Na Guerra e no Amor vale tudo, diz um velho ditado. Eu acrescentaria a Política a esse contexto, não fosse a redundância. Afinal, não se faz política sem uma pitada generosa de amor e outra de guerra — além, obviamente, de uma dose cavalar de mentiras.
Como o bom cozinheiro mexicano, que deixa a tortilla picante, mas não intragável, o bom político (não confundir com político bom, que isso não existe) sabe o que dizer a quem e a quem dizer o quê.
Entre
os políticos estão os mentirosos mais eficazes, que mentem mais e melhor que qualquer
outro mortal (haja vista a autodeclarada “alma viva mais honesta do Brasil”,
que Deus a perdoe e o Diabo a carregue para o quinto dos infernos). Mas eles só
logram êxito porque seus eleitores querem ser logrados, ou seja, querem continuar
sonhando que tudo será diferente quando seus escolhidos assumirem o poder.
Para “colar”, a mentira precisa não só ter elementos de verdade e de emoção, mas também ser mais crível que a própria verdade. Segundo o florentino Niccolò di Bernardo dei Machiavelli — ou Maquiavel, para os íntimos — as mentiras de governantes e candidatos a governantes seriam plenamente justificáveis, o que equivale a dizer que os fins sempre justificam os meios.
Já o pensador, escritor e político francês Benjamin
Constant, dizia que só se tem o dever de dar a verdade a quem tem
direito a ela, ao passo que o jurista holandês Hugo Grócio considerava
a mentira uma agressão aos direitos dos outros, embora achasse toleráveis
as inverdades ditas em nome de um bem maior.
Para ter sucesso no métier, o político deve ser capaz de iludir os analfabetos funcionais e descerebrados totais — que, desgraçadamente, compõem a maioria do eleitorado tupiniquim —, mas não pode afrontar a inteligência da minoria racional nem perder de vista o segmento informado, pero no mucho.
A questão é que um político que se vê como um messias (sem trocadilho) sempre acha que suas mentiras são por um bem maior, mesmo quando se destinam a livrá-lo de responder por falcatruas que tenha feito em benefício próprio. Se fosse para citar um exemplo recente, eu citaria o capitão-cloroquina. E já que falamos no diabo, mesmo sendo um ególatra mitômano e delirante, o dito-cujo é um estrategista brilhante, mas, desgraçadamente, um péssimo governante. Enfim, ne sutor ultra crepidam.
Mudando de mosca mas continuando na mesma... caca, vamos dizer assim, a recente ruptura
do armistício (por armistício, entenda-se a metamorfose camaleônica que o “mito”
operou em si mesmo depois do reaparecimento de Queiroz e que eu sempre achei
tão falsa quanto uma nota de 3 reais) merece algumas considerações.
Para contextualizar quem chegou de Marte no voo desta manhã,
o imbróglio se deu no último final de semana. Durante seu tradicional passeio
dominical, o Presidente foi perguntado sobre os depósitos feitos por Fabrício
Queiroz na conta da primeira-dama (que perfizeram R$ 72 mil, fora outros R$
17 mil depositados por Márcia Aguiar). Com a finesse que lhe é
peculiar, disse sua insolência ao repórter d’O Globo que tinha vontade de “encher-lhe
a boca de porrada”.
Como ensina o impagável Josias de Souza, em
relacionamento entre a imprensa e os políticos não há perguntas embaraçosas,
apenas respostas constrangedoras. As entrevistas de Bolsonaro
sempre foram marcadas pelo constrangimento, não pelas perguntas que
o personagem é obrigado a ouvir, mas pelas respostas que ele não é capaz de
fornecer.
No domingo, depois de 70 dias fazendo das tripas coração
para domar a língua, o capitão comprovou mais uma vez que alguém que cultiva o
hábito da ofensa há três décadas não muda depois de velho. O Messias que não miracula parece ser capaz de tudo, menos de operar milagres e de enfrentar adequadamente as interrogações que
brotam do inquérito estrelado por seu primogênito.
Quando vieram à luz pela primeira vez os depósitos feitos
por Queiroz na conta da primeira-dama, o Presidente disse tratar-se de parte
do pagamento de um empréstimo (no valor total de R$ 40 mil) que ele havia feito
ao amigo . Em dezembro do ano passado, questionado a respeito por um
repórter, respondeu: “pergunta
pra tua mãe o comprovante que ela deu pro teu pai”. Agora que o valor “devolvido”
por Queiroz e senhora através de depósitos na conta de madame beira R$ 90
mil, tem uma recaída e dá porrada na sensatez.
Entre um episódio e o outro, Bolsonaro encerrou uma entrevista dando uma “banana” para os repórteres (gesto que equivale a exibir o dedo do meio, gesto incompatível com a liturgia do cargo). Irritou-se noutra entrevista, quando o assunto foi o miliciano Adriano Nóbrega, que havia sido crivado de balas dias antes, numa ação conjunta das polícias do Rio e da Bahia. Depois de uma semana sem dar um pio sobre o assunto, foi perguntado se partira dele a ordem para que Flávio empregasse em seu gabinete a mulher e a mãe do miliciano. E a resposta: "Vocês estão passando para o absurdo".
Ao lado do pai, Flávio assumiu o microfone: "Homenageei centenas e centenas de policiais militares e vou continuar defendendo, não adianta querer me vincular com a milícia, não tem absolutamente nada com milícia. Condecorei o Adriano há mais de 15 anos." E quanto à contratação da mulher e da mãe do miliciano?, quis saber uma repórter. O capitão interveio: "Fica quieta, vai, deixa ele falar. Educação!" A entrevista acabou como começara: sem respostas.
Bolsonaro ainda não notou, mas não será questionando
a sexualidade, ofendendo a mãe ou distribuindo bananas aos repórteres que
sedimentará a imagem de um líder confiável. A presidência da República não é
apenas uma faixa. É preciso que por trás da faixa exista uma noção qualquer de
honra. E a honorabilidade não é coisa que possa ser obtida dando porrada na
sensatez.
Para concluir, relembro o que disse nesta postagem sobre nossos representantes fazerem o que bem entendem sem dar satisfação a quem lhes paga os polpudos salários. Para piorar, quando são pegos chafurdando na lama dos malfeitos, protestam inocência e dizem acreditar na Judiciário, através do qual restará provada sua inocência e blá, blá, blá. Talvez eles tenham motivo para acreditar na Justiça, porque nós continuamos vendo a escória (Maluf, Dirceu, Lula et caterva) morrendo de rir de quem achou que eles cumpririam mesmo as penas a que foram condenados.
Querendo ou não “encher a boca” de quem lhe pergunta dos cheques de pancada, Bolsonaro tem um encontro marcado com as devidas explicações sobre os depósitos de Fabrício e Márcia na conta bancária de Michelle, escreveu Dora Kramer em Veja. E com efeito. O silêncio só agrava as suspeitas e a grosseria não lhe resolve os problemas (que são muitos na seara das transações financeiras da família com o ex-assessor, ora em prisão domiciliar).
Talvez acredite que o assunto morra se ele o evitar, pois não pode ser investigado por ocorrências anteriores ao mandato enquanto for presidente. Seria o caso, se o filho Flávio não estivesse envolvido numa investigação da mesma natureza e que a cada dia, a cada fato revelado, a cada detalhe tornado público vai tornando evidente a existência de um esquema de desvio e lavagem de dinheiro público envolvendo a família Bolsonaro.
Quando manifesta vontade de bater em um jornalista que lhe pergunta a respeito dos cheques na conta da mulher, o chefe do Executivo na verdade expressa o recôndito e inconfessável desejo de tratar a socos e pontapés quem investiga as ilicitudes. Não pode fazê-lo agora porque aí estaria dando motivo para ser acusado de agressão e entrar na investigação. Volta-se, então, contra a imprensa em seu papel de mensageira, pouco atento à robustez da mensagem que mais dia, menos dia, lhe será entregue e com a qual terá de lidar sem direito ao recurso da valentia protegida pelo cargo.
Observação: Curiosamente, a exemplo da patuleia descerebrada — que nada vê contra Lula senão uma abjeta perseguição política —, os bolsonaristas incorrigíveis insistem em dizer que não houve uma única denúncia de corrupção nos últimos 20 meses. Seria porque as movimentações financeiras atípicas envolvendo Queiroz e, mais adiante, seu ex-chefe na Alerj, vieram à luz em 6 de dezembro de 2018? Ou porque as primeiras denúncias sobre o Laranjal do PSL foram publicadas em fevereiro de 2019? (Detalhe: Marcelo Álvaro Antônio, coordenador da maracutaia, continua despachando normalmente no Ministério do Turismo. E a pasta da Saúde está há mais de 100 dias sob intervenção militar.)
A que ponto chegamos!