Usado figurativamente para designar pessoas com capacidade intelectual acima da média, o termo gênio (do árabe jinn, que significa “aquele que não se pode ver”) remete originalmente a entes sobrenaturais que povoam a mitologia árabe: os Jinni, que são gênios benfazejos (e por vezes sensuais, como na versão protagonizada por Barbara Eden na série Jeannie é um Gênio), e os Ifriti, que são malévolos.
Gênios gozavam de elevada posição no Paraíso, mas rebelaram-se quando Deus criou Adão e foram expulsos para as míticas Montanhas Káf. A capacidade de assumir qualquer forma lhes permite residir no ar, no fogo, sob a terra e em praticamente qualquer objeto inanimado concebível — como pedras, lamparinas, garrafas vazias etc. —, mas quem conhecer os necessários procedimentos mágicos pode usar em proveito próprio os poderes dessas criaturas. Reza a lenda que os gênios atendem a três pedidos de que os liberta do lâmpada (ou da garrafa) em que foram enclausurados, mas, como se sabe, a maioria dessas história não acaba bem.
Bons ou maus, os gênios ganharam protagonismo em filmes, como
Aladdin
e Aventuras
de Sinbad, o marujo, e têm presença garantida nas mais famosas obras da
literatura persa, como As Mil e Uma Noites.
Nessa fabulosa coletânea de contos, o sultão Xariar condena à morte a
esposa Xazaman, que lhe enfeitou a testa com um vistoso par de chifres.
A partir de então, o rei desposa uma jovem diferente a cada noite e a manda para o cadafalso ao nascer do sol. Decidida a pôr fim a esse ciclo vingativo, a filha
do grão-vizir se oferece para a noite seguinte, que se multiplica, assim como
as histórias que ela conta ao marido, adiando indefinidamente a própria
execução. Passadas mil e uma noites, o califa se apaixona pela envolvente Sherazade
e suspende a ordem cruel.
Fiz essa breve alegoria porque vejo Jair Bolsonaro como um Ifrit que libertamos para impedir a volta do criminosos Lula
e sua quadrilha ao Poder. Enquanto tentamos descobrir como devolvê-lo à garrafa, ele abraça o clientelismo, amanceba-se
com o Centrão, anda de braço dado com o dedo-duro do Mensalão, estreita relações com o que há de pior na banda podre do Judiciário e faz do populismo
assistencialista trampolim para a reeleição. Pobres de nós.
Segue a transcrição de um artigo que o jornalista, escritor
e poeta pernambucano José Nêumanne Pinto publicou
no Estadão:
O FESTIVAL DE ABSURDOS QUE ASSOLA O PAÍS
O presidente Jair Bolsonaro nunca foi inteligente
nem razoável. Não era de esperar que conduzisse o governo, que conquistou com
legítima chancela popular na eleição de 2018, com a competência de gestão
surpreendente do grande orador que foi Carlos Frederico Werneck de Lacerda.
Afinal de contas, nem sequer administrou carrinho de pipoca em porta de cinema.
Seria injusto não reconhecer que ele tem surpreendido pela incapacidade de
entender que para tudo deve haver limites na gestão pública, inclusive para a
mais rematada burrice, como pratica e professa.
No mandato de deputado federal, em que permaneceu 28 anos
depois de uma passagem medíocre em dois na Câmara Municipal do Rio, Sua
Insolência patrocinou causas absurdas, como a luta para autorizar a venda de
uma tal “pílula do câncer”, invenção de um Professor Pardal abrigado na
mais respeitável instituição universitária do País, a USP, e fazendo dupla, nem
tão inesperada assim, com o médico e sindicalista petista Arlindo Chinaglia. A
manifestação pré-histórica da nojenta aliança “bolsolulista” ganhou a disputa
no plenário da Casa, que, fiel à única ciência que seus membros respeitam, a
demagogia, aprovou a picaretagem por larga maioria. Só que, mais fiel ao que se
imprime nos livros do que um parlamentar que não deve ter lido o Almanaque
Capivarol, por abominar qualquer mezinha legalizada pela vigilância
sanitária, o Supremo Tribunal Federal proibiu a fancaria. Alçado à Presidência
da República, contudo, ele não abdicou de sua vocação de charlatão-em-chefe
para reiterar a eminência do alto cargo que exerce fazendo “justiça” ao
inventor de araque. Mas sendo injusto com os cardíacos que ajudaram a fazer a
fortuna do garimpeiro (como fora seu pai) João Teixeira de Faria,
impropriamente chamado de João de Deus. E se agarram a alguma vã
esperança para abandonar qualquer tratamento e tomar a “poção mágica”.
A pandemia que devolveu ao mundo o pavor da gripe
espanhola há mais de um século era, reconheçamos, uma oportunidade de ouro para
exercer mais uma vez do alto do panteão da República insensata a prática ilegal
da medicina. Ele nunca foi mesmo mais do que um demagogo sem escrúpulos que se
lançou na política com a missão sem empatia de aumentar o próprio soldo. Este é
o único projeto a que segue fiel: assumir mais uma vez seu papel favorito, o de
camelô de óleo de cobra em feira livre. Sua obsessão pela hidroxicloroquina,
insanidade contagiosa de seu ídolo, Donald Trump, sonegador-mor de
impostos da segunda maior economia do mundo, foi um avanço de mais uma estação
no seu trajeto à embromation recomendada pelo lateral Armero, de seu
time, o Palmeiras.
Mas a hidroxicloroquina e o vermífugo apelidado de Anita
não lhe bastaram. Ele precisava de um objetivo mais difícil. E aproveitou a
onda mundial de imbecilidade negacionista, obscurantista e ignorantista para
assumir o papel de detrator das vacinas em nome da bandeira improvável da
liberdade individual. Logo ele, quem diria.
“Com tanto sol na minha alma, como fui apostar no
absurdo?”, disparou o Prêmio Nobel de Literatura Albert Camus, frase
magnífica que me foi lembrada por Nélida Piñon em entrevista que me deu
abordando seu lançamento, o romance Um Dia Chegarei a Sagres. E que pode
ser encontrada em meu canal no YouTube. Essa seria a melhor epígrafe para esse
cabedal de ignorância que assola o País, apesar de todos os exemplos dados, com
a deflagração pelo próprio presidente citado de uma guerra da vacina contra seu
eventual adversário numa eleição a ser disputada daqui a distantes dois anos,
dando-lhe estupidamente o papel de salvador.
Aos parvos, como este autor, que acreditavam que a
avalanche obscurantista à qual aderiu Ruy Barbosa, que Jair nem
sabe quem pode ter sido, estivesse cancelada desde 1904, quando o presidente
Rodrigues Alves reprimiu a Revolta da Vacina e prestigiou o cientista Oswaldo
Cruz: que ilusão mais besta! Ruy, Alves e Cruz nem
imaginariam a volta do mito das cavernas na pessoa do capitão que saiu do Exército
pela porta dos fundos, sendo absolvido dos crimes de terrorismo e indisciplina
num julgamento ridículo do Superior Tribunal Militar.
Não dá para calcular quantos brasileiros ainda morrerão
cegados pelas trevas desse mandatário escolhido legitimamente por suas vítimas.
Mas já se sabe que dele não se pode esperar mais do que mandar o anônimo
admirador que lhe pediu que não deixasse o preço do arroz subir comprar o
carboidrato de cada dia na vizinha Venezuela, pátria do Chávez que o
inspirava e agora adota como inimigo preferencial, como pato de Donald.
Não se sabe, porém, quantas árvores sobreviverão ao
ministro do Mau Ambiente, Ricardo Salles, que, sem saber, citou o antigo
colega de Jair na Academia Militar das Agulhas Negras, general Santos
Cruz, ao definir o desgoverno que nos desmanda de “fofocalhada”. Mal sabia
o parceiro de juventude que seria repetido por Ricardo Salles, que
chamou seu companheiro de armas Luiz Eduardo Ramos de “maria fofoca”.
Os dois fizeram as pazes, ora vejam só! Já não se fazem
mais generais como antigamente. Imagine o leitor que talvez o último general,
aliás, marechal, que tinha moral e civismo, Henrique Batista Duffles
Teixeira Lott, derrotado pelo demagogo-mor Jânio Quadros em disputa
pela Presidência, tornou-se conhecido pela lenda de ter um dia invadido a sala
ocupada pelo oficial que torturou seu neto, na ditadura militar, deu-lhe um
tiro na testa para depois conviver com o rapaz torturado, que foi solto. E com
a permanente condição de único comandante a promover um golpe militar pelo
avesso para garantir a posse do civil eleito, Juscelino Kubitschek,
contra os fardados que nove anos depois depuseram João Goulart para
instalar a ditadura, que o charlatão-mor nesta República da ignorância finge
que exalta, mas desmoraliza em represália pelo tratamento que foi dispensado
pelos comandantes da tropa à sua mediocridade.