“O fracasso da democracia no Brasil” é o título —exagerado e provocativo— do novo livro de Xico Graziano (Ed. Almedina), uma coletânea de artigos que o autor publicou no site Poder360 sobre os meandros da política recente — que ele afirma ter vivido e conhecido por dentro.
Trinta e cinco anos após o fim da ditadura — diz Graziano
—, a democracia brasileira, antes tão esperançosa, agoniza. Cada eleição
aumenta a podridão do sistema político. Aquilo que prometeram lá atrás não
vingou. A redemocratização, vendida como panaceia para os males da sociedade,
permitiu que a corrupção crescesse sem parar. Mais liberdade, maior
sem-vergonhice política.
A imundície se instalou no centro do poder. Federal,
estadual e municipal. Há exceções, é claro. Mas, no geral, estamos sonsos vendo
o Estado falido e o oportunismo político brilhando. É incrível, e nojento,
testemunhar a democracia brasileira driblando tão facilmente os códigos de
conduta ética e moral.
Por complacência de um povo generoso, ou por uma maldita
idiotia coletiva, estamos nos afundando na lama malcheirosa da política.
Brigamos entre nós mais do que deveríamos, enquanto os abutres espertamente
espiam para recolher seus nacos. Riem de nossa cara.
Nenhum partido se salvou da desgraça que destruiu a
democracia brasileira. O PSDB — partido que Graziano ajudou a
fundar e pelo qual se elegeu deputado federal — também se enterrou na
corrupção, como os demais. Partidos envelheceram. Pior. Transformaram a
política em polpudos negócios.
Hoje está claro. A eleição de Bolsonaro espelhou,
exatamente, o fracasso da democracia brasileira. E, como se verifica,
aprofundou a tragédia. Nem a esquerda que estava no poder era uma esquerda
moderna (e sim populista e corrupta), nem a direita que venceu é uma direita
liberal (e sim autoritária e militarista). Após décadas de exercício
democrático, assistimos no Brasil à passagem da desgraça para a desgrama
política.
O problema pouco tem que ver com Bolsonaro. Vem de
longe a degeneração da democracia brasileira. Grandes líderes, mesmo que
honestos e corretos, foram coniventes, lascivos, permitiram que o mal crescesse,
se apoderasse da democracia e a contaminasse. O maligno Mecanismo se enraizou.
Empresários curvaram-se ao ganho fácil da corrupção. E a organizaram em
planilhas.
Tampouco o Judiciário (infelizmente) resistiu a essa crise
da democracia. Conhece-se a podridão em suas vestes. Todos sabem, e preferem se
aquietar, temerosos por retaliações. Afinal, pode-se xingar sem temor, mas um
juiz... é bom tomar cuidado. Jornalistas fingem que apenas os políticos são
sem-vergonhas. Mas não é verdade.
É desconfortante, quase angustiante, colocar o dedo nas
feridas da democracia brasileira. O mundo, porém, não vai acabar devido ao seu
fracasso. Essa é a boa notícia. Que lições podemos tirar desses 35 anos de
“liberdades democráticas”?
O progresso de uma nação e a felicidade de um povo não se
medem somente pela equação política. Metade da população não acredita em seus
representantes parlamentares, deles não espera mais nada. Para os eleitores absenteístas,
que crescem a cada ano, a prosperidade depende do próprio esforço, das
iniciativas que tomam, das oportunidades que aproveitam. Pouco importa quem
governe.
No Brasil, a vida de boa parte da população continuou
seguindo em frente enquanto a democracia fracassava. Nem o descrédito nem o
roubo de dinheiro público obstruíram sua progressão. As pessoas vivem mais, têm
mais saúde, usufruem da tecnologia, consomem, estudam, planejam, viajam. O país
até que melhorou. Mas quem garante que foi por obra da política?
Esse é o grande aprendizado: nós não precisamos mais dos
políticos para viver. E não me venham citar Bertold Brecht. Foram-se os
tempos de outrora.
Em sua crônica, Graziano, no fundo, conta a história de sua
própria desilusão política. Ele não acredita em mais nada nem em ninguém, muito
menos em salvador da pátria ou em renovação. E declara, em alto e bom som, que
perdeu a vontade de votar. Que se encontre, sei lá como, uma saída para essa
porcaria.
Reforma política, já! Mas, como esperar que os malandros,
eles que dominam a política, prejudiquem a si próprios? Qual força popular
poderia, em nome da decência, consertar a democracia brasileira?
Graziano diz que não sabe nem pretende responder a tais
questões. Exerce tão somente seu direito de gritar que a democracia brasileira
fracassou, e que a péssima educação é a tragédia das tragédias do Brasil. A
prova final do fracasso de nossa democracia.
E eu assino embaixo.