De acordo como a coluna de Ricardo Noblat em Veja, os áudios divulgados pela revista, com o desabafo de Márcia Aguiar, deixam claro que ela e o marido, Fabrício Queiroz, sentiam-se como prisioneiros de Frederick Wassef — ex-consultor jurídico do clã presidencial e ex-advogado de Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas
A versão do casal guarda pouca (ou nenhuma) semelhança com a
história contada por Fred quando Queiroz foi preso em sua casa/escritório
em Atibaia. Ou com as histórias, melhor dizendo, pois o versátil
mafioso de comédia tirava da cartola uma nova narrativa a cada nova entrevista — e ele concedeu uma porção delas nos dia em que o fantasminha camarada
reapareceu misteriosamente (e foi capturado) numa de suas propriedades.
Wassef se jactava de ser próximo do presidente. Com a prisão de Queiroz, tornou-se
suspeito de ser o “Anjo” que vinha protegendo o ex-factótum do clã presidencial, sua esposa e outros familiares, todos mergulhados até o pescoço na merdeira que começou a refluir,
como quando se dá descarga numa privada entupida, no finalzinho de 2018, e cujas peças foram
aos poucos se encaixando.
Em 20 de junho passado, numa entrevista à Folha, o douto jurisconsulto não só negou ter "escondido" Queiroz como também disse não ser o "Anjo". Em outra entrevista, afirmou ser conselheiro jurídico dos Bolsonaro e advogado de Flávio no caso das rachadinhas. No dia seguinte, em entrevista à CNN Brasil — a quarta entrevista naquele final de semana —, negou que Jair e Flávio Bolsonaro soubessem que Queiroz estava escondido em sua propriedade, e teceu críticas contundentes a Karina Kufa, que dias antes soltara uma nota dizendo que ele, Wassef, não representava o Presidente.
No mesmo dia, Wassef havia telefonado a Kufa e, aos
berros, dito que iria desmenti-la. Disse também que substabeleceria um colega para
assumir a defesa de Zero Um, e desculpou-se por “qualquer dano
de imagem que pudesse ter causado ao Presidente e ao senador”. Mas em
momento algum da longa e confusa entrevista ele explicou por que Queiroz
estava morando em seu imóvel quando foi capturado. Em vez disso afirmou não tinha seu telefone (de
Queiroz) e que não falava com ele. Perguntado por que o dito-cujo, sendo
do Rio, escolhera Atibaia, no interior de SP, para tratar do câncer, especulou:
"Quem sabe ele estava sem dinheiro, abandonado?"
Wassef afirmou que "movimentação atípica não é
crime" (e não é mesmo), e que poderia dar “mil explicações para as tais movimentações
financeiras”. O problema é que não deu explicação nenhuma. Repetiu sem parar que seu cliente
era vítima de perseguição, de uma “Santa Inquisição”, e seguiu com sua
narrativa confusa e repleta de contradições, dizendo, inclusive, que Queiroz
nunca transferiu dinheiro para Flávio Bolsonaro.
Observação: Uma mentira deslavada (ou mais uma, porque são tantas), pois
sabe-se agora que até a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, teria recebido 21 depósitos em cheques do ex-assessor de
Zero Um. E falando em mentiras e no primogênito do Presidente, parece
incrível, mas o senador não
encontrou um único horário vago em sua agenda para encaixar a acareação com o
empresário Paulo Marinho, que o acusou de ter recebido informações
privilegiadas sobre a deflagração da Operação Furna da Onça. Nem a Velhinha
de Taubaté engoliria tamanha potoca.
Wassef, o benemérito causídico de coração mole
e mente criativa, disse que "se comoveu com a situação de Queiroz" — a quem
nunca havia visto mais gordo —, procurou-o sem que ninguém o orientasse a fazê-lo e
ofereceu abrigo para ele, a mulher e os parentes. Só por “razões humanitárias”,
disse. Isso quando Queiroz já havia se tornado um dos homens mais
procurados do país pela imprensa e, mais adiante, pelo MP-RJ, de cujas convocações para interrogatório a alma penada fugia feito o diabo da Cruz.
Por que Queiroz e a mulher aceitariam a oferta de abrigo
feita por um desconhecido? Por que passariam a confiar em um homem que surgiu
do nada, sem que ninguém o recomendasse? Não faria o menor sentido.
Os áudios de Márcia datam de novembro do ano passado,
quando ela e o marido eram mantidos numa espécie de
cativeiro, deixam claro que ambos estavam contrariados por serem impedidos de sair de lá. Em conversas com a
advogada Ana Flávia Rigamonti, contratada por Wassef para
vigiá-los junto com um empregado da casa, Márcia traiu toda a sua
insatisfação.
Ao longo de um ano, a mulher de Queiroz fora obrigada a abrir mão de sua vida particular, privar-se de ir ao médico até para fazer exames de rotina e, em alguns momentos, não podia sequer utilizar o celular. As medidas cautelares foram ditadas pelo “Anjo”, codinome de Wassef, segundo o Ministério Público Federal, empenhado em manter sob segredo o paradeiro de Queiroz.
“A gente não é foragido. Isso está acabando comigo, amiga, acabando. De boa mesmo. Está acabando. Está me destruindo por dentro. Eu estou aqui me desabafando, porque não consigo passar isso para ele [Queiroz]. E a minha preocupação é esse stress, esse emocional dele abalado, piorar a situação dele com essa doença”, disse Márcia a Ana Flávia.
Ana Flávia retruca: “Eu sei que ele não está bem. Ele está tentando se distrair. Mas a gente sabe que não está fácil. […] Ele mesmo falou para o Anjo: ‘Olha, eu não estou aguentando mais. Quero ir para minha casa’”.
E Márcia completa: “Eu estou vendo que todo mundo
está vivendo a sua vida. Agora, a gente não. Então, somos foragidos para viver
fugindo? Não é possível isso, entendeu?”
Márcia não estava com Queiroz quando ele foi
preso em 19 de junho último. Havia uma ordem de prisão contra ela, que fugiu e
só reapareceu quando o marido deixou a cadeia (no dia 10 de julho) para cumprir
prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. Desde então o casal está junto,
ambos com tornozeleira. O Ministério Público Federal aposta que um deles
acabará delatando.
A prisão de Queiroz contribuiu para a mudança de comportamento do Presidente. Saiu de cena o Bolsonaro incendiário, o promotor de crises, o falastrão, o agitador que marcava presença em manifestações de rua hostis à democracia, e entrou em cena o Bolsonaro moderado, que loteia cargos do governo com os partidos e chama os parlamentares do Centrão “sócios”. No bom sentido, é claro.
Resta saber quanto tempo isso vai durar.