Depois de chocar a PEC da Reforma Administrativa durante mais de um ano e concluir que dali não sairia pinto, o Messias que não miracula resolveu enviar o ovo ao Congresso.
Parlamentares de oposição criticaram até formato do zigoto galináceo. Houve quem acusasse Paulo Guedes de não entregar nada do que prometeu e responsabilizar os servidores (11,5 milhões, segundo o Ipea) pela catástrofe que esse governo está produzindo. Os mais isentos, por assim dizer, apontaram distorções e sugeriram correções, enquanto os puxa-sacos de plantão se desdobraram em elogios e a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa reconheceu avanços significativos e pontos que precisam ser melhorados.
Fazer qualquer julgamento de valor sem ler o texto seria leviano, e eu confesso que ainda não tive paciência para tanto. Mas o que eu ouvi me autoriza a concordar com os que criticaram a proposta por ela ter poupado parlamentares, militares e membros do Ministério Público.
Também acho lamentável o capitão-cloroquina ter fechado questão
sobre a irretroatividade da PEC. Num momento em que o “orçamento de
guerra” (contra a Covid-19) abriu no Erário um buraco mais negro
que o passado de Lula e tão grande quanto a incompetência de Dilma
(estima-se que o déficit primário ultrapasse
R$ 800 bi em 2020), uma proposta de reforma que mira uma economia no
longo prazo é o mesmo que prometer uma quentinha com linguiça, picanha,
lombinho de porco e salada de batata a um mendigo faminto, mas dizer-lhe que a venha buscar dali a oito dias, porque o churrasco vai ser no
domingo.
Quanto ao superministro, é inegável que ele encolheu, que colecionou mais derrotas que vitórias. Mas há que levar em conta a
postura do morubixaba da aldeia, que prometeu mundos e fundos durante a
campanha e virou a casaca quando os
malfeitos de seu espúrio clã afloraram como a merda que reflui de uma privada entupida.
Foram para o saco a reforma política (com redução de 15% a 20% do
número de parlamentares), o fim do instituto da reeleição, a escolha do staff com
base em critérios técnicos (haja vista Vélez, Weintraub, Damares,
Salles, Araújo, a penca de generais, Pazuello na Saúde, Aras
na PGR e sabe lá Deus quem “terrivelmente evangélico” na vaga de Celso
de Mello no STF), o combate implacável à corrupção (com direito a
carta branca a Sérgio Moro) e por aí seguiu melancolicamente a procissão.
O candidato Bolsonaro assegurou a Guedes a
última palavra sobre economia. Já presidente, ao se dar dar conta do milagre que o assistencialismo travestido de vale-corona operou em sua popularidade, sobretudo no Norte e no
Nordeste (tradicionais redutos lulopetistas), avisou ao auxiliar que a última
palavra passou a ser duas: SIM, SENHOR.
Guedes abusou de balões de ensaio (como a volta
da CPMF) e fracassou nas privatizações (não só por
culpa dele, mas enfim...). Zerar o déficit primário das contas públicas no
primeiro ano de governo e fazer uma grande reforma tributária, “tirando o peso
do estado sobre os ombros do empresário”, então? Só rindo para não chorar. Dizem
as más línguas que ele não sofreu derrotas, até porque jamais travou batalhas. Só vendeu ilusões e entregou decepções.
Guedes tem acumulado reveses nas últimas semanas e, embora ninguém no governo se arrisque a dizer que ele está de saída, a avaliação é a de que os sinais de desgaste são inequívocos. Embora Bolsonaro ainda diga que o apoio ao ministro é irrestrito, as decisões políticas têm demonstrado o contrário. A impressão que se tem é de que o ministro adquiriu a doença de que padecem 02 e 03, além, é claro, do próprio 00, que se chama "paranóia".
Observação: Onde há fumaça costuma haver fogo. Em conversas reservadas, auxiliares do Planalto e ministros admitem discordâncias entre a vontade do general da Banda e do Posto Ipiranga, que afirma não caber a ele fazer as contas que possam afetar a popularidade do governo. As principais críticas no Planalto são as de que a Economia age sem acertar os ponteiros com os demais órgãos e ministérios, muitas vezes contrariando a determinação política do presidente e a orientação jurídica do governo.
Na quinta-feira, Maia reclamou que o ex-superministro proibiu os membros da equipe econômica de negociar com o Congresso. No dia seguinte, em entrevista ao SBT, disse que Guedes “simplesmente não gosta dele”. Surpreendente! Eu nem sabia que eles estavam namorando!
Guedes fareja no ar uma conspiração para apeá-lo do cargo. Atribui a articulação do complô ao general Luiz Eduardo Ramos e ao ministro Rogério Marinho. E achando que a melhor defesa é o ataque, resolve atirar. Só que mira em Rodrigo Maia. E o passado mostra que comprar briga com o presidente da Câmara é uma péssima ideia. Mesmo que, na atual conjuntura, o ex-superministro já não faça muita falta, sem ele o capetão trevoso se tornará a versão cuspida e escarrada de Dilma com pinto. E não estou falando do ovo.
Dito isso, passo a palavra a Josias de Souza.
A única coisa realmente bem distribuída no mundo é a tolice. É grande a quantidade de tolos. E como não há vacina contra asneira, todos correm o perigo de contágio. Em matéria de imunização, o governo decidiu roçar as fronteiras do impensável. No início da semana, o ministro interino da Saúde, o general paraquedista Eduardo Pazuello, nomeou um veterinário, Laurício Monteiro Cruz, para o cargo de Diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis, responsável pelo gerenciamento do programa nacional de vacinação.
No dia seguinte, o presidente falou sobre vacinas como se estivesse com os pés no século 21 e a cabeça na era proterozoica, que é anterior ao aparecimento dos animais na Terra. Uma devota de Bolsonaro levantou a bola no cercadinho do Alvorada para que o presidente falasse sobre vacinação: "Ô, Bolsonaro, não deixa fazer esse negócio de vacina, não! Isso é perigoso." E o presidente concluiu o lance com uma cortada: "Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina."
Numa evidência de que a tolice é altamente contagiosa, a Secretaria de Comunicação do governo transformou a fala proterozoica do presidente em peça de propaganda. E se apressou em anotar nas redes sociais: "O governo do Brasil preza pelas liberdades dos brasileiros".
Chegamos, então, ao seguinte quadro: o governo é comandado por um presidente que, há duas semanas, disse em viagem ao Pará que as mais de 100 mil mortes que o coronavírus produziu no Brasil não existiriam se os doentes tivessem sido tratados desde o início com hidroxicloroquina. Esse mesmo Bolsonaro que trata como vacina um remédio sem eficácia confirmada, desdenha de uma vacina que o mundo aguarda com ansiedade.
Num mundo convencional, havendo uma doença, vacina-se o povo e está tudo resolvido. No caso do novo coronavírus, aguarda-se ansiosamente pelos testes que validarão as vacinas. Antes da conclusão, Bolsonaro trata da vacinação não como um presidente, mas com a displicência de um curandeiro. Em vez de esclarecer, confunde.