sexta-feira, 30 de outubro de 2020

HORÁRIO POLÍTICO — ANACRONISMO QUE VOCÊ PAGA PARA SER FEITO DE PALHAÇO E TER OS OUVIDOS USADOS COMO PENICO

 


A reboque das eleições diretas, trazidas de volta pela redemocratização da nossa republiqueta, veio o anacrônico, oneroso e ominoso “horário eleitoral gratuito”. 

Desde o último dia 9 que candidatos a prefeito e vereador vêm fazendo nossos ouvidos de penico — e continuarão a fazê-los até 12 de novembro (em virtude da pandemia da Covid-19, o primeiro turno das eleições municipais de 2020 foi adiado para 15 de novembro).

Vereadores são eleitos com base no sistema proporcional, que não prevê votação em dois turnos. No caso dos prefeitos. é usado o sistema majoritário, no qual vence o candidato mais votado. Mas aqui cabe uma ressalva: nos municípios com mais de 200 mil eleitores registrados, serão considerados eleitos os candidatos a prefeito que obtiverem mais da metade dos votos válidos (ou seja, descontados os votos brancos e nulos). Se nenhum dos candidatos atingir a meta, os dois mais votados disputarão o segundo turno (que, neste ano, acontecerá no dia 29 do mês que vem), e a diarreia da propaganda no rádio e na TV recomeçará cinco dias após o primeiro escrutínio e perdurará até a antevéspera do segundo.

Desde o último pleito municipal que a propaganda eleitoral em bloco foi limitada aos candidatos a prefeito e veiculada de segunda a sábado — no rádio, das 7h às 7h10 e das 12h às 12h10; na TV, das 13h às 13h10 e das 20h30 às 20h40. Além disso, 70 minutos diários são reservados para inserções de 30 e 60 segundos durante a programação (inclusive aos domingos), sendo 60% do tempo (42 minutos) destinados aos candidatos a prefeito e 40% (28 minutos) aos candidatos a vereador. As inserções podem ocorrer das 5h à 0h e a divisão do tempo é calculada com base na representação da sigla no Congresso.

Observação: Passou a valer este ano a cláusula de barreira instituída pelo Congresso em 2017, que exclui do horário eleitoral os candidatos dos partidos que, na eleição geral anterior, não obtiveram um mínimo de votos para a Câmara dos Deputados.

Apesar do nome, não há nada de gratuito nessa aberração. A não ser, naturalmente, para os partidos e candidatos. Portanto, toda vez que seu programa de rádio ou de TV for interrompido pela conversa mole dessa caterva, comemore: quem está pagando a conta é você.

O rádio e a televisão são concessões públicas que, segundo a Constituição, a União pode explorar diretamente ou mediante outorga. A emissora que detém uma concessão, seja de rádio, seja de televisão, está autorizada a explorá-lo por tempo determinado — 10 anos no caso do rádio e 15 no caso da TV. Em tese, ao receber a concessão o empresário estaria obrigado a arcar com o ônus da propaganda eleitoral, mas nossos políticos embutiram na Carta de 1988 a compensação fiscal pela cedência do “horário gratuito”. Assim, as emissoras calculam quanto faturariam se vendessem o tempo cedido à propaganda eleitoral a anunciantes e agências de publicidade e descontam o valor do imposto a pagar no acerto de contas com o Leão (IRPJ).

A propaganda eleitoral obrigatória foi implementada pela Lei nº 9.504/1997, artigo 47, caput, e artigo 51. Naquela época, contavam-se nos dedos quantos usuários domésticos de PC tinham acesso à Internet, e a propaganda política via rádio e televisão fazia algum sentido. Hoje, insistir nesse anacronismo incomodante é a quintessência da falta de absolutamente. 

De acordo com levantamento, pela FGV-SP, há atualmente no Brasil 424 milhões de dispositivos móveis (notebooks, smartphones e tablets). Segundo a mais recente pesquisa realizada pelo IBGE, o celular é atualmente o principal meio de acesso à rede mundial para os brasileiros e o meio exclusivo de comunicação e acesso à Internet para 78% daqueles com renda familiar de até 1 salário mínimo. Incluídas no cálculo as classes D e E, a porcentagem sobe para 85%; isolado somente o uso da Internet, os números são ainda mais impressionantes: 97,9% acessam a rede através do aparelho nas áreas rurais, contra 98,1% nas cidades.

Torça para seu candidato a prefeito liquidar a fatura no próximo dia 15. Ou não haverá cotonete que baste.