Não bastasse a relação conturbada com a Huawei por conta da tecnologia 5G, Bolsonaro impõe restrições estapafúrdias à vacina desenvolvida pela Sinovac em pareceria com o Instituto Butantã, à qual, macaqueando Trump, que chama o Sars-CoV-2 de “vírus chinês”, se refere como pejorativamente como “vacina chinesa do Doria”.
Por politizar a pandemia desde o início e contrapor-se aos
governadores quanto à adoção de medidas preventivas (distanciamento social, uso
de máscara etc.), o capitão-cloroquina foi “eleito” pelo jornal The
Washington Post o
pior líder mundial no combate à pandemia. Para fazer valer sua opinião
sobre isolamento vertical e uso de drogas de eficácia duvidosa e efeitos
colaterais comprovadamente nocivos, empurrou porta afora dois ministros com
formação em Medicina e nomeou para a Saúde um general com quatro estrelas e sem sequer um certificado de conclusão de curso de Auxiliar de Enfermagem por correspondência
para chamar de seu — mas que, por saber que manda quem pode e obedece quem tem
juízo, foi efetivado no comando da pasta.
Doria viu nesse furdunço a chance de assumir o
protagonismo no combate à pandemia e montou uma equipe técnica do mais alto
nível. Ser o pioneiro a imunizar a população garantirá visibilidade nacional
positiva ao governador, e sabe-se que enfrentá-lo no segundo turno, em 2022, é o
pior pesadelo de Bolsonaro — que, por via das dúvidas, desautorizou e
humilhou seu ministro-general e, atento aos zurros da récua que o apoia nas
redes sociais, posicionou-se contrariamente à vacinação compulsória, reeditando,
em pleno século XXI, a Revolta da Vacina que eclodiu em 1904 no Rio de
Janeiro, em protesto contra a campanha do Instituto Oswaldo Cruz pela
vacinação obrigatória contra a varíola.
Pazuello agiu corretamente, tanto ao antecipar a
compra das vacinas da AstraZeneca quando ao anunciar que faria o mesmo
em relação à vacina chinesa — que, segundo ele, está mais adiantada e poderá
chegar ao Brasil pelo menos um mês antes das suas concorrentes. Graças ao
negacionismo pragmático do capitão, em menos de 24 horas o compromisso de
compra de milhões de doses da vacina da Sinovac/Butantã virou “um mal entendido”,
e o general-ministro quase virou ex-ministro.
Ao dizer que não acredita que a “vacina chinesa do Doria”
transmite segurança à população e que outras vacinas em fase de estudos serão comprovadas
cientificamente, Bolsonaro assoma como um presidente sem comprovação
científica, que pede aos brasileiros que confiem numa aliança mística entre seu
governo e o plano celestial.
Ao falar sobre a importância de que as vacinas sejam
certificadas pela Anvisa, o mandatário disse que não se pode
"brincar" com vidas humanas nem muito menos fazer política. Bolsonaro
está coberto de razão. O problema é que, de tanto brincar de 2022 no meio da
pandemia, sua excelência se torna uma espécie de São Jorge às avessas, que
abandona o plano de salvar a donzela para se casar com o dragão.
Com Josias de Souza