quarta-feira, 5 de agosto de 2020

NINGUÉM DÁ PONTO SEM NÓ

Uma rápida consulta à lista de cargos e funções das quais os ocupantes estão obrigados a se desincompatibilizar para disputar eleições dá conta de que os prazos variam de três a seis meses e alcançam de servidores públicos efetivos ou comissionados a dirigentes sindicais, passando por comunicadores e um amplo plantel de profissionais, alcançando prefeitos, governadores e presidentes apenas quando concorrentes a cargos diferentes dos que ocupam. Dito com outras palavras: chefes de poderes executivos podem perfeitamente permanecer em suas funções quando candidatos à reeleição.

Portanto, o argumento de Toffoli para defender a quarentena de oito anos — de que magistrados e integrantes do Ministério Público detêm poder de exposição capaz de torná-los injustamente competitivos — expõe o casuísmo acachapante embutido na proposta de se instituir a desincompatibilização para juízes, procuradores e integrantes de forças de segurança.

Pelo “raciocínio” do conspícuo jurista — que encerra sua airosa passagem pela presidência da nossa mais alta Corte no final do mês que vem —, a exigência também deveria ser estendida aos demais ocupantes de funções públicas, e por mais razão ao presidente, aos governadores e aos prefeitos, porquanto detentores de mais poder de influência do que qualquer, juiz, procurador ou policial. Como essa extensão não seria bem-vinda, o mais provável é que o vice-presidente Hamilton Mourão tenha razão: o assunto não vai prosperar.

Observação: Mesmo sendo considerado incapaz de assinar uma simples sentença de despejo (o então advogado petista foi reprovado duas vezes em concursos para juiz de Direito em São Paulo, ambas na fase preliminar, que avalia conhecimentos gerais e noções elementares de Direito dos candidatos), o atual presidente  do STF foi indicado por Lula em 2009 e guindado à presidência da Corte em setembro 2018. Toffoli sucedeu a Carmen Lucia, que sucedera a Lewandowski. Fux sucederá a Toffoli, e será o primeiro ministro judeu a presidir o STF. Devido à pandemia, sua posse, inédita no formato, será virtual. Algo bem diferente de quando chegou à Corte, há nove anos, quando reuniu cerca de 1.000 convidados em Brasília. “É um ato de responsabilidade”, diz o magistrado.

Essa “quarentena” parece ter sido criada sob medida para Sergio Moro, que jamais disse com todas as letras que tenciona disputar a Presidência em 2022, mas tampouco negou taxativamente essa intenção. Não só por isso, mas também por isso, Bolsonaro — que convidou o então juiz da Lava-Jato para integrar seu ministério, visando robustecer a própria imagem de cruzado contra a corrupção (que mais adiante se revelaria falsa como uma nota de R$3) —, tão logo se deu conta de que a popularidade do ministro era uma ameaça a seu projeto de reeleição, submeteu o auxiliar a uma constrangedora dieta à base de sapos e água da lagoa. Passados 14 meses, vendo que Moro resistia estoicamente ao tratamento indigno, o capitão cloroquina desfechou o golpe final (a demissão de Valeixo).

Observação: O mau militar, que entrou para a política após ter sido limado do Exército por indisciplina e insubordinação e tornou-se um parlamentar medíocre, mas que, por uma série de fatores amplamente discutidos em outras oportunidades, virou inquilino do Palácio do Planalto, não admite que um subalterno se torne popular a ponto de lhe fazer sombra. Esse foi o motivo da demissão de Mandetta, e de a Saúde continuar até hoje sob intervenção militar, comandada interinamente por um general da ativa que entende do riscado tanto quanto eu entendo de missa.

Os deputados federais Fábio Trad e Beto Pereira, ambos autores de dois projetos que propõem quarentena política a magistrados e membros do Ministério Público, divergem sobre possibilidade de a proposta atingir Sergio Moro. Enquanto o primeiro é enfático ao dizer que a sua proposta não retroage, seu colega afirma que no âmbito do seu projeto a questão fica em aberto e deverá ser discutida pelos parlamentares. Como estamos no Brasil, onde o futuro é duvidoso e o passado, incerto, é melhor esperar a bola cair antes de cantar a cor e a caçapa.  

Curiosamente, entre todos os personagens revelados ao país por causa da Lava-Jato (ora sob intenso bombardeio), Moro é o único livre de amarras para assumir uma postura mais dura de defesa das investigações nesse processo de encerramento do modelo de forças-tarefas iniciado pela PGR, e mesmo assim segue tímido, com manifestações pontuais nas redes e em alguns veículos de imprensa, sem chamar para si a responsabilidade, enquanto procuradores se desgastam para tentar manter o trabalho.

Na avaliação de amigos, o ex-ministro também está sob ataque, e buscar a atuação mais enfática também ajudaria a chamar a atenção para movimentos que tentam inviabilizar um possível (e até provável) projeto eleitoral.

Como se vê, ninguém na política dá ponto sem nó.