terça-feira, 29 de setembro de 2020

A CORRIDA MALUCA

 


Após 31 anos no STFCelso de Mello vestirá o supremo pijama 18 dias antes de comemorar seu 75º aniversário natalício, dando a Bolsonaro a oportunidade de fazer sua primeira indicação para a Corte. E ele a fará usando a técnica da cenoura e vara.

Como só não veem as toupeiras igualmente incapazes de enxergar que seu endeusado "Mito" não é exatamente o obelisco da probidade, tornou-se uma questão de vida e morte para o dito-cujo (refiro-me ao mito de festim) empurrar para dentro do Supremo um esbirro subserviente. E se por um lado faltam ao mandachuva respeito à liturgia do cargo e competência para exercê-lo, por outro sobram interessados em lamber-lhe as botas em troca da suprema toga.

Ainda que não seja o primeiro timoneiro da Nau dos Insensatos  a priorizar as próprias conveniências em detrimento da neutralidade (e provavelmente não será o último), o indômito capitão cloroquina se destaca de seus predecessores ao pôr à prova a fidelidade dos pretendentes à toga antes da nomeação — detalhe para o qual nos chamou a atenção o impagável Josias de Souza, numa de suas recentes publicações. 

Tal comportamento (refiro-me a Bolsonaro, não a Josias), apesar de um tanto inusitado, deve-se em grande medida aos inquéritos que investigam possíveis improbidades cometidas pelo Messias, por sua prole e pela suspeitíssima chusma que orbita seu clã como moscas o estrume.

Observação: Entre outros imbróglios cabeludos, merecem menção o inquérito em que o Messias é acusado de aparelhar a PF, o foro especial reivindicado pelo rebento Zero Um, os depoimentos de Zero Dois e Zero Três, as aflições do amigo e gestor de rachadinhas Fabrício Queiroz, os depósitos mal explicados que esse mesmo amigo e gestor de rachadinhas e respectiva esposa efetuaram na conta bancária da primeira dama, e por aí segue a mui suspeita procissão.

No mais, nada de novo no front. Em 2002, quando foi indicado por FHC para o STF, Gilmar Mendes chefiava a AGU do governo tucano. Em 2009, quando foi indicado por Lula, o asqueroso, para ocupar a vaga aberta com a aposentadoria do ministro Menezes Direito, o grande Dias Toffoli comandava a AGU do governo petralha. Em 2017, quando foi indicado pelo vampiro do Jaburu para ocupar a cadeira deixada vaga pelo mal explicado acidente aéreo que limou do mundo dos vivos o ministro Teori Zavascki, o dono da calva mais luzidia que abrilhanta nossa corte suprema corte era Ministro da Justiça.

Para além de André Mendonça (ex-advogado-geral da União, atual ministro da Justiça e “terrivelmente evangélico”)e de Jorge Oliveira (assessor jurídico de Bolsonaro em seus tempos de deputado federal), disputam a indicação do capitão para a cadeira do atual decano Augusto Aras, atual o passador-de-pano-geral da República, João Otávio de Noronha ministro do STJ e “caso de amor à primeira vista” de Bolsonaro, nas palavras do próprio presidente, Willian Douglas, juiz federal e opção preferida de Zero Um, Ives Gandra Filho, ministro do TST ligado à Opus Dei, Benedito Gonçalves, ex-papiloscopista da PF, ex-delegado, ex-juiz e desembargador do TRF-2ª  desde 1998 (responsável pelo afastamento de Wilson Witzel do cargo de governador fluminense em 28 de agosto), Maria Elizabeth Rocha, ministra do STM, Luiz Felipe Salomão, ministro do STJ e do TSE e, pasmem, Damares Alves, pastora e ministra da Mulher, da Família e dos Direito Humanos.

Aras não se constrange em prestar vassalagem ao presidente, como dão conta dois ofícios protocolados recentemente no STF. Num deles o procurador se posicionou contrário ao acatamento de ação que questiona o foro privilegiado concedido a Flávio Bolsonaro pelo TJ-RJ no caso da rachadinha, e no outro, favorável ao pedido do presidente para depor por escrito no inquérito em que é acusado de tramar o aparelhamento político da PF.

Noronha também encantou Bolsonaro & Famiglia ao transferir Fabrício Queiroz do ambiente inóspito de uma cela no presídio carioca de Bangu 8 para o conforto da prisão domiciliar, além de estender o benefício à foragida Márcia Aguiar, esposa do ex-Gasparzinho — que, dizem as más línguas, flertava com a delação.

Na prática, diz Josias de Souza, trava-se uma acirrada competição pela vaga de ministro do Supremo. Nada de novo sob o Sol. A diferença é que a agora a disputa se desenvolve na frente das crianças. Mas é bom lembrar que fidelidade prévia não assegura alinhamento futuro. Lula indicou 8 togados e acabou na cadeia. No julgamento do mensalão, Joaquim Barbosa e Ayres Britto portaram-se com rigor inaudito. Já a eterna nefelibata da mandioca cobriu com a suprema toga os ombros de Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, e eles se notabilizaram pelo apoio à Lava-jato — nos julgamentos sobre a prisão de condenados na segunda instância, os três votaram invariavelmente a favor da tranca, inclusive a de Lula.

Prevalece atualmente no Supremo, por 6 votos a 5, a ala adepta da política de celas abertas. Afrouxou-se a regra sobre a prisão em segundo instância quando aguardavam na fila por uma condenação políticos do quilate de Aécio Neves e Michel Temer, ambos unha e carne com Gilmar Mendes. E sonhava com a reconquista do meio-fio um personagem como Lula, que conta com a gratidão imorredoura de Ricardo Lewandowski e de seu ex-esbirro Dias Toffoli — ambos vestiram a suprema toga sobre a farda de militante petista.

Seria catastrófico se o futuro escolhido de Bolsonaro se aliar à suprema banda dos garantista de ocasião, aumentando para sete o número de togados laxantes. Mas novas mudanças ocorrerão em breve. Marco Aurélio, que passará de vice-decano a titular com a saída de Celso de Mello, atinge a idade de corte em julho de 2021, quando então Ricardo Lewandowski assumirá o decanato. Em maio de 2023, ele transferirá a honraria para a ministra Rosa Weber, que terá direito ao título durante apenas 5 meses. E por aí segue a procissão, porque não há nada como o tempo para passar.

Marco Aurélio pode não ser (e não é) o ministro dos sonhos de quem, como este que vos escreve, gostaria que mofassem na cadeia (na impossibilidade de mandá-los para o paredão) todos os ladrões travestidos de agentes públicos, sobretudo aqueles que vêm se aproveitando da Covid-19 para encher as burras (tanto as próprias quanto as de cúmplices e apaniguados) com o suado dinheiro dos contribuintes que deveria ser destinado ao combate ao vírus.

Quando por mais não seja, merece elogios o primo de Fernando Collor por entender que “os magistrados não deveriam agradecer com a toga". Aliás, ele próprio declarou-se impedido, por razões de consciência, de participar de julgamentos que envolviam o ex-presidente impichado em 1992 e hoje senador da República graças ou grande coração e cérebro de ameba do eleitorado alagoano.

De um tempo a esta parte, honestidade, lisura e probidade tornaram-se “virtudes”, conquanto devessem ser a regra geral, e não raríssimas (e por isso honrosas) exceções. Parafraseando o próprio Marco Aurélio:

São tempos estranhos, muito estranhos, geradores de grande perplexidade nacional. E o Brasil, como nós estamos vendo, continua sangrando”.