segunda-feira, 28 de setembro de 2020

SAÚDE EM PAUTA — CIRURGIA DE BOLSONARO E APOSENTADORIA DE CELSO DE MELLO.


O Senhor do Universo não só ouviu como atendeu as preces de 500 milhões de brasileiros, e assim o presidente mais querido de toda a história desta republiqueta de bananas, que havia sido internado na última sexta-feira para a retirada de um cálculo na bexiga, teve alta do Hospital Israelita Albert Einstein por volta das 13h do sábado.

A preferência de nossos políticos pelo HIAE é notória e suprapartidária, e o fato de se tratar do nosocômio mais caro do Brasil — senão de toda a América Latina — não lhes incomoda nem um pouco. Até porque são os “contribuintes” que pagam a conta (se dinheiro não é problema, nada melhor que ter o melhor). 

Segundo um velho ditado, o exemplo vem de cima. Não vejo razão para essa caterva de sevandijas não se servir do SUS, que é a única alternativa para mais de 80% dos desafortunados cidadãos brasileiros. Aliás, a “excelência” do sistema público de saúde tupiniquim levou o criminoso de Garanhuns a sugerir que Barack Obama emulasse o serviço lá nos States. Todavia, a última vez que Lula pisou num hospital público (noves fora em atividades sindicais e atos de campanha política) foi nos anos 1960, após perder o dedo mínimo da mão esquerda num acidente muito mal explicado.

Falando em saúde, depois de se submeter a uma série de cirurgias no quadril o ministro Celso de Mello antecipou sua aposentadoria — que estava prevista para o final do mês que vem. Ao retornar da licença médica na última sexta-feira, o decano comunicou à presidência do STF que deixará a Corte no dia 13 de outubro (na verdade, 9 de outubro, sexta-feira, será seu último dia de trabalho, devido ao final de semana encompridado pelo feriado do dia 12, em homenagem à padroeira do Brasil).

O ministro pretende participar do plenário virtual que deve decidir se o depoimento de Bolsonaro no já folclórico inquérito que investiga a intervenção política do presidente na PF se dará de forma presencial ou por escrito. Na qualidade de relator, o decano havia determinado (em decisão monocrática) o depoimento presencial.

O magistrado se baseou no artigo 221 do CPP, que assegura tanto ao presidente da República quanto a ministros e ao vice-presidente a prerrogativa de depor por escrito, mas desde que figurem nos processos como colaboradores, testemunhas, peritos ou vítimas (o grifo é meu). Como Bolsonaro é investigado, impõe-se lhe o depoimento presencial, e assim decidiu o decano, que, além de salientar que assiste ao depoente o direito de não produzir prova contra si e permanecer calado — ou de não se apresentar para depor —, determinou que a defesa do co-investigado, o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro, participe do depoimento e, querendo, faça perguntas ao depoente.

Bolsonaro, que exsuda inocência por todos os poros, deveria ser o maior interessado em dar sua versão o quanto antes e pôr um ponto final nesse poço de suspeitas, mas orientou a AGU a recorrer da decisão. Na ausência do relator do inquérito, coube ao vice-decano Marco Aurélio descascar o abacaxi. Mas macaco velho não mete a mão em cumbuca: o ministro se manifestou favoravelmente ao depoimento por escrito, mas submeteu o caso ao plenário virtual. Resta saber se, ou melhor, quantos de seus pares seguirão seu voto.

ObservaçãoPelo critério de antiguidade, Marco Aurélio é o herdeiro natural dos processos que estão atualmente sob a relatoria de Celso de Mello, mas o primo de Collor já deixou claro que não aceita "receber" o inquérito que investiga Bolsonaro, e que, no seu entender, a redistribuição deve ser feita por sorteio. Espera-se que a decisão seja tomada antes do dia 13 do mês que vem, sob pena de o sucessor indicado por Bolsonaro vir a ser sorteado.

A antecipação da aposentadoria do decano deve antecipar também a indicação de seu sucessor. Bolsonaro disse que vai indicar um nome “terrivelmente evangélico”, mas o que ele quer na verdade é ter na Suprema Corte um vassalo que lhe seja totalmente subserviente. Dito de outra forma, o capitão tragédia se valerá da mesma a estratégia que usou (com total sucesso, diga-se) ao indicar Augusto Aras para a PGR. Resta saber se o raio cairá duas vezes no mesmo lugar. 

Os nomes mais cotados para a vaga do decano são do ministro da Justiça, André Mendonça — que não é exatamente bem-visto por parte dos parlamentares e de uma ala do Supremo — e do secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira

A saída de Celso de Mello (após 31 anos na Corte) deixa no ar uma dúvida quanto a processos importantes que tramitam na 2ª Turma, que é formada por ele e pelos ministros Gilmar MendesRicardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Edson Fachin

É na 2ª Turma que tramita desde 2018 um habeas corpus impetrado pela defesa de Lula, que os ministros Fachin e Cármen rejeitaram há quase dois anos, quando o ministro que Augusto Nunes (ou teria sido José Nêumanne?) apelidou de Maritaca de Diamantino, farejando a derrota, pediu vista e interrompeu o julgamento do processo.

Cabe a Gilmar Mendes, na condição de presidente da 2ª Turma, definir a pauta de julgamentos, e ele vem se aproveitando dessa prerrogativa para fazer picadinho das decisões da Lava-Jato e submeter a reputação do ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro a um processo de esquartejamento. Isso torna o voto Celso de Mello fundamental para definir o placar, ainda que não se descarte a possibilidade de algum ministro da 1ª Turma pedir transferência para a segunda.

Em atenção a quem já não se lembra de quando e como teve início essa novela, o HC impetrado pela defesa de Lula visa anular o processo do tríplex com base na suposta parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro, inobstante a sentença condenatória proferida pelo então magistrado ter sido confirmada em segunda e terceira instâncias, e de quase uma centena de recursos terem sido rejeitados. 

Quando o HC foi a julgamento no final de 2018, Lewandowski, que então presidia a 2ª Turma, comunicou que tinha uma “notícia de pedido de adiamento”. Fachin, relator dos processos da Lava-Jato no STF, disse não ter conhecimento desse pedido, e o conspícuo causídico Cristiano Zanin, coordenador da equipe de criminalistas estrelados e regiamente pagos para defender o corrupto de Garanhuns e igualmente enrolado na Lava-Jato (meu Deus! Não escapa um!), subiu à tribuna para esclarecer que havia impetrado outro habeas corpus na véspera, e que gostaria que ambos fossem julgados conjuntamente. 

Fachin argumentou que o novo pedido sequer havia chegado a seu gabinete, e que o julgamento deveria prosseguir. Lewandowski observou ser de praxe naquela Corte atender a pedidos de adiamento; Fachin disse que estava no STF havia algum tempo e sabia disso, mas insistiu em seguir com o julgamento.

Gilmar saiu em defesa de seu parceiro na "cruzada pela soltura de tudo e todos": “Foram tantos casos trazidos a propósito do paciente Lula que, salvo engano, nenhum habeas corpus foi julgado pela turma, ponderou o laxante de toga. Fachin reiterou que é do relator a competência de levar uma processo a plenário, mas Lewandowski, pegando a deixa do dublê de representante de Amon-Rá e ave psitaciforme da família dos Psittacidaes, insistiu que as turmas têm competência de enviar processos ao plenário, e que, no caso de Lula, era isso que deveria ser feito, até porque a suposta suspeição de Moro estava prestes a ser julgada pelo Conselho Nacional de Justiça, e a análise do habeas corpus pela turma poderia “influenciar ou desautorizar” esse julgamento.

Como Celso de Mello e Cármen Lúcia acompanharam o voto do relator, as investidas pró-defesa restaram inexitosas, e o julgamento do mérito foi iniciado após um breve intervalo. Fachin abriu abriu o placar votando pela rejeição do HCCármen seguiu seu voto. Antevendo a derrota que se avizinhava, Medes pediu vista, e assim o julgamento foi suspenso. Até agora. 

No mês passado, a profícua parceria Mendes/Lewandowski extirpou a delação de Palocci do processo em que Lula é acusado de receber propina da Odebrecht na forma de um terreno para a construção da nova sede de seu Instituto. Dada a ausência de Cármen Lúcia, o único voto dissonante foi o do ministro Fachin, já que os garantistas de ocasião “entenderam” que Moro foi “parcial” ao usar o depoimento de Palocci no processo do ex-presidente corrupto “para criar um fato político às vésperas das eleições presidenciais de 2018”. 

Também em agosto, a 2ª Turma anulou a sentença de Moro no caso do Banestado. Embora Cármen Lúcia e Fachin tenham votado pela manutenção da decisão do ex-juiz, a ausência do decano propiciou o empate, validando o entendimento de teria havido juntada de documentos aos autos após o encerramento da instrução processual, o que culminou com a anulação da condenação o doleiro Paulo Roberto Krug (a despeito de a decisão do ex-juiz da Lava-Jato ter sido confirmada tanto pelo TRF-4 quanto pelo STJ).

Vamos acompanhar e ver que bicho dá.