sábado, 26 de setembro de 2020

O DEDO PODRE DO ELEITORADO TUPINIQUIM

 


A vida é feita de escolhas, e hoje eu escolhi sair”, disse Nelson Teich em 15 de maio, ao comunicar que terminava ali sua passagem relâmpago pelo Ministério da Saúde, após de ter assumido o posto em 16 de abril, um dia depois de Bolsonaro ter empurrado para fora da pasta o ortopedista Luiz Henrique Mandetta. A questão é que toda escolha tem consequências e, como bem disse o Conselheiro Acácio, o problema com as consequências é que elas sempre vêm depois.

Tanto Mandetta quanto Teich eram avessos ao uso da cloroquina — que não tem eficácia comprovada contra o Sars-CoV-2, ou pelo menos é o que afirma a maioria dos virologistas, infectologistas, epidemiologistas e epidemiologistas. A questão é que Bolsonaro pensa diferente, e é Bolsonaro quem tem na mão a caneta Bic que tudo pode — inclusive nomear um general para comandar interinamente o ministério da Saúde durante a mais severa pandemia viral da história recente desta republiqueta de almanaque.

Observação: Como reconhecimento pelo excelente trabalho prestado pelo general Pazuello em seus quatro meses de interinidade — com destaque para a transformação da pasta em cabide de farda —, o capitão cloroquina tornou permanente a solução que muitos não admitiam sequer como temporária: no último dia 16, a poderosa Bic entrou em ação, e o estrelado especializado em logística foi efetivado ministro da Saúde, a despeito de não ter sequer um certificado de auxiliar de enfermagem, mesmo que obtido num curso por correspondência, para pendurar no gabinete.

A pergunta que não cala não é "o que faz um general de quatro estrelas (agora reformado) no comando da Saúde?", mas "o que faz um dublê de mau militar e parlamentar medíocre no Palácio do Planalto?"

Não bastasse o único projeto de governo do Messias que não miracula ser a própria reeleição e a despeito de ele reconhecer que não nasceu para ser presidente, nasceu para ser militar, sua insolência e seus três filhos políticos (Jair Renan ainda não entrou formalmente para o time) são investigados por uma vasta gama de práticas nada republicanas.

Para ficar num singelo exemplo, um levantamento feito pela revista Época apurou que supostos funcionários fantasmas do clã presidencial receberam R$ 29,5 milhões em salários do total de R$ 105,5 milhões pagos entre 1991 e 2019 — em valores corrigidos pela inflação do período.  De acordo com a reportagem, 28% do total pago a 286 servidores (a expensas do Erário, portanto) foram depositados na conta de funcionários com indícios de que não trabalharam de fato nos cargos, até porque exerciam outas atividades. Nathália Queiroz, filha do ex-assessor Fabrício Queiroz, recebeu R$ 1,3 milhão, embora trabalhasse como personal trainer. E o mesmo valor recebeu a mãe dela, que era cabeleireira. 

São 17 pessoas ligadas ao gabinete de Flávio, 10 ao de Carlos, 3 ao do então deputado federal Jair Bolsonaro, e outros 9 que passaram por diferentes gabinetes da família.

O reduto eleitoral do clã Bolsonaro é o Rio de Janeiro, estado onde o afastamento do governador Wilson Witzel nos leva a uma estatística surreal: nos últimos 4 anos, 6 governadores ou ex-governadores foram afastados e 5 foram presos. Apenas o atual (ainda) não foi detido. Sérgio Cabral, condenado a mais de 200 anos de prisão em regime fechado, permanece atrás das grades. Os demais recorrem em liberdade.

Na ex-Cidade Maravilhosa, o alcaide de turno, Marcelo Crivella, sobrinho do Bispo Macedo, dono da Universal, foi declarado inelegível pelos próximos 6 anos, por abuso de poder político e conduta vedada a agente público. A decisão foi tomada por unanimidade, na última quinta-feira, pelo TRE-RJ.

Escolher entre Crivella e Marcelo Freixo (na eleição municipal de 2016) talvez tenha sido para os cariocas uma decisão quase tão difícil quanto a do pleito presidencial de 2018 foi para os brasileiros "de bem" (detesto essa expressão, mas enfim...). A questão é que antes do segundo turno houve o primeiro, foi no primeiro que o dedo podre do eleitor eliminou todos os demais postulantes (não se discute que a maioria parecia fazer parte do cast de um circo de horrores, mas poder-se-ia ter escolhido um par menos ruim).

Não sei se Bolsonaro tem dedo podre, mas imagino que os armários do gabinete que ele ocupou na Câmara Federal durante 27 anos estejam abarrotados de esqueletos. Certeza, mesmo, a gente tem de que a todo-poderosa Bic não está nas melhores mãos, considerando as nomeações que ela assinou para preencher as pastas da Esplanada dos Ministérios. 

Para não espichar demais este texto, fiquemos no exemplo do MEC, que começou mal com o bisonho Ricardo Vélez, piorou com dublê de poço de incompetência e obelisco da beligerância Abraham Weintraub, virou piada com o professor, mestre, doutor, pós-doutor e o escambau Carlos Alberto Decotelli (que se demitiu antes que a imprensa descobrisse que ele foi reprovado no teste do pezinho e bombou no jardim da infância) e agora atinge seu ápice com o ministro-pastor (mais um) Mílton Ribeiro.

O atual ministro da Educação declarou recentemente que "a homossexualidade é fruto de famílias desajustadas“. Segundo o luminar, "o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo (sic) faz isso porque não tem a atenção do pai, não tem a atenção da mãe; não questões de valores e princípios".

Por hoje chega. Amanhã tem mais.