sábado, 24 de outubro de 2020

VACINA CONTRA IGNORÂNCIA

Não bastasse a relação conturbada com a Huawei por conta da tecnologia 5G, Bolsonaro impõe restrições estapafúrdias à vacina desenvolvida pela Sinovac em pareceria com o Instituto Butantã, à qual, macaqueando Trump, que chama o Sars-CoV-2 de “vírus chinês”, se refere como pejorativamente como “vacina chinesa do Doria”.

Por politizar a pandemia desde o início e contrapor-se aos governadores quanto à adoção de medidas preventivas (distanciamento social, uso de máscara etc.), o capitão-cloroquina foi “eleito” pelo jornal The Washington Post o pior líder mundial no combate à pandemia. Para fazer valer sua opinião sobre isolamento vertical e uso de drogas de eficácia duvidosa e efeitos colaterais comprovadamente nocivos, empurrou porta afora dois ministros com formação em Medicina e nomeou para a Saúde um general com quatro estrelas e sem sequer um certificado de conclusão de curso de Auxiliar de Enfermagem por correspondência para chamar de seu — mas que, por saber que manda quem pode e obedece quem tem juízo, foi efetivado no comando da pasta.

Doria viu nesse furdunço a chance de assumir o protagonismo no combate à pandemia e montou uma equipe técnica do mais alto nível. Ser o pioneiro a imunizar a população garantirá visibilidade nacional positiva ao governador, e sabe-se que enfrentá-lo no segundo turno, em 2022, é o pior pesadelo de Bolsonaro — que, por via das dúvidas, desautorizou e humilhou seu ministro-general e, atento aos zurros da récua que o apoia nas redes sociais, posicionou-se contrariamente à vacinação compulsória, reeditando, em pleno século XXI, a Revolta da Vacina que eclodiu em 1904 no Rio de Janeiro, em protesto contra a campanha do Instituto Oswaldo Cruz pela vacinação obrigatória contra a varíola.

Pazuello agiu corretamente, tanto ao antecipar a compra das vacinas da AstraZeneca quando ao anunciar que faria o mesmo em relação à vacina chinesa — que, segundo ele, está mais adiantada e poderá chegar ao Brasil pelo menos um mês antes das suas concorrentes. Graças ao negacionismo pragmático do capitão, em menos de 24 horas o compromisso de compra de milhões de doses da vacina da Sinovac/Butantã virou “um mal entendido”, e o general-ministro quase virou ex-ministro.

Ao dizer que não acredita que a “vacina chinesa do Doria” transmite segurança à população e que outras vacinas em fase de estudos serão comprovadas cientificamente, Bolsonaro assoma como um presidente sem comprovação científica, que pede aos brasileiros que confiem numa aliança mística entre seu governo e o plano celestial.

Ao falar sobre a importância de que as vacinas sejam certificadas pela Anvisa, o mandatário disse que não se pode "brincar" com vidas humanas nem muito menos fazer política. Bolsonaro está coberto de razão. O problema é que, de tanto brincar de 2022 no meio da pandemia, sua excelência se torna uma espécie de São Jorge às avessas, que abandona o plano de salvar a donzela para se casar com o dragão.

Com Josias de Souza