terça-feira, 1 de setembro de 2020

JÁ VIMOS ESSE FILME... (PARTE II)

 

Falávamos da fritura de Paulo Guedes quando eu me desviei do assunto para tratar de questões laterais e acabei não voltando o tema da conversa. Antes de fazê-lo, porém, peço licença ao leitor para tecer mais algumas considerações sobre a relação Moro-Bolsonaro. Vamos a elas.

É público e notório que o candidato Jair Bolsonaro agiu de caso pensado ao convidar Sérgio Moro para integrar sua equipe (detalhes na postagem anterior). Mas daí a achar que Moro condenou Lula de olho no ministério da Justiça e pensando em usar o cargo como vitrine para expor sua imagem e, mais adiante, fazê-lo de trampolim para disputar a Presidência em 2022 equivale a achar que basta calçar um par de escarpins numa vaca (falo de uma fêmea da família dos bovídeos) para ela dançar um tango.

Moro condenou o sevandija abjeto no processo do tríplex, em julho de 2017, quando Bolsonaro tinha tantas chances de se eleger presidente quanto este humilde escriba de ser indicado para o Nobel de Literatura. Mas não há como negar que a indicação para uma vaga no STF tenha pesado na decisão do ex-juiz. Afinal, trata-se do mais alto posto na hierarquia da magistratura, o que torna a perspectiva de ocupá-lo atraente para qualquer militante do Direito.

Por outro lado, Moro viu no convite de Bolsonaro a chance de implementar sua agenda anticorrupção e anticrime organizado no Executivo. Nas palavras do então ministro: "Na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior.”

Só ignorantes e mal-intencionados confundem estratégia com crime. Aos primeiros, uma rápida busca no Google dará conta de que estratégia é “a arte de aplicar com eficácia os recursos de que se dispõe ou de explorar as condições favoráveis de que porventura se desfrute, visando ao alcance de determinados objetivos. E uma busca por “crime” os levará a “transgressão imputável da lei penal por dolo ou culpa, ação ou omissão; delito; ação típica e antijurídica, culpável e punível; ato que viola ou ofende um bem juridicamente tutelado” e, por extensão, “ação com consequências sociais desastrosas ou desagradáveis; qualquer ação, individual ou coletiva, ética e socialmente condenável”.

Aos mal-intencionados, cumpre salientar que crime é fazer apologia de torturadores, defender o fechamento do STF e do Congresso, pugnar pela volta da ditadura militar e reedição do AI-5, apropriar-se de parte do salário de assessores parlamentares, lavar dinheiro, ocultar patrimônio, encobrir malfeitos de milicianos de estimação e mais uma longa fieira de espuriedades que, de acordo com a PF e o MP, brotam dos píncaros do executivo federal como merda aflora de uma privada entupida quando se lhe dá a descarga.

Achar mesmo que Moro abriria mão de 22 anos na magistratura em troca de uma promessa feita no fio do bigode e de uma perspectiva de carreira política que, se realmente lhe cruzou a mente, ainda não passava de uma ideia subliminar, é insultar a inteligência do ex-juiz. Por outro lado, vivemos num país onde até o passado é duvidoso, e isso fomenta teorias conspiratórias. Essa é apenas mais uma delas. Ainda assim, o capitão-cloroquina vem se empenhando em esmerdear a reputação do ex-ministro, pois se borra de medo de ter de enfrentá-lo nas urnas em 2022. E agora conta com o inestimável auxílio das bandas poderes do Congresso e do Supremo.

Mas Bolsonaro não prometeu acabar com a reeleição? Claro que sim. Mas foi o candidato Jair Messias Bolsonaro que fez essa promessa. O presidente Jair Messias Bolsonaro lançou sua candidatura à reeleição no instante em que subiu a rampa do Palácio do Planalto — após se desvencilhar dessa e de outras incomodativas promessas de campanha, como a carta-branca que daria a Sérgio Moro, a cruzada implacável contra a corrupção, e por aí afora. Ninguém promete tanto quanto quem não tem intenção de cumprir. E ninguém mente melhor que os políticos, pois sabem que os eleitores querem ser logrados, querem continuar sonhando que tudo será diferente quando seus escolhidos assumirem o poder.

Fato é que seria melhor para todos se Moro tivesse declinado do convite. Inclusive para o próprio Moro. Mas ser engenheiro de obra pronta é fácil; difícil é cantar a bola e a caçapa — e acertar — antes de dar tacada.

Continua..