Falávamos da fritura de Paulo Guedes quando eu me desviei do assunto para tratar de questões laterais e acabei não voltando o tema da
conversa. Antes de fazê-lo, porém, peço licença ao leitor para tecer mais algumas considerações sobre
a relação Moro-Bolsonaro. Vamos a elas.
É público e notório que o candidato Jair Bolsonaro
agiu de caso pensado ao convidar Sérgio Moro para integrar sua equipe
(detalhes na postagem anterior). Mas daí a achar que Moro condenou
Lula de olho no ministério da Justiça e pensando em usar o cargo como
vitrine para expor sua imagem e, mais adiante, fazê-lo de trampolim para disputar
a Presidência em 2022 equivale a achar que basta calçar um par de escarpins
numa vaca (falo de uma fêmea da família dos bovídeos)
para ela dançar um tango.
Moro condenou o sevandija abjeto no processo do
tríplex, em julho de 2017, quando Bolsonaro tinha tantas chances de se
eleger presidente quanto este humilde escriba de ser indicado para o Nobel
de Literatura. Mas não há como negar que a indicação
para uma vaga no STF tenha pesado na decisão do ex-juiz. Afinal, trata-se do mais alto
posto na hierarquia da magistratura, o que torna a perspectiva de ocupá-lo
atraente para qualquer militante do Direito.
Por outro lado, Moro viu no convite de Bolsonaro a
chance de implementar sua agenda anticorrupção e anticrime organizado no
Executivo. Nas palavras do então ministro: "Na prática, significa
consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar
riscos de retrocessos por um bem maior.”
Só ignorantes e mal-intencionados confundem estratégia
com crime. Aos primeiros, uma rápida busca no Google dará conta
de que estratégia é “a arte de aplicar com eficácia os
recursos de que se dispõe ou de explorar as condições favoráveis de que
porventura se desfrute, visando ao alcance de determinados objetivos”. E uma busca por “crime” os levará a “transgressão imputável da lei
penal por dolo ou culpa, ação ou omissão; delito; ação típica e antijurídica,
culpável e punível; ato que viola ou ofende um bem juridicamente tutelado”
e, por extensão, “ação com consequências sociais desastrosas ou
desagradáveis; qualquer ação, individual ou coletiva, ética e socialmente
condenável”.
Aos mal-intencionados, cumpre salientar que crime
é fazer apologia de torturadores, defender o fechamento do STF e do Congresso,
pugnar pela volta da ditadura militar e reedição do AI-5, apropriar-se
de parte do salário de assessores parlamentares, lavar dinheiro, ocultar
patrimônio, encobrir malfeitos de milicianos de estimação e mais uma
longa fieira de espuriedades que, de acordo com a PF e o MP, brotam
dos píncaros do executivo federal como merda aflora de uma privada entupida quando
se lhe dá a descarga.
Achar mesmo que Moro abriria mão de 22 anos na
magistratura em troca de uma promessa feita no fio do bigode e de uma perspectiva
de carreira política que, se realmente lhe cruzou a mente, ainda não passava de
uma ideia subliminar, é insultar a inteligência do ex-juiz. Por outro lado,
vivemos num país onde até o passado é duvidoso, e isso fomenta teorias
conspiratórias. Essa é apenas mais uma delas. Ainda assim, o capitão-cloroquina
vem se empenhando em esmerdear a reputação do ex-ministro, pois se borra de
medo de ter de enfrentá-lo nas urnas em 2022. E agora conta com o inestimável
auxílio das bandas poderes do Congresso e do Supremo.
Mas Bolsonaro não prometeu acabar com a reeleição? Claro
que sim. Mas foi o candidato Jair Messias Bolsonaro que fez
essa promessa. O presidente Jair Messias Bolsonaro lançou sua
candidatura à reeleição no instante em que subiu a rampa do Palácio do Planalto
— após se desvencilhar dessa e de outras incomodativas promessas de campanha,
como a carta-branca que daria a Sérgio Moro, a cruzada implacável contra
a corrupção, e por aí afora. Ninguém promete tanto quanto quem não tem intenção
de cumprir. E ninguém
mente melhor que os políticos, pois sabem que os eleitores querem
ser logrados, querem continuar sonhando que tudo será diferente quando seus
escolhidos assumirem o poder.
Fato é que seria melhor para todos se Moro tivesse
declinado do convite. Inclusive para o próprio Moro. Mas ser engenheiro
de obra pronta é fácil; difícil é cantar a bola e a caçapa — e acertar — antes de
dar tacada.
Continua..