quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

PARA TODA QUESTÃO COMPLEXA SEMPRE EXISTE UMA RESPOSTA SIMPLES. E ERRADA.


Na última segunda-feira, a FORD anunciou que deixará de fabricar automóveis no Brasil. Com a desativação das fábricas em Camaçari (BA) e Taubaté (SP), o Ka, Ka sedan e o crossover EcoSport deixarão de ser produzidos, mantendo-se apenas a fabricação de peças por alguns meses, para garantir disponibilidade dos estoques de pós-venda. A planta da Troller em Horizonte (CE) continuará funcionando até o final do ano, e o centro de desenvolvimento de produtos na Bahia, o campo de provas em Tatuí (SP) e uma sede regional na capital paulista serão mantidos.

A Fiesp enfatizou que o custo de cada automóvel produzido em nosso país dobra apenas por conta dos impostos. Na mesma linha, a CNI defendeu a redução do “custo Brasil” para evitar a debandada de outras multinacionais, enquanto a Federação das Indústrias da Bahia (Fieb) classificou como “ducha de agua fria” o encerramento das operações da montadora no Brasil no ano em que se espera a retomada da economia.

Comentando o assunto com a malta de puxa-sacos que dá plantão defronte ao Alvorada, Bolsonaro desqualificou os argumentos da montadora

Faltou a FORD dizer a verdade, né? Querem subsídios. Vocês querem que continue dando R$ 20 bilhões pra eles como fizeram nos últimos anos? Dinheiro de vocês, de impostos de vocês para fabricar carro aqui? Não. Perdeu a concorrência, lamento". O vice, general Hamilton Mourão, , fez eco às palavras do capitão. “A FORD ganhou bastante dinheiro aqui no Brasil, recebeu incentivos, então poderia ter esperado aí, né? Aí vai fabricar na Argentina? Acho que os argumentos que ela colocou são meio fracos".

Para toda questão complexa sempre existe uma resposta simples. E errada. No caso em tela, a pandemia pesou, naturalmente, sobretudo por ter potencializado o custo Brasil, a falta de segurança jurídica, a desordem tributária, as reformas estruturais que nunca vêm, a crise fiscal que se eterniza, as promessas jamais cumpridas e, como bem salientou o ainda presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, a perda de credibilidade no governo brasileiro.

FORD já havia anunciado a intenção de deixar de produzir veículos de passeio, e sua saída do Brasil faz parte desse projeto. Vale lembrar que, em 2019, como parte de seus esforços de reestruturação global, a unidade de São Bernardo do Campo (SP) foi desativada. Agora, o encerramento da produção de veículos no país é parte de um processo de reestruturação mundial para reduzir custos e aumentar a lucratividade, como já fizeram a FCA e a PSAque se uniram para fundar a Stellantis

Apesar de ter uma economia mais instável que a brasileira e enfrentar uma crise mais profunda, a Argentina passará a concentrar, com o Uruguai e o México, a produção da montadora na América Latina. Aliás, a Ford Ranger é produzida no país vizinho porque 20% dos veículos adquiridos pelos argentinos são picapes, contra 15% no Brasil, de acordo com meu velho colega de escola Cássio Pagliarini, da Bright Consulting, que trocou a FORD pela Renault em 2005, quando ocupava o cargo de diretor de planejamento estratégico de produtos e negócios, responsável pela definição de programas de produtos e plano de investimentos da empresa.

A alta e complexa carga tributária e os custos de logística contribuíram de forma expressiva para a decisão anunciada no início desta semana. A companhia não mencionou essa motivação no comunicado que enviou à imprensa, mas a Anfavea o fez ao comentar o encerramento da produção local: "Isso [o fechamento das fábricas da Ford] corrobora o que a entidade vem alertando há mais de um ano sobre a ociosidade local e global e a falta de medidas que reduzam o Custo Brasil"

O câmbio desfavorável em relação ao real também foi decisivo. Insumos como o aço, mesmo comprados no Brasil, são cotados em dólar, e o percentual de componentes importados em automóveis produzidos localmente gira em torno de 40%, aumentando o custo de produção e reduzindo a margem de lucro ao sabor da flutuação da moeda norte-americana. Ao anunciar o fechamento de suas plantas no país, a FORD salientou que forcará cada vez mais a conectividade e à eletrificação. Produzir no Brasil automóveis com maior conteúdo tecnológico, assim como SUVs e picapes, seria excessivamente custoso. 

Na nota divulgada à imprensa, a montadora deixou claro que passará a oferecer produtos com "maior valor agregado", em detrimento dos compactos que vinha fabricando aqui. Dessa forma, o caminho natural foi optar pela importação dos seus próximos lançamentos, desenvolvidos e fabricados em outros mercados. A pandemia foi apenas a pá de cal que faltava.

A Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital avalia que que o fechamento das fábricas da multinacional no Brasil decorre de uma sequência de péssimas decisões tomadas pelo governo nos últimos anos, entre as quais o descaso com mudanças significativas no sistema tributário. Outras empresas podem seguir o mesmo caminho caso não seja feita uma reforma tributária efetiva, que vá além da simples unificação de tributos. A conferir.