domingo, 10 de janeiro de 2021

QUEM NÃO APRENDE COM OS ERROS DO PASSADO...


Coube a José Sarney (nascido José Ribamar Ferreira de Araújo Costa) pilotar a Nau dos Insensatos até 1989, quando 22 candidatos disputaram a primeira eleição direta para presidente da República depois de 20 anos de jejum. E teriam sido 23 se, pasmem!, o próprio Jânio Quadros não desistisse de participar por motivos de saúde. 

Havia postulantes de peso entre essa ospália, como Ulisses GuimarãesMario Covas e Fernando Gabeira, mas o (invariavelmente brilhante) eleitorado tupiniquim escalou para embate final um caçador de marajás de araque e um molusco eneadáctilo socialista e picareta. Acabou que Collor derrotou Lula e foi empossado em 15 de março de 1990, prometendo abater com um único tiro o “tigre da inflação” (que mais adiante virou "dragão", e chegou a avançar a uma velocidade de 80% ao mês). 

Na véspera da posse, o alagoano carioca pediu a Sarney que decretasse feriado bancário, para o mercado financeiro ter melhores condições de se adequar às novas medidas econômicas — entre as quais o confisco dos ativos financeiros —, que teriam efeitos imediatos sobre a inflação, mas fariam água poucos meses depois, como ocorreu com todos os planos anteriores.

Na história do Brasil, muitos presidentes foram eleitos para ser depostos — e eu não podia ser mais um”, disse Sarney à revista Veja, muitos anos depois. Tivesse feito esse brilhante pronunciamento nos estertores de sua desditosa passagem pela Presidência e entraria para a história não como o mandatário inepto que foi, mas como vidente, pois tal vaticínio se cumpriu em 1992, com o impeachment de seu sucessor  que entrou para a história como o primeiro presidente da Nova República eleito pelo voto direto (coisa que não acontecia no Brasil desde a eleição de Jânio Quadros, em 1960) e por ter inaugurado a lista dos impichados. 

Mesmo depois de renunciar à presidência (visando preservar seus direitos políticos; a deposição do cargo era inevitável), Collor foi condenado por 76 votos a 3 e apenado com a perda do mandato e inabilitação para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, pelo período de oito anos, como determina a CF. Esse mesmo rigor na observância dos ditames constitucionais não se verificaria 24 anos depois. 

No julgamento final do impeachment de Dilma, uma vergonhosa tramoia urdida pelos então presidentes do Senado e do Supremo — respectivamente Renan Calheiros, alvo de 17 inquéritos, 13 deles na Lava-Jato, e Ricardo Lewandowski, que ganhou toga graças a sua devoção canina a Lula — “fatiou” a pena, defenestrando a presidanta sacripanta do cargo, mas preservando seus direitos políticos, ao arrepio do disposto no art. 52: “a perda do cargo com inabilitação, por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”. 

Como dizia Maquiavel, “aos amigos, os favores; aos inimigos, a Lei”.

Oito anos são suficientes para o povo brasileiro, conhecido pela memória curta, esquecer as bordoadas e cusparadas que levou de políticos tão imprestáveis quanto aqueles que os elege. Aliás, político desonesto e eleitor burro são como a tampa e o penico. Quem vota nessa caterva jamais pode dizer que não está bem representado. 

Cada povo tem o governo que merece, e num país é mais feliz de cócoras e aprecia o avesso das coisas, a farsa se repete como farsa e a História faz de conta que é outra história. Mas Collor será sempre CollorLula, sempre Lula, Bolsonaro, sempre Bolsonaro, e a tropa asinina que votou nessa súcia (e votará novamente, se tiver chance) será sempre um bando de idiotas.

Depois de se reabilitar politicamente, Collor disputou o governo de Alagoas (que já havia exercido antes de ser eleito presidente), mas foi derrotado por Ronaldo Lessa. Elegeu-se senador em 2006, tornou a disputar o governo estadual em 2010 (e perdeu), reelegeu-se senador em 2015 e no ano seguinte entrou para a lista dos investigados da Lava-Jato. Foi denunciado por peculato em abril de 2017, virou réu em agosto e é investigado em outros seis inquéritos, todos oriundos da Lava-Jato e referentes ao escândalo do Petrolão.

Mancham a biografia desse nobilíssimo agente público teorias conspiratórias sobre o assassinato mal explicado de Paulo César Cavalcante Farias, o PC, seu coordenador e tesoureiro de campanha, amigo de fé, irmão e camarada, do qual suspeita-se que o ex-presidente tenha tido algum tipo de envolvimento (o motivo seria queima de arquivo). 

Em 2014, durante sessão que absolveu Collor dos crimes de corrupção supostamente cometidos durante sua presidência, a ministra Carmem Lúcia pontuou que o dito-cujo já havia sido alvo de 14 inquéritos e quatro ações penais no STF , e absolvido em todos "por falta de provas". Pelo andar da carruagem, o senador pastará capim pela raiz na chácara do vigário sem antes passar um mísero dia vendo o sol nascer quadrado.

Meses atrás, em entrevistas ao GLOBO e à revista Veja, Collor acusou Bolsonaro de cometer os mesmo erros que ele cometeu 30 anos atrás, e previu que o atual governo terá um final tão funesto quanto o seu. Mais um profeta de botequim cujo vaticínio tem chances reais de se concretizar.

Continua...