segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

MUITO AJUDA QUEM NÃO ATRAPALHA.

 

O QUE NÃO TEM GOVERNO NEM NUNCA TERÁ, O QUE NÃO TEM VERGONHA NEM NUNCA TERÁ, O QUE NÃO TEM JUÍZO

É axiomático: nosso ainda presidente não perde uma chance de evacuar suas bolsoasnices. Aos já célebres “e daí?”, “país de maricas”, “o Brasil está quebrado e eu não consigo fazer nada” (sendo assim, por que sua excelência não renuncia?), junta-se, dia sim, outro também, uma caudalosa sucessão de aleivosias endereçadas a apoiadores descerebrados, sempre dispostos a aplaudir e espalhar nas redes sociais o produto da sempre penúltima evacuação verbal do “mito”.

Ainda mais execráveis são seu negacionismo em relação à vacinação e o pouco caso que faz da pilha de 200 mil cadáveres, contribuindo para um cenário adverso à retomada da atividade econômica e ao retorno do país à normalidade. A chegada da vacina e o início vacinação em massa em 50 países — que o mundo comemora como uma lufada de esperança — é tratada com deboche e boicotada por um mandatário sem estofo, mas com os dois pés no palanque, os dois olhos em 2022 e sempre pronto a apoia a turba fanática que transformou medicina em ideologia. 

O apoio dos bolsomínions ao ainda ministro da Saúde mingua à medida que o suposto expert em logística se embanana, demonstrando claramente a absoluta falta de condições para exercer o cargo que jamais deveria ter assumido. 

Durante a reunião ministerial da semana passada, o capitão-cloroquina disse (ainda quem em tom de troça) que a Covid baqueou Pazuello, que “já não dá conta de mais nada”. O clima só melhorou quando o subserviente vassalo resolveu praticar o esporte preferido do suserano: bater na imprensa. Melhor faria o general se pusesse as banhas de molho: como se sabe o Messias que não miracula frita apóstolos cujo comportamento afeta sua pretensa popularidade.

Nenhum outro inquilino do Planalto teve desafios tão complexos como os que caíram no colo do despresidente de turno. Em meio a tantas dificuldades, o chefe do Executivo e seus puxa-sacos dedicam-se full time à aprovação de uma agenda conservadora deslocada no tempo e espaço, cara apenas aos bolsonaristas de raiz e à base evangélica mais fiel. 

Essa miopia política desastrosa se evidencia na disputa pelo comando da Câmara dos Deputados: o Executivo apoia Arthur Lira mediante a promessa do deputado de se empenhar, caso eleito, na aprovação da pauta conservadora. Já Baleia Rossi, adversário de Lira na disputa, conta com o apoio da oposição mediante a promessa de fazer exatamente o contrário, como fez o ainda presidente da Casa no final de seu mandato.

Depois que uma conjunção de fatores culminou na promoção de um mau militar e parlamentar medíocre em chefe do Executivo, o promovido promoveu a maior mistura entre Estado e religião na história recente deste país. Para além do atentado sofrido em Juiz de Fora — que lhe serviu de pretexto para não participar dos debates televisivos, evitando que a oratória populista-demagógica de Ciro Gomes reduzisse pó suas chances de disputar o segundo turno — o rebanho evangélico teve papel de destaque. E o bordão “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” só fez crescer o apoio do segmento (que também vem crescendo a passos largos). 

No Congresso, a “bancada da Bíblia” conta com cerca de 140 parlamentares (quase um terço da Câmara). Parte desse grupo conferiu “base social” e “apelo emocional” ao movimento que se autointitula conservador nos costumes e liberal na economia. Um alvo frequente desse movimento, que ganha voz com o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, é a reforma constitucional. Segundo o nobre deputado, a Carta Magna de 1988 “ tem muitos direitos e poucos deveres, e torna o país ingovernável

Paralelamente, um grupo liderado pela deputada bolsonarista Bia Kicis, formado por parlamentares considerados ainda mais radicais que a bancada evangélica, vem colhendo assinaturas para criar uma frente conservadora. A iniciativa seria retrógrada em qualquer situação, mas chega às raias do absurdo num momento em que o país soçobra na maior crise sanitária e econômica de sua história. Se governar é fazer escolhas, nunca antes na história deste país se viu tamanho equívoco na eleição de prioridades. O Brasil precisa de um farol que o leve a bom porto sob a tormenta causada pela pandemia. E ter um presidente que governa, na acepção mais elevada do verbo, seria um ótimo começo.

Para finalizar, transcrevo mais um texto da impagável Dora Kramer:

Francamente, alguém acredita que o rumo do governo e o projeto de reeleição de Jair Bolsonaro serão definidos pela presença de Baleia Rossi ou Arthur Lira na presidência da Câmara dos Deputados?

Os dados de realidade nem sempre são agradáveis e raramente se enquadram ao universo onde se batalha pela opinião do público. Portanto, há na plateia muita gente disposta a acreditar que com Rossi eleito o Brasil estará a salvo de Bolsonaro e cairá irremediavelmente sob o domínio do (des)governante de turno se o vitorioso for Lira.

Para frustração dos entusiastas dessas hipóteses, não ocorrerá uma coisa nem outra. Primeiro porque Bolsonaro não tem paciência nem competência para dominar a Câmara e, segundo, porque no campo das ideias os dois candidatos são muito parecidos.

As fabulações sobre submissão total de um e oposição ferrenha de outro servem para manter a chama acesa do debate acerca do destino de Bolsonaro, animam as torcidas, mas não resistem à luz da vida como ela é.

E na Câmara a vida real é assim: deputado gosta de fidelidade à palavra empenhada, da sensação de acolhimento político e/ou pessoal, da ocupação de espaços legislativos, da atenção materializada no acesso ao gabinete do presidente da Casa e de ser ouvido por ele como se fosse o único.

O jogo ali é parlamentar, cujas regras são muito diferentes das que regem a dinâmica eleitoral. Ou é crível que o apoio nominal dos partidos de esquerda a Rossi signifique chance de aliança desse campo com o centro daqui a dois anos? A direita contrária a Bolsonaro também não deixará de se unir ao centro independentemente da posição assumida na eleição da Câmara. A próxima presidencial será definida pela economia, pelo desempenho dos governantes na vacinação e, claro, pela arquitetura política dos pretendentes.

Às vezes a ligação de um tema ao outro até atrapalha. O caso de Rodrigo Maia ilustra isso: ainda que tivesse condições legais, ele declinaria num misto de gesto de desprendimento e consciência de que teria dificuldades para se reeleger. Por duas razões: ausência daqueles quesitos enunciados acima como os preferidos dos deputados e existência de projeto eleitoral para 2022.

Tais fatores conspiram contra o candidato de Maia, por muitos visto como títere dele, enquanto Lira, além de prometer compartilhar o comando com o coletivo, tem, no máximo, planos de se reeleger em 2023, o que o obriga a cumprir os compromissos agora assumidos com seus pares. Não digo que assim será, mas é assim que muitos deputados analisam o quadro para definir seus votos.

Será uma eleição disputadíssima porque as posições estão em aberto, a despeito de a contabilidade partidária dar larga vantagem a Baleia Rossi, hoje tido como dono de quase 280 votos contra cerca de 200 para Arthur Lira. Fala-se muito em traições, mas a denominação não corresponde aos fatos.

Os partidos decidiram formalmente os apoios, mas em todas as bancadas há divisões significativas de lado a lado. Os dissidentes no máximo atuam discretamente, embora não façam questão de se esconder, muito menos de firmar promessas explícitas. Os dirigentes das legendas tampouco se ocupam a sério em produzir ameaças de retaliações.

Isso tem a ver com a consciência geral de que há mais semelhanças a unir que diferenças a separar os dois oponentes quando se fazem projeções sobre a presidência de um e de outro. Ambos são conciliadores, não têm o perfil de um ferrabrás tipo Eduardo Cunha, assumiram posições similares em votações de temas caros ao campo ideológico ao qual pertencem e nada farão que contrarie o espírito geral da Casa.

Por exemplo, a tal pauta de costumes continuará sem andar a despeito da vontade de Bolsonaro, porque determinados retrocessos não passam na sociedade. O impeachment só depende formalmente do presidente da Câmara. Na prática é agenda submetida a condições políticas e sociais, como demonstrado pela gaveta de Rodrigo Maia onde dormem 58 pedidos de impedimento.

Existem diferenças, no entanto. A ficha-corrida de Lira com denúncias de peculato, lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e improbidade administrativa é uma delas. Outra é que pega mal votar em candidato de Bolsonaro. Em tese, favorecem Baleia Rossi. Mas, se valem muito para o público externo, não chegam a mobilizar sensibilidades internas numa eleição em que o voto secreto é a alma do negócio