sábado, 21 de novembro de 2020

DESGRAÇA POUCA É BOBAGEM


A dúvida produz insônias cruéis, ao passo que a certeza vale como um tranquilizante. Mas não na aldeia chefiada pelo morubixaba de fancaria. 

Aqui não se sabe se o país entrou ou não numa segunda onda de Coronavírus; sabe-se apenas que o cacique ainda não saiu da primeira, onde continua surfando seu negacionismo. O que não é nem um pouco tranquilizador — pelo contrário: chega a ser aterrador.

Depois de 60 dias em queda, os índices de contágio e mortes devido à Covid-19 voltaram a subir. Bolsonaro classificou a discussão sobre o tema de "conversinha". Aí surgiram boas novas sobre a eficácia dos imunizantes da Pfizer e da SinoVac

Num país convencional, sob um presidente menos anormal, o governo estaria articulando a aquisição e a distribuição de vacinas no país inteiro. A Pfizer diz ter oferecido sua vacina ao Brasil, mas não obteve resposta. Agora, a Saúde corre atrás. A CoronaVac seria adquirida pela União, mas o capitão-cloroquina desautorizou a compra de 46 milhões de doses.

Não há nenhum vestígio de um plano de logística do Ministério da Saúde para a distribuição de vacinas. Bolsonaro já declarou que, por ele, a população não será obrigada a tomar o imunizante. E o general Pazuello, desautorizado na sua decisão de adquirir 46 milhões de doses da vacina chinesa, já esclareceu que opera num cargo civil sob lógica militar: "Um manda e o outro obedece."

A questão não é cometer erros. Todos cometem. O problema é insistir num velho erro havendo tantos erros novos a cometer. 

Na administração da pandemia, Bolsonaro acorrentou-se a erros que começam a ficar cansativos. Nas últimas semanas, ao receber sinais que apontam para a conveniência de apertar os parafusos da estratégia que traçou para lidar com a pandemia, chamou de "frouxos" os brasileiros que conseguem tomar precauções contra o vírus.

O episódio aconteceu em Goiás. A pretexto de prestar um elogio aos agricultores "que levam comida às mesas do país", o capitão-conversinha perorou: "Graças a vocês que não pararam, nós, da cidade, continuamos sobrevivendo. Se o 'fique em casa, a economia a gente vê depois', fosse aplicado no campo, teríamos desabastecimento, fome, miséria e problemas sociais. Parabéns a vocês, que não se mostraram frouxos na hora da angústia."

O elogio aos produtores rurais é pertinente, mas o presidente poderia elogiar quem trabalha em setores essenciais sem tratar o brasileiro que foge do vírus como "maricas". 

Donald Trump, modelo do negacionismo do mandachuva subtropical, levou um tranco das urnas americanas. No último domingo, o eleitorado brasileiro premiou prefeitos que lidaram com o vírus de costas para a pregação palaciana.

Os sinais não são negligenciáveis. Afora o aspecto político da posição de Bolsonaro, há os reflexos administrativos. Num instante em que as infecções e as mortes voltam a subir, o governo adota um comportamento errático. O general-ministro da Saúde, recém-recuperado da Covid, se finge de morto. Quem comenta sobre o vírus é o secretário de Política Econômica: "Acho baixíssima a probabilidade de segunda onda."

A pasta da Saúde publicou nas redes sociais um post que desdiz o capitão: sem vacina ou remédio, a "maior ação contra o vírus é o isolamento social e a adesão às medidas de proteção individual." Subitamente, a mensagem foi retirada do ar.

Um bom líder inspira os seus liderados. Bolsonaro confunde até o próprio governo.

Com Josias de Souza