ter erro."
Descobriu-se que, sob Witzel, a exemplo que
ocorria em governos anteriores, a criminalidade não está apenas nos morros
cariocas. O Ministério Público informa que o Palácio das Laranjeiras
(residência oficial do governador fluminense) continua sob o domínio de uma
organização criminosa. Assaltou-se verba destinada a combater a pandemia,
informam os investigadores.
Chamado a agir, o ministro Benedito Gonçalves, do STJ,
abateu o mandato de Witzel à moda Witzel: Mirou na cabecinha e...
fogo! Afastou o governador do cargo por seis meses. Fez isso em decisão
monocrática, individual. Na próxima terça-feira, o ministro submeterá seu
despacho à Corte Especial do STJ, composta pelos 15 magistrados mais
antigos do tribunal. O mais provável é que o colegiado avalize a decisão.
Restará a Witzel recorrer ao Supremo, mas é improvável que
retorne ao cargo. Se voltar, sofrerá o impeachment, que já caminha na Alerj em
estágio avançado.
A caminho do Planalto, Bolsonaro achou que seria
uma boa ideia parar no cercadinho do Alvorada. Manteve uma espécie de jogral
com um apoiador vindo do Rio de Janeiro. O presidente disse que a situação
"está pegando" no Rio. Perguntou: "Quem é o teu
governador?". O devoto respondeu: "Meu governador? É o vice". E Bolsonaro,
entre risos: "Está acompanhando aí..."
Cabe perguntar: Do que ri o presidente? Witzel
chegou ao governo na aba do bolsonarismo, numa campanha ornamentada pela figura
de Flávio Bolsonaro, hoje envolto em suspeição, num caso que respinga na
conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro. No Rio de Janeiro,
considerando-se os escândalos já julgados e os que aguardam na fila por uma
sentença, os corruptos e os suspeitos servem principalmente como assunto de
conversa. Quando se está numa rodinha de amigos, é inútil mudar de assunto.
Pode-se, no máximo, mudar de corrupto. Ou de suspeito.
Dos quatro antecessores de Witzel, três já
passaram pela cadeia — Garotinho, Rosinha e Pezão — e
outro — Sérgio Cabral — continua em cana. Para Bolsonaro,
investigação na biografia dos outros é refresco. Mas a situação não está para
risos, e o presidente quem menos deveria sorrir.
Ao afastar Witzel do cargo, o ministro Benedito Gonçalves ofereceu dois motivos para a família Bolsonaro festejar. Além de abater um inimigo político do clã, o magistrado abriu caminho para Jair Bolsonaro e seu primogênito intensificarem a articulação para acomodar também na chefia do Ministério Público estadual alguém subserviente como o PGR Augusto Aras.
Coube à subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo encaminhar o pedido de providências contra Witzel ao STJ. Simpatizante de Bolsonaro, Lindôra pediu, entre outras providências, o afastamento do governador e seu recolhimento à cadeia. O ministro Benedito arrancou Witzel da poltrona, mas indeferiu o pedido de prisão. Seu despacho surpreendeu os colegas, já que o afastamento de um governador eleito deveria ser uma decisão colegiada.
O magistrado submeterá seu despacho ao crivo da Corte Especial do STJ, integrada pelos 15 ministros mais antigos do tribunal. A próxima reunião do colegiado ocorrerá na quarta-feira, e dá-se de barato que, a despeito da estranheza, as decisões de Benedito será referendada, a despeito de haver no STJ ministros que consideram imprópria a atuação do magistrado no caso de Witzel.
Benedito é egresso do Rio de Janeiro e visto como amigo de Sergio Cabral, o que, pelo menos em tese, bastaria para se dar por impedido e abster-se de atuar no processo, já que Witzel se elegeu como antípoda do presidiário Cabral. Mas não foi o que aconteceu, e não há no STJ quem se anime a colocar em dúvida a sua isenção. Até porque disseminou-se a impressão de que o Ministério Público colecionou farta matéria-prima contra Witzel.
O magistrado chegou ao STJ em 2008, pelas mãos de Lula, de quem se considera amigo. Sérgio Cabral estava entre as autoridades que compareceram à posse. Nos governos petistas, Benedito acalentou o sonho de ganhar uma poltrona no STF. Bateu na trave. Em 2016, foi abalroado por uma investigação sigilosa da Lava-Jato e conviveu com o incômodo da suspeição até março de 2019, quando a Procuradoria pediu ao relator do caso no Supremo o arquivamento da investigação, e Fachin assim o fez.
Vence em dezembro o mandato do atual procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, que é uma espécie de anti-Aras e responsável pela investigação contra Flávio Bolsonaro no caso da rachadinha. Como que antevendo o que estava por vir, o clã presidencial já havia deflagrado um movimento de aproximação com o vice-governador Cláudio Castro, que assumiu as rédeas do estado nesta sexta-feira. O substituto de Gussem será indicado por ele.
O despacho em que Benedito ejetou Witzel da cadeira de governador chega num instante crucial para Zero Um, a pedido de quem o Conselho Nacional do Ministério Público abriu no início de agosto procedimento administrativo contra Eduardo Gussem, a quem Witzel confiou as atribuições de procurador-geral do estado. Gussem é acusado de desrespeitar a decisão do Tribunal de Justiça do Rio que concedeu foro privilegiado a Flávio, transferindo a investigação sobre a rachadinha da primeira para a segunda instância. O chefe do MP estadual manteve o caso no âmbito do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção, que coordenava as investigações sobre peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete de Flávio desde março do ano passado.
O que a defesa de Flávio alega é que, depois que o processo subiu para a segunda instância, o titular da investigação deveria ser o próprio procurador-geral de Justiça. Gussem não discorda. Mas diz ter formalizado um termo de cooperação com o Gaecc, delegando poderes aos promotores que atuam no caso. Esse embate compõe o pano de fundo da articulação para trocar Gussem por um procurador-geral mais, digamos, colaborativo.
Os Bolsonaro contavam com a perspectiva de que a Alerj aprovará o impeachment de Witzel. O afastamento determinado pelo ministro Benedito Gonçalves chegou antes da decisão dos parlamentares. Daí o desejo da família de apressar o estreitamento de sua inimizade com Cláudio Castro, o vice que as circunstâncias colocaram no comando do estado. Castro, submetido à mesma investigação que fulmina Witzel, compartilha do interesse de conversar
Com Josias de Souza