Houve um tempo em que a máxima usada como título desta postagem não só era a regra geral como valia também para os plebeus. Meu finado avô, por exemplo, ficava possesso se alguém ousasse pôr em dúvida sua palavra.
Numa época em que negócios eram fechados “no fio do bigode” e acordos eram selados com um simples aperto de mão, “dar a palavra” e não a cumprir era tão inadmissível quanto imperdoável. Claro que mesmo então havia políticos, mas políticos são um caso à parte.
Segundo o Gênesis, “no princípio era o Caos, e do Caos Deus criou o Céu e a Terra”. No sexto dia, diz o versículo 27, o Criador fez o homem “à sua imagem e semelhança”. Mas é indubitável que antes disso já houvesse políticos, pois de outra forma não existiria o Caos.
Políticos se elegem para roubar e roubam para se reeleger. Nesse entretempo, mentem a mais não poder. Ninguém promete mais do que eles. Afinal, não custa nada prometer quando não se assume o compromisso de cumprir o que se prometeu.
O fato é que não se faz política sem mentiras, como não se fazem tortillas sem uma boa dose de pimenta. O detalhe está na dose e, como se sabe, o diabo mora nos detalhes. Nas tortillas, a quantidade exata de pimenta diferencia o picante do intragável. Na política, os mentirosos mais talentosos ajustam suas narrativas aos ouvidos que usarão como o penico da vez. E o pior é que se dão bem, porque seu público-alvo quer ser logrado — ou seja, os eleitores precisam acreditar que tudo será diferente quando seus escolhidos assumirem o poder.
Para convencer, além de ter elementos de verdade e de emoção, a mentira precisa ser mais crível que a própria verdade. Maquiavel ensinou que “as mentiras de governantes e candidatos a governantes são plenamente justificáveis” — o que equivale a dizer que os fins sempre justificam os meios. Benjamin Constant, pensador e político francês, dizia que “só se tem o dever de dar a verdade a quem tem direito a ela”, e o jurista holandês Hugo Grócio, que a mentira “é uma agressão aos direitos dos outros”, embora fosse tolerável uma inverdade dita em nome de um bem maior.
O problema é que para políticos populistas — como Lula, Bolsonaro e tantos outros —, de duas, uma: ou eles acreditam nas próprias mentiras, ou acham que mentem por um bem maior, mesmo quando o fazem para não prestar contas das falcatruas que cometeram ou que foram cometidas por seus parentes, comparsas, apaniguados e simpatizantes, tanto em causa própria, quanto para beneficiar o grupo, partido, clã, famiglia, quadrilha, enfim...
Em 1960, Dias Gomes escreveu O Pagador de Promessas; em 2018, o esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim votou num Descumpridor de Promessas que passou 15 anos no Exército e 30 na política (28 deles no baixo clero da Câmara Federal). Não é de admirar, portanto, que o Messias que não miracula considere as promessas que embasaram sua campanha como coisas efêmeras, descartáveis, jornal de ontem... Mesmo porque jamais teve a intenção de as cumprir. A ideia sempre foi se valer delas para conquistar votos dos desinformados, despreparados e, por que não dizer, dos desesperados — que só votaram nele porque teriam votado no próprio Belzebu para evitar a volta da quadrilha vermelha ao Palácio do Planalto.
A propósito do morubixaba
de turno, recomendo ler o elucidativo
artigo do ex-delegado federal Jorge Pontes, que, outras coisas, ressalta que para além do discurso anti-establishment, da falaciosa
cruzada anticorrupção e das críticas ao “toma-lá-dá-cá” da “velha política”, Bolsonaro prometeu propor
o fim da reeleição para presidente. Mas nem bem subiu a rampa e vestiu a
faixa, passou a buscar meios e maneiras de se reeleger em 2022.Trata-se de seu único projeto de governo, se é que é possível considerar a reeleição como tal.
A reeleição desfoca o mandatário de turno, subverte o princípio da alternância no poder, desequilibra a democracia e propicia o uso indevido da máquina pública nas campanhas eleitorais. Diante de um quadro tão desolador, deveríamos exigir de nossos candidatos — tanto à presidência da República quanto para o Congresso Nacional — expresso compromisso com a apresentação de uma emenda constitucional que ponha fim a essa maldição (que devemos a FHC, em cuja gestão e sob cuja batuta foi aprovada uma PEC eivada de denúncias de corrupção).
E já que falamos no diabo, as eleições municipais se avizinham. Na última quinta-feira, a Rede Bandeirantes promoveu e transmitiu ao vivo o primeiro debate televisivo entre 11 dos 14 postulantes à prefeitura de Sampa.
Foram escolhidos os candidatos cujos partidos têm representatividade no Legislativo. Inicialmente, foram convocados dez dos quatorze políticos que concorrem ao cargo. No entanto, Marina Helou (Rede) conseguiu uma liminar na Justiça Eleitoral para ser incluída. Filipe Sabará (Novo), que estava com a filiação e atividades de campanha suspensas, também pôde participar após liberação do TSE.Venceu o eleitor que desligou a TV e foi dormir — como ironizou o impagável Josias de Souza. E eu assino embaixo. Aliás, eu deveria ter seguido esse sábio conselho também durante a transmissão ao vivo do deplorável e totalmente improdutivo bate-boca entre os candidatos à Casa Branca, no último dia 29.
Continua.