sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O BRASILEIRO MERECE!

Em 1949, ao descobrir que todos os eletrodos de um equipamento destinado a medir os efeitos da aceleração e desaceleração em pilotos, o engenheiro aeroespacial panamenho Edward A. Murphy criou um corolário de máximas que ficaria conhecido, mais adiante, como a “Lei de Murphy”. Alguns consideram-na um tratado de negativismo, mas o fato é que ninguém conseguiu revogá-la.

Se algo pode dar errado, dará”, anotou Murphy. Soa fatalista, mas é pura lógica. Se nada dura para sempre, um dia vai quebrar, estragar, deixar de funcionar ou morrer. É mera questão de tempo. 

No Teorema do Macaco Infinito, descrito pelo matemático Émile Borel em 1913, um macaco, digitando aleatoriamente num teclado por um intervalo de tempo infinito, quase certamente criará a obra completa de Shakespeare. O macaco é apenas uma metáfora para um dispositivo abstrato que produza uma sequência aleatória de letras ad infinitum, mas “quase certamente” é um termo matemático com significado preciso.

Fato é que o pão do pobre sempre cai com o lado da manteiga para baixo, e que basta a gente escolher uma fila para a outra começar a andar mais depressa. Por outro lado, se sempre achamos as coisas no último lugar em que as procuramos, é porque não continuamos procurando depois que as encontramos. Mas isso é assunto para outra hora.

O que me leva a essas considerações é o artigo da Lei de Murphy segundo o qual não há nada tão ruim que não possa piorar. Impossível negar essa dura realidade. Cito como exemplo o cenário político atual. Vejamos isso melhor.

Durante o reinado de Lula, passei a ter vergonha de ser brasileiro. Com Dilma na presidência, a vergonha virou nojo. Num primeiro momento, a deposição da anta e a ascensão de Temer acendeu uma luz no fim do túnel. Mas a conversa de alcova que o vampiro do Jaburu manteve, na calada da noite, com certo moedor de carne bilionário deixou evidente que a tal luz era o farol do trem.  

A chama bruxuleante da esperança ressurgiu com a perspectiva da troca de comando em 2018. Mas durou pouco: tivemos de escolher entre o diabo que conhecíamos e o diabo que inevitavelmente passaríamos a conhecer (votar na marionete do criminoso de Garanhuns jamais foi uma opção). Para impedir que o bonifrate do presidiário levasse sua quadrilha de volta ao poder. elegemos o dublê de mau militar e parlamentar medíocre que hoje ocupa o Palácio do Planalto (e o da Alvorada, e a Granja do Torto, e por aí afora).

No segundo turno, votar em quem não se quer para evitar a vitória de quem se quer menos ainda faz parte do jogo político, mas tudo tem limite. Jamais botei fé no capetão, porém nunca imaginei que sua passagem pela Presidência pudesse ser tão desastrosa. 

Como se  vê, nada é tão ruim que não possa piorar.

Observação: Tanto a insistência do picareta dos picaretas em disputar a presidência, mesmo fingindo cumprir pena em Curitiba, numa sala VIP que se fingia de cela, quanto a excrescência a que chamamos "Justiça Eleitoral" reunir sua mais alta cúpula para julgar um pedido cuja desconformidade com a legislação eleitoral qualquer balconista da repartição pública onde se registram candidaturas não levaria mais que alguns minutos para determinar, foram um escárnio, uma bofetada nas fuças dos cidadãos de bem. A essa altura, porém, eu já nem sabia mais como qualificar meu “sentimento nativista”.

A pandemia foi uma fatalidade imprevisível, mas as coisas já andavam mal muito antes de a Covid-19 dar as caras por aqui. 

Relembro o “pibinho” de 2019, que virou chacota nas redes sociais. 

A reforma previdenciária, por cuja aprovação o presidente não só não se empenhou como fez o possível para atrapalhar

A demissão de Mandetta em meio à maior pandemia sanitária dos últimos cem anos. 

A nomeação de um general da ativa para transformar o ministério da Saúde em cabide de fardas (general esse que se sujeita ao papel de taifeiro do capitão-cloroquina e, feito por ele de gato e sapato, dá de ombros e diz que “um manda e o outro obedece”). 

As articulações para empurrar com a barriga a investigação sobre sua interferência na PF (visando proteger familiares e amigos, como o próprio presidente reconheceu). 

A nomeação de ministros da pior qualidade (só na Educação foram quatro até agora, e um pior que o outro). E por aí segue a procissão.

Pelas últimas contas, mais de 50 pedidos de impeachment dormitam sobre a mesa do presidente da Câmara, que só tem olhos para a própria reeleição. Não fosse assim, “Botafogo” veria que o morubixaba de festim afrontou a lei em diversas oportunidades. Entre outras:

Ao apoiar manifestações antidemocráticas;

Ao declarar, em Miami, que as eleições de 2018 foram fraudadas

Ao postar conteúdo pornográfico durante o Carnaval de 2019; 

Ao mandar comemorar o golpe militar de 1964

Ao praticar ofensas de cunho sexual contra a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha

Ao ignorar lei federal e atuar de modo temerário, propiciando a expansão do coronavírus

Ao flertar com a greve de PMs no Ceará, reconhecendo a suposta legitimidade do movimento

Ao afirmar abertamente que foi à CIA para tratar da deposição de Nicolás Maduro

Ao permitir que ministro, sob o seu comando, demitisse de cargo de confiança um fiscal que o havia multado por pesca irregular;

Um oficial militar disse a Eliane Cantanhêde que, para parar de falar besteira, o presidente tem de “tomar um remedinho”. A jornalista comentou: “Isolado no plano internacional, Bolsonaro será derrotado na eleição para prefeitos e tem contra si parcelas expressivas de governadores, juristas, cientistas, médicos, professores, ambientalistas, diplomatas, artistas e analistas. Não satisfeito, bate boca com Mourão, o que divide os militares. Aonde, afinal, o presidente quer chegar?

Pode-se acusar Bolsonaro de tudo, menos de ser original. Até porque a originalidade exige... bom, deixa pra lá. 

Difícil é identificar de quem o presidente de turno “herdou” seus invejáveis predicados. Seu populismo desbragado teria vindo de Lula ou de Jânio? Sua falta de compostura seria inata ou copiada de Trump? Sua inglória gestão acabará como a de Dilma, de Collor, de Jânio ou de Getúlio? Façam suas apostas.

Para concluir, um texto atribuído ao cineasta e jornalista carioca Arnaldo Jabor:

Brasileiro é um povo solidário. Mentira. Brasileiro é babaca. 

Eleger para o cargo mais importante do Estado um sujeito que não tem escolaridade e preparo nem para ser gari, só porque tem uma história de vida sofrida; pagar 40% de sua renda em tributos e ainda dar esmola para pobre na rua, ao invés de cobrar do governo uma solução para pobreza; aceitar que ONG's de direitos humanos fiquem dando pitacos na forma como tratamos nossa criminalidade... Não protestar cada vez que o governo compra colchões para presidiários que queimaram os deles de propósito não é coisa de gente solidária. É coisa de gente otária.

Brasileiro é um povo alegre. Mentira. Brasileiro é bobalhão. 

Fazer piadinha com as imundices que acompanhamos todo dia é o mesmo que tomar bofetada na cara e dar risada. Depois de um massacre que durou quatro dias em São Paulo, ouvir o José Simão fazer piadinha a respeito e achar graça é o mesmo que contar piada no enterro do pai. Brasileiro tem um sério problema. Quando surge um escândalo, em vez de protestar e tomar providências como cidadão, ri feito bobo.

Brasileiro é um povo trabalhador. Mentira. 

Brasileiro é vagabundo por excelência. O brasileiro tenta se enganar, fingindo que os políticos que ocupam cargos públicos no país surgiram de Marte e pousaram em seus cargos, quando na verdade são oriundos do povo. O brasileiro, ao mesmo tempo que fica indignado ao ver um deputado receber R$ 33 mil por mês para trabalhar 3 dias e coçar o saco o resto da semana, também sente inveja e sabe que se estivesse no lugar dele faria o mesmo. Um povo que se conforma em receber uma esmola do governo de R$ 300 mensais para não fazer nada e não aproveita isso para alavancar sua vida (realidade da brutal maioria dos beneficiários do bolsa família) não pode ser adjetivado de outra coisa que não de vagabundo.

Brasileiro é um povo honesto. Mentira. Já foi; hoje é uma qualidade em baixa. 

Se você oferecer 50 euros a um policial europeu para ele não te autuar, provavelmente irá preso. Não por medo de ser pego, mas porque ele sabe ser errado aceitar propinas. O brasileiro, ao mesmo tempo que fica indignado com a roubalheira dos políticos, pensa intimamente o que faria se arrumasse uma boquinha dessas, quando na realidade isso sequer deveria passar por sua cabeça.

90% de quem vive na favela é gente honesta e trabalhadora. Mentira. Já foi. 

Historicamente, as favelas se iniciaram nos morros cariocas quando os negros e mulatos, retornando da Guerra do Paraguai, ali se instalaram. Naquela época, quem morava lá era gente honesta, que não tinha alternativa e não concordava com o crime. Hoje a realidade é diferente. Muito pai de família sonha que o filho seja aceito como "aviãozinho" do tráfico. Se a maioria da favela fosse honesta, os bandidos já teriam sido tocados de lá, pois podem matar 2 ou 3, mas não milhares de pessoas. Além disso, cooperariam com a polícia na identificação dos criminosos, inibindo-os de montar suas bases de operação nas favelas.

O Brasil é um país democrático. Mentira. 

Num país democrático, a vontade da maioria é Lei. A maioria do povo acha que bandido bom é bandido morto, mas sucumbe a uma minoria barulhenta que se apressa em dizer que um bandido que foi morto numa troca de tiros foi executado friamente. Num país onde todos têm direitos, mas ninguém tem obrigações, não há que falar em democracia, e sim em anarquia. Num país onde a maioria sucumbe bovinamente ante uma minoria barulhenta, não existe democracia, mas um simulacro hipócrita. Se tirarmos o pano do politicamente correto, veremos que vivemos numa sociedade feudal: um rei que detém o poder central (presidente e suas MPs), seguido de duques, condes, arquiduques e senhores feudais (ministros, senadores, deputados, prefeitos, vereadores). Todos sustentados pelo povo, que paga tributos para sustentar os privilégios do poder. E ainda somos obrigados a votar!

Democracia isso? Pense! 

O famoso jeitinho brasileiro é um dos maiores responsáveis pelo caos que se tornou a política. Brasileiro se acha malandro, muito esperto. Faz um "gato" puxando a TV a cabo do vizinho e acha que está botando pra quebrar. Se o caixa da padaria erra no troco e devolve 6 reais a mais, caramba, ele sai de lá feliz como se tivesse ganhado na loto... malandrões, esquecem que pagam a maior carga tributária do planeta e o retorno é zero. Zero saúde, zero emprego, zero educação. Mas e daí? Somos penta campeões do mundo, né?

O Brasil é o país do futuro. 

Caramba, meus avós diziam isso em 1950. Muitas vezes cheguei a imaginar como seria sua indignação se ainda estivessem vivos. Dessa vergonha eles se safaram... Brasil, o país do futuro!? Hoje o futuro chegou e tivemos uma das piores taxas de crescimento do mundo.

Deus é brasileiro. 

Puxa, essa eu não vou nem comentar... O que me deixa mais triste e inconformado é ver todos os dias nos jornais a manchete da vitória do governo mais sujo já visto em toda a história brasileira.

Para finalizar: O brasileiro merece! Como diz o ditado, é igual mulher de malandro, gosta de apanhar.

P.S. Publiquei esse texto de Jabor em 2007. Naquela época, visitantes e blogueiro interagiam regularmente. Raro era o dia em que eu não recebia dezenas de mensagens com comentários, sugestões, dúvidas, pedidos de informação e até "colaborações". Esse artigo foi uma delas, e eu o vendi pelo preço que paguei, ou seja, mantive o crédito dado originalmente a Jabor, o que não significa necessariamente que o cineasta o tenha escrito. Evitei ao máximo mexer no conteúdo, embora tenha alterado duas ou três vírgulas, não só pelo fato de a má colocação fugir à norma culta (outras fugiram e eu as mantive), mas porque comprometia o sentido da frase. Ah, também atualizei os valores. Mas o fulcro da questão, a meu ver, é que, se analisarmos o contexto com um todo, veremos que só mudaram as moscas. A merda, infelizmente, continua a mesma.