sábado, 17 de outubro de 2020

A QUE PONTO CHEGAMOS. ONDE ACABAREMOS?

Para evitar a "humilhação pública", o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, mandou a Polícia Federal guardar no cofre o vídeo que expõe a batida policial realizada sob a cueca do senador Chico Rodrigues. A exibição tornou-se desnecessária. A simples reprodução do relato da PF deixou o investigado pelado, expondo ao país o nu que ninguém pediu, que ninguém queria ver, que já não espanta ninguém.

Barroso reproduziu nacos da descrição da PF no despacho em que submete ao Senado sua decisão de afastar o vice-líder do governo no Senado do exercício do seu mandato por 90 dias. Foram extraídos do interior da cueca do parlamentar R$ 33,150 mil. "Próximo às suas nádegas", havia R$ 15 mil. Na parte "frontal", R$ 17,9 mil. Numa derradeira incursão, foram encontrados mais R$ 250.

Antes da fase proctológica, a PF apreendera num cofre localizado no armário do quarto do senador R$ 10 mil e US$ 6 mil. Súbito, o investigado pediu para ir ao banheiro. Ao segui-lo, o delegado que comandava a ação "percebeu que havia um grande volume, em formato retangular, na parte traseira" do short de pijama azul que o senador vestia. Pergunta daqui, nega dali, o investigador decidiu realizar uma visita à região das ancas. Bingo!

O volume retangular era feito de maços de notas de R$ 50. Na sala de estar, perguntou-se ao senador se havia outras surpresas escondidas na cueca. Indagou-se uma, duas, três vezes. Irritado, Rodrigues "enfiou a mão em sua cueca, e sacou outros maços de dinheiro". Embora a cifra fosse maior, o volume era menor, pois as notas eram de R$ 200. A certa altura, informou a PF, o senador baixou parcialmente o short do pijama, expondo partes íntimas de sua figura. Barroso avaliou que "o registro exibe demasiadamente a intimidade do investigado."

Apura-se o desvio de verbas federais destinadas a combater a pandemia em Roraima. A pilhagem foi estimada em R$ 20 milhões. Confirmada a culpa, escreveu Barroso, "estará justificada a punição" do senador. É "desnecessária a humilhação pública." O ministro tem razão. Até porque o investigado não seria o único humilhado. A política brasileira vive há tempos a mais despida das épocas. O excesso de obscenidade humilha também a plateia.

Na sua transmissão semanal ao vivo pelas redes sociais, Bolsonaro tratou o caso na base do "não tem nada a ver", embora mantenha com Chico Rodrigues uma amizade de mais de 20 anos — quase uma "união estável", segundo sua própria definição. Mas o Presidente não tem nada a ver com isso.

O senador exibe outras encrencas no prontuário. Deputado federal, confessou o desvio de verbas de combustível. Governador de Roraima, teve o mandato cassado. É réu em ação penal sobre apropriação de verbas obtidas por meio de emendas ao Orçamento da União. Conhecendo-o, Bolsonaro achou que seria uma boa ideia nomeá-lo vice-líder do governo. Mas o senador não tem nada a ver com o governo.

Chico Rodrigues presta favores à família Bolsonaro. Seria o relator no Senado da frustrada indicação de Eduardo Bolsonaro para o posto de embaixador em Washington. Empregou em seu gabinete um sobrinho do presidente, Leo Índio, muito próximo de Carlos Bolsonaro. Mas vincular o senador aos Bolsonaro é algo que não tem nada a ver.

O presidente poderia mandar gravar na sua testa a expressão "nada a ver". Isso o eximiria de dar explicações. E pouparia o país do seu ar de aborrecido. Se o Planalto não teve nada a ver com nada durante um ano e nove meses por que teria agora?

Com Josias de Souza.