A dúvida produz insônias cruéis, ao passo que a certeza vale como um tranquilizante. Mas não na aldeia chefiada pelo morubixaba de fancaria.
Aqui não se sabe se o país entrou ou não numa segunda onda de Coronavírus; sabe-se apenas que o cacique ainda não saiu da primeira, onde continua surfando seu negacionismo. O que não é nem um pouco tranquilizador — pelo contrário: chega a ser aterrador.
Depois de 60 dias em queda, os índices de contágio e mortes devido à Covid-19 voltaram a subir. Bolsonaro classificou a discussão sobre o tema de "conversinha". Aí surgiram boas novas sobre a eficácia dos imunizantes da Pfizer e da SinoVac.
Num país convencional, sob um presidente menos anormal, o governo estaria articulando a aquisição e a distribuição de vacinas no país inteiro. A Pfizer diz ter oferecido sua vacina ao Brasil, mas não obteve resposta. Agora, a Saúde corre atrás. A CoronaVac seria adquirida pela União, mas o capitão-cloroquina desautorizou a compra de 46 milhões de doses.
Não há nenhum vestígio de um plano de logística
do Ministério da Saúde para a distribuição de vacinas. Bolsonaro já
declarou que, por ele, a população não será obrigada a tomar o imunizante. E o general Pazuello,
desautorizado na sua decisão de adquirir 46 milhões de doses da vacina chinesa,
já esclareceu que opera num cargo civil sob lógica militar: "Um manda e
o outro obedece."
A questão não é cometer erros. Todos cometem. O problema é insistir num velho erro havendo tantos erros novos a cometer.
Na administração
da pandemia, Bolsonaro acorrentou-se a erros que começam a ficar
cansativos. Nas últimas semanas, ao receber sinais que apontam para a
conveniência de apertar os parafusos da estratégia que traçou para lidar com a
pandemia, chamou de "frouxos" os brasileiros que conseguem tomar
precauções contra o vírus.
O episódio aconteceu em Goiás. A pretexto de prestar um elogio aos agricultores "que levam comida às mesas do país", o capitão-conversinha perorou: "Graças a vocês que não pararam, nós, da cidade, continuamos sobrevivendo. Se o 'fique em casa, a economia a gente vê depois', fosse aplicado no campo, teríamos desabastecimento, fome, miséria e problemas sociais. Parabéns a vocês, que não se mostraram frouxos na hora da angústia."
O elogio aos produtores rurais é pertinente, mas o presidente poderia elogiar quem trabalha em setores essenciais sem tratar o brasileiro que foge do vírus como "maricas".
Donald Trump, modelo do
negacionismo do mandachuva subtropical, levou um tranco das urnas americanas. No último domingo, o eleitorado brasileiro premiou prefeitos que lidaram com o
vírus de costas para a pregação palaciana.
Os sinais não são negligenciáveis. Afora o aspecto político
da posição de Bolsonaro, há os reflexos administrativos. Num instante em que
as infecções e as mortes voltam a subir, o governo adota um comportamento
errático. O general-ministro da Saúde, recém-recuperado da Covid, se
finge de morto. Quem comenta sobre o vírus é o secretário de Política Econômica:
"Acho baixíssima a probabilidade de segunda onda."
A pasta da Saúde publicou nas redes sociais um post que
desdiz o capitão: sem vacina ou remédio, a "maior ação contra o
vírus é o isolamento social e a adesão às medidas de proteção individual."
Subitamente, a mensagem foi retirada do ar.
Um bom líder inspira os seus liderados. Bolsonaro
confunde até o próprio governo.
Com Josias de Souza