Tudo costuma ser fácil (ou mais fácil) quando se sabe. E o nosso idioma não é exceção.
Se os próprios falantes nativos (tanto os de cá quanto os de além-mar) se embananam com regências verbais e nominais, pontuação (sobretudo a danada a vírgula e o capcioso hífen), acentuação, colocação pronominal e outros que tais, e até mesmo os “letrados” são vítimas recorrentes das armadilhas da última flor do lácio, imagine o leitor a dificuldade dos estrangeiros, ou dessa molecada que... bom, deixa pra lá.
Por outro lado — e tudo sempre tem um
outro lado —, nosso vocabulário (por nosso, entenda-se o do idioma)
é riquíssimo. Com raríssimas exceções, basta procurar para encontrar um termo específico para cada coisa. Isso não acontece no inglês, por exemplo, onde o sentido dos phrasal verbs mudam ao sabor das preposições ou dos advérbios que os
sucedem.
Veja o caso do verbo to get, que se pode traduzir por “ganhar”, “obter”. Seguido de “away”, ele passa a significar “escapar”, “fugir”; de “out”, “sair”; de “over”, “superar” (um problema ou situação), e por aí vai.
Dick tanto pode ser usado como apelido de Richard quanto para designar o “pinto” (e não me refiro àquele que nasce do ovo).
Cock é “galo” (donde “cocktail” significa “rabo de galo”, mas remete a qualquer bebida tomada como aperitivo e não necessariamente à mistura de pinga com vermute), mas também designa o órgão sexual masculino. E a palavra pussy, que significa “gatinha”, também é usada como sinônimo (menos grosseiro) de cunt, que equivale ao termo mais chulo usado no português para designar o órgão sexual feminino.
Mesmo sem advérbio ou preposição, o verbo to screw pode ser traduzido tanto como “aparafusar” quanto como “foder”, conforme o contexto (embora na segunda acepção o uso de to fuck seja mais recorrente).
Voltando ao idioma de Camões, não há
nada mais versátil do que a palavra “merda”. Confira os exemplos a seguir:
Como indicação geográfica: Onde fica
essa MERDA?
Como indicação geográfica: Vá à MERDA!
Como indicação de final de expediente: 18h00 — vou-me embora desta MERDA.
Como substantivo qualificativo: Você é um MERDA!
Como auxiliar quantitativo: Trabalho pra caramba e não ganho MERDA
nenhuma!
Como indicador de especialização profissional: Ele só faz MERDA.
Como indicativo de MBA: Ele faz muita MERDA.
Como sinônimo de covarde: Seu MERDA!
Como questionamento dirigido: Fez MERDA, né?
Como indicador visual: Não se enxerga MERDA nenhuma!
Como elemento de indicação do caminho a
ser percorrido: Por que você não vai à MERDA?
Como especulação de conhecimento e
surpresa: Que MERDA é essa?
Como constatação da situação financeira de
um indivíduo: O coitado está numa MERDA...
Como indicador de ressentimento natalino: Não
ganhei MERDA nenhuma de presente!
Como indicador de admiração ou de
rejeição: PUTA MERDA!
Como indicador de espécie: O que esse
MERDA pensa que é?
Como indicador de continuidade: Na
mesma MERDA de sempre.
Como indicador de desordem: Está tudo
uma MERDA!
Como constatação científica dos resultados
da alquimia: Tudo em que ele toca vira MERDA!
Como resultado aplicativo: Deu MERDA!
Como indicador de performance esportiva: A
Seleção não está jogando MERDA nenhuma!
Como constatação negativa: Que MERDA!
Como classificação literária: Eita
textinho de MERDA!
Como indicação de orgulho/soberba: Ela
se acha e não tem MERDA NENHUMA!
Como indicativo de desocupação: Se você
leu este texto até aqui, é sinal de que não está fazendo MERDA nenhuma.
Para concluir, merda define de maneira lapidar a gestão do atual inquilino do Palácio do Planalto: EITA GOVERNO DE MERDA!!!
Bem, talvez haja controvérsias. Mas não dizia Nelson
Rodrigues (entre as muitas bobagens que falou) que “toda unanimidade é
burra”?
Fato é que as pesquisas do Ibope atestaram expressivo aumento — de 20% para 40% — na
avaliação positiva do governo e deixaram Bolsonaro feliz como um pinto no
lixo. Logo ele, que até pouco tempo atrás menosprezava essas enquetes: em
setembro do ano passado, por exemplo, questionado por um repórter o questionou
sobre o
aumento de sua reprovação segundo o Datafolha, o capetão respostou de bate-pronto:
Alguém acredita no Datafolha? Você acredita em Papai Noel?
Nota-se perfeitamente que esse “crescimento” se deve ao auxílio emergencial de R$ 600, ora reduzido à metade. Resta saber como ficará o sentimento de gratidão dos pobres e paupérrimos quando a fonte secar.
Por mais que general da banda que toca errado almeje tornar permanente
seus arroubos populistas, ops, suas propostas de transferência de renda, falta combinar
com os russos, ou melhor, descobrir de onde onde virá o dinheiro para manter a
todo vapor esse assistencialismo de ocasião em troca de afagos no ego e de
votos nas urnas em 2022 (que Deus nos livre dessa sina maldita e o diabo convoque
o sevandija vermelho para o devido acerto de contas).
Recomenda-se ao Messias que
não miracula dar um jeito de começar a miracular. O Erário está vazio como geladeira de
mendigo, e os "contribuintes" trabalham metade do ano somente para fazer frente à escorchante carga tributária que esse governo de merda (a exemplo de todos os anteriores) lhes impõe.
Sobre a única explicação para o crescimento da popularidade do garoto-propaganda da
cloroquina segundo o Ibope, a coluna de Dora Kramer na edição de Veja
desta semana resume a coisa magistralmente: se de um lado é um cenário que
favorece o presidente, de outro cria a necessidade de ele manter essa peteca no
ar. Ou seja, é preciso continuar a assistir aos mais pobres de forma que eles
se mantenham eleitoralmente fiéis.
A questão é como fazer isso sem arrebentar a economia, sem cometer crime de responsabilidade e sem recorrer à contabilidade criativa que não levou a bom porto a Nau dos Insensatos quando a anta sacripanta segurava o timão.
O desfecho foi ruim para ela, mas
pior ainda para nós, que continuamos pagando a conta de sua monumental
irresponsabilidade. Vade retro, coisa ruim!