domingo, 23 de agosto de 2020

MAIS SOBRE QUEIROZ E MADAME E O MAFIOSO DE COMÉDIA

De acordo como a coluna de Ricardo Noblat em Veja, os áudios divulgados pela revista, com o desabafo de Márcia Aguiar, deixam claro que ela e o marido, Fabrício Queiroz, sentiam-se como prisioneiros de Frederick Wassef — ex-consultor jurídico do clã presidencial e ex-advogado de Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas

A versão do casal guarda pouca (ou nenhuma) semelhança com a história contada por Fred quando Queiroz foi preso em sua casa/escritório em Atibaia. Ou com as histórias, melhor dizendo, pois o versátil mafioso de comédia tirava da cartola uma nova narrativa a cada nova entrevista — e ele concedeu uma porção delas nos dia em que o fantasminha camarada reapareceu misteriosamente (e foi capturado) numa de suas propriedades.

Wassef se jactava de ser próximo do presidente. Com a prisão de Queiroz, tornou-se suspeito de ser o “Anjo” que vinha protegendo o ex-factótum do clã presidencial, sua esposa e outros familiares, todos mergulhados até o pescoço na merdeira que começou a refluir, como quando se dá descarga numa privada entupida, no finalzinho de 2018, e cujas peças foram aos poucos se encaixando.

Em 20 de junho passado, numa entrevista à Folha, o douto jurisconsulto não só negou ter "escondido" Queiroz como também disse não ser o "Anjo". Em outra entrevista, afirmou  ser conselheiro jurídico dos Bolsonaro e advogado de Flávio no caso das rachadinhas. No dia seguinte, em entrevista à CNN Brasil — a quarta entrevista naquele final de semana —, negou que Jair e Flávio Bolsonaro soubessem que Queiroz estava escondido em sua propriedade, e teceu críticas contundentes a Karina Kufa, que dias antes soltara uma nota dizendo que ele, Wassef, não representava o Presidente. 

No mesmo dia, Wassef havia telefonado a Kufa e, aos berros, dito que iria desmenti-la. Disse também que substabeleceria um colega para assumir a defesa de Zero Um, e desculpou-se por “qualquer dano de imagem que pudesse ter causado ao Presidente e ao senador”. Mas em momento algum da longa e confusa entrevista ele explicou por que Queiroz estava morando em seu imóvel quando foi capturado. Em vez disso afirmou não tinha seu telefone (de Queiroz) e que não falava com ele. Perguntado por que o dito-cujo, sendo do Rio, escolhera Atibaia, no interior de SP, para tratar do câncer, especulou: "Quem sabe ele estava sem dinheiro, abandonado?"

Wassef afirmou que "movimentação atípica não é crime" (e não é mesmo), e que poderia dar “mil explicações para as tais movimentações financeiras”. O problema é que não deu explicação nenhuma. Repetiu sem parar que seu cliente era vítima de perseguição, de uma “Santa Inquisição”, e seguiu com sua narrativa confusa e repleta de contradições, dizendo, inclusive, que Queiroz nunca transferiu dinheiro para Flávio Bolsonaro.

Observação: Uma mentira deslavada (ou mais uma, porque são tantas), pois sabe-se agora que até a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, teria recebido 21 depósitos em cheques do ex-assessor de Zero Um. E falando em mentiras e no primogênito do Presidente, parece incrível, mas o senador não encontrou um único horário vago em sua agenda para encaixar a acareação com o empresário Paulo Marinho, que o acusou de ter recebido informações privilegiadas sobre a deflagração da Operação Furna da Onça. Nem a Velhinha de Taubaté engoliria tamanha potoca.

Wassef, o benemérito causídico de coração mole e mente criativa, disse que "se comoveu com a situação de Queiroz" — a quem nunca havia visto mais gordo —, procurou-o sem que ninguém o orientasse a fazê-lo e ofereceu abrigo para ele, a mulher e os parentes. Só por “razões humanitárias”, disse. Isso quando Queiroz já havia se tornado um dos homens mais procurados do país pela imprensa e, mais adiante, pelo MP-RJ, de cujas convocações para interrogatório a alma penada fugia feito o diabo da Cruz.

Por que Queiroz e a mulher aceitariam a oferta de abrigo feita por um desconhecido? Por que passariam a confiar em um homem que surgiu do nada, sem que ninguém o recomendasse? Não faria o menor sentido. Wassef deve ter sido bancado por alguém com bastante influência sobre o casal Queiroz. E não é tão difícil imaginar quem de quem se trata. 

Os áudios de Márcia datam de novembro do ano passado, quando ela e o marido eram mantidos numa espécie de cativeiro, deixam claro que ambos estavam contrariados por serem impedidos de sair de lá. Em conversas com a advogada Ana Flávia Rigamonti, contratada por Wassef para vigiá-los junto com um empregado da casa, Márcia traiu toda a sua insatisfação.

Ao longo de um ano, a mulher de Queiroz fora obrigada a abrir mão de sua vida particular, privar-se de ir ao médico até para fazer exames de rotina e, em alguns momentos, não podia sequer utilizar o celular. As medidas cautelares foram ditadas pelo “Anjo”, codinome de Wassef, segundo o Ministério Público Federal, empenhado em manter sob segredo o paradeiro de Queiroz

A gente não é foragido. Isso está acabando comigo, amiga, acabando. De boa mesmo. Está acabando. Está me destruindo por dentro. Eu estou aqui me desabafando, porque não consigo passar isso para ele [Queiroz]. E a minha preocupação é esse stress, esse emocional dele abalado, piorar a situação dele com essa doença”, disse Márcia a Ana Flávia.

Ana Flávia retruca: “Eu sei que ele não está bem. Ele está tentando se distrair. Mas a gente sabe que não está fácil. […] Ele mesmo falou para o Anjo: ‘Olha, eu não estou aguentando mais. Quero ir para minha casa’”. 

E Márcia completa: “Eu estou vendo que todo mundo está vivendo a sua vida. Agora, a gente não. Então, somos foragidos para viver fugindo? Não é possível isso, entendeu?

Márcia não estava com Queiroz quando ele foi preso em 19 de junho último. Havia uma ordem de prisão contra ela, que fugiu e só reapareceu quando o marido deixou a cadeia (no dia 10 de julho) para cumprir prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. Desde então o casal está junto, ambos com tornozeleira. O Ministério Público Federal aposta que um deles acabará delatando.

A prisão de Queiroz contribuiu para a mudança de comportamento do Presidente. Saiu de cena o Bolsonaro incendiário, o promotor de crises, o falastrão, o agitador que marcava presença em manifestações de rua hostis à democracia, e entrou em cena o Bolsonaro moderado, que loteia cargos do governo com os partidos e chama os parlamentares do Centrão “sócios”. No bom sentido, é claro.

Resta saber quanto tempo isso vai durar.