terça-feira, 1 de dezembro de 2020

HOJE TEM BANANADA? TEM SIM, SENHOR! E O PALHAÇO, O QUE É?

É preciso memória de elefante para lembrar todas as estultices, asnices e bolsonarices dos últimos 23 meses, mas algumas são inesquecíveis. Cito como exemplo a indicação de Eduardo Bolsonaro ao posto de embaixador nos Estados Unidos.

Diante da magnitude da pândega (surpreendente até mesmo vindo de quem veio), o Messias que não miracula, em sua live semanal de 18 de julho de 2019, assim se manifestou : “Se eu puder dar um filé mignon para o meu filho, eu dou, sim”.

Três meses depois, para não pagar mico na sabatina do Congresso, o ex-quase-embaixador — discípulo do delirante Magico de Osta, irmão de Flávio (eu-não-sabia-de-nada) Rachadinha e de Carlos (gabinete-do-ódio) Pitbull — anunciou formalmente sua desistência da indicação. E assim o Brasil perdeu um grande embaixador (pausa para as gargalhadas).

Em março passado, Zero Três causou um “incidente diplomático” ao acusar a China, nosso maior parceiro comercial, de disseminar o vírus, e ao comparar o caso a Chernobyl. O embaixador chinês exigiu desculpas, mas o chanceler Ernesto Araújo endossou a crítica do filho do capitão, demonstrando a subserviência de um ministro das Relações Exteriores a um deputado. 

Na época, a jornalista e comentarista de economia Miriam Leitão qualificou o feito do deputado prodígio de “técnica da direita radical” — um truque para desviar a atenção das recorrentes parvoíces paternas. 

Observação: Para dar um refresh nas sinapses dos mais esquecidos, Bolsonaro pai vinha se referindo impropriamente à disseminação da Covid-19 como “histeria”, talvez por achar que esse termo fosse sinônimo de “pandemia”.

Sobre o imbróglio, disse o vice-presidente Hamilton Mourão em entrevista à Folha: “O Eduardo Bolsonaro é um deputado. Se o sobrenome dele fosse Eduardo Bananinha não era problema nenhum. Só por causa do sobrenome. Ele não representa o governo. Não é a opinião do governo. Ele tem algum cargo no governo?”.

A questão é que o “Bananinha” é filho do "Bananão", que também produz polêmicas sobre a China com a mesma naturalidade com que a bananeira dá bananas. Ainda outro dia, disse o capitão-conversinha que “o povo brasileiro não será cobaia da ‘vacina chinesa do João Doria’“.

Quanto à penúltima falastrice do ex-quase embaixador, não sei se, ou até que ponto, a acusação de espionagem contra a China se sustenta. Mas é público e notório que os EUA espionaram o Brasil. Durante a gestão de Dilma, além da dita-cuja, 29 telefones de membros do governo petista, incluindo ministros, diplomatas e assessores, foram bisbilhotados pela agência de inteligência norte-americana. 

Isso não é mito (sem trocadilhos com o "mito" que nos "governa"), folclore ou teoria da conspiração. Tanto é verdade que o então presidente Obama encarregou seu vice — e atual presidente eleito dos EUA —, Joe Biden, de vir ao Brasil desarmar a crise desencadeada pelos documentos de Snowden. A propósito, a própria nefelibata da mandioca disse à Veja em 2014: “Felicitei Obama por ter um vice-presidente tão sedutor; aquele homem seria capaz de vender gelo no Canadá.”

Voltando ao tempo presente e ao caso em pauta, a embaixada chinesa afirmou em nota que a declaração (do deputado-Bananinha) “é totalmente inaceitável e que manifesta forte insatisfação e veemente repúdio a esse comportamento“. O embaixador disse que as declarações do filho do presidente "solapam" as relações entre os dois países e alertou para o risco de “consequências negativas”. Mantido o tom, avisou o diplomata, os Bananas vão arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil. 

Ao que parece, os chineses sabem o que querem. O Brasil, não: um presidente responsável enquadraria o rebento boquirroto e pediria desculpas formais ao país ofendido. Mas Bolsonaro está longe de ser um presidente responsável.

Não era de esperar que Bolsonaro conduzisse o governo com a competência de gestão do grande orador que foi Carlos Frederico Werneck de Lacerda, já que sequer administrou carrinho de pipoca em porta de cinema, mas surpreende sua incapacidade de entender que para tudo deve haver limites, inclusive para a mais rematada burrice, como a que ele pratica e professa”, escreveu José Nêumanne Pinto em sua coluna no Estadão.

Em maio de 2019, quando já havia a guerra do 5G entre a China e os Estados Unidos, Mourão, em visita ao país asiático, disse ver com bons olhos a atuação da Huawei no Brasil. “O Brasil não pode se atirar para um lado só de uma hora para a outra", disse o vice-presidente na ocasião, num lampejo de lucidez. Sobre o incidente atual, travestido de chanceler, o general considerou “diplomaticamente errado” a embaixada da China ter usado as redes sociais para rebater as falas menino de ouro, e que e a troca de acusações nas redes pode virar um “carnaval”. 

Quase que parafraseando seu colega de farda — refiro-me ao mestre em logística e ministro da Saúde de turno, segundo o qual “um manda e o outro obedece” —, Mourão ponderou que não lhe cabe comentar a postura do filho do presidente, mas afirmou que, por ter apagado a postagem em que acusava o governo chinês de espionagem, o Bananinha provavelmente recebeu alguma recomendação do governo.

Já o Bananão preferiu dobrar a aposta e apoiar o pimpolho petulante. Criticou a China por “se pronunciar pelas redes sociais” (ridículo, já que ele próprio não sai do Twitter), por se pronunciar sobre “as relações do Brasil com outros países” (ridículo, já que ele próprio palpita sobre outros países o tempo todo) e qualificou o tom da declaração chinesa de “ofensivo e desrespeitoso” (ridículo, já que ofensivo e desrespeitoso foi o que disse seu pimpolho).

Em outubro do ano passado, após encontrar o presidente Xi Jinping em Pequim, Bolsonaro disse que desejava "fortalecer o comércio e ampliar novos horizontes" nas relações com os chineses. Hoje, seu clã está maníaco com a China e depressivo com a derrocada de Donald Trump.

Para realizar seu sonho (e nosso pesadelo) de se reeleger, Bolsonaro precisa dos votos do Centro-Oeste — seu principal curral eleitoral —, que depende das exportações de carne e soja... para a China. Igualmente importante para nosso indômito capitão-cloroquina é manter o auxílio emergencial — o que custa dinheiro, e dinheiro só haverá se a economia voltar a crescer.

Para a economia voltar a crescer, o país precisa exportar mais, donde se conclui que o capitão-cloroquina tem pelo menos dois excelentes motivos para não brigar com a China, mas, paradoxalmente, é exatamente isso que ele faz — talvez por gostar de viver perigosamente.

Seria um equívoco dizer que a primeira-família sofre de insanidade. Na verdade, os Bolsonaro se deliciam com ela. Quem sofre com o caos mental da família é o Brasil.