Para evitar a "humilhação pública", o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, mandou a Polícia Federal guardar no cofre o vídeo que expõe a batida policial realizada sob a cueca do senador Chico Rodrigues. A exibição tornou-se desnecessária. A simples reprodução do relato da PF deixou o investigado pelado, expondo ao país o nu que ninguém pediu, que ninguém queria ver, que já não espanta ninguém.
Barroso reproduziu nacos da descrição da PF no
despacho em que submete ao Senado sua decisão de afastar o vice-líder do
governo no Senado do exercício do seu mandato por 90 dias. Foram extraídos do
interior da cueca do parlamentar R$ 33,150 mil. "Próximo às suas
nádegas", havia R$ 15 mil. Na parte "frontal", R$ 17,9 mil. Numa
derradeira incursão, foram encontrados mais R$ 250.
Antes da fase proctológica, a PF apreendera num cofre
localizado no armário do quarto do senador R$ 10 mil e US$ 6 mil. Súbito, o
investigado pediu para ir ao banheiro. Ao segui-lo, o delegado que comandava a
ação "percebeu que havia um grande volume, em formato retangular, na parte
traseira" do short de pijama azul que o senador vestia. Pergunta daqui,
nega dali, o investigador decidiu realizar uma visita à região das ancas.
Bingo!
O volume retangular era feito de maços de notas de R$ 50. Na
sala de estar, perguntou-se ao senador se havia outras surpresas escondidas na
cueca. Indagou-se uma, duas, três vezes. Irritado, Rodrigues
"enfiou a mão em sua cueca, e sacou outros maços de dinheiro". Embora
a cifra fosse maior, o volume era menor, pois as notas eram de R$ 200. A certa
altura, informou a PF, o senador baixou parcialmente o short do pijama,
expondo partes íntimas de sua figura. Barroso avaliou que "o
registro exibe demasiadamente a intimidade do investigado."
Apura-se o desvio de verbas federais destinadas a combater a
pandemia em Roraima. A pilhagem foi estimada em R$ 20 milhões. Confirmada a
culpa, escreveu Barroso, "estará justificada a punição" do
senador. É "desnecessária a humilhação pública." O ministro tem
razão. Até porque o investigado não seria o único humilhado. A política
brasileira vive há tempos a mais despida das épocas. O excesso de obscenidade
humilha também a plateia.
Na sua transmissão semanal ao vivo pelas redes sociais, Bolsonaro
tratou o caso na base do "não tem nada a ver", embora mantenha com Chico
Rodrigues uma amizade de mais de 20 anos — quase uma "união
estável", segundo sua própria definição. Mas o Presidente não tem nada a
ver com isso.
O senador exibe outras encrencas no prontuário. Deputado
federal, confessou o desvio de verbas de combustível. Governador de Roraima,
teve o mandato cassado. É réu em ação penal sobre apropriação de verbas obtidas
por meio de emendas ao Orçamento da União. Conhecendo-o, Bolsonaro achou
que seria uma boa ideia nomeá-lo vice-líder do governo. Mas o senador não tem
nada a ver com o governo.
Chico Rodrigues presta favores à família Bolsonaro.
Seria o relator no Senado da frustrada indicação de Eduardo Bolsonaro
para o posto de embaixador em Washington. Empregou em seu gabinete um sobrinho
do presidente, Leo Índio, muito próximo de Carlos Bolsonaro. Mas
vincular o senador aos Bolsonaro é algo que não tem nada a ver.
O presidente poderia mandar gravar na sua testa a expressão
"nada a ver". Isso o eximiria de dar explicações. E pouparia o país
do seu ar de aborrecido. Se o Planalto não teve nada a ver com nada durante um
ano e nove meses por que teria agora?
Com Josias de Souza.