quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

VAZAMENTO DE DADOS -- CAUTELA E CANJA DE GALINHA...

NÃO HÁ NADA DE TÃO ABSURDO QUE O HÁBITO NÃO TORNE ACEITÁVEL.

Ainda sobre os vazamentos de dados (no plural porque foram dois), no post do último dia 4 eu disse que qualquer pessoa poderia descobrir, no site FuiVazado, se seus dadas haviam sido comprometidos. O problema é que qualquer pessoa também podia consultar os dados de quaisquer pessoas, quando o ideal seria as informações serem liberadas somente a quem de direito. Assim o supremo togado Alexandre de Moraes determinou que o site fosse tirado do ar, depois que o responsável pelo serviço (um jovem de 19 anos) não pode ser localizado).  

Como também foi dito, o site Registrato, do Banco Central, permite checar quais contas correntes e quantos empréstimos estão vinculados ao CPF do interessado. Não se trata exatamente de uma ferramenta de proteção, mas de um recurso mediante o qual se pode identificar eventuais problemas e, aí sim, pleitear junto ao banco ou operadora de cartão de crédito a adoção das medidas cabíveis.

Ao que tudo indica (volto a essa questão numa próxima oportunidade), os dados roubados estavam sendo vendidos por crackers (não confundir com hackers) na Dark Web — o submundo da Internet, como a gente já viu nesta postagem. Em atenção aos que não seguem este humilde escriba, segue uma breve contextualização:

A Internet é a rede mundial de computadores (ou seja, o meio físico) e a Web, sua porção multimídia, que se divide em Surface Web, Deep Web e Dark Web (vide imagem). A Surface Web, como o nome sugere, é a rede que todos nós conhecemos e pela qual navegamos. Nas demais (Rede Profunda e Rede Escura, respectivamente, em tradução livre), os usuários nem sempre se atêm a “questiúnculas” como as leis dos países onde o conteúdo foi criado, e contam com o anonimato quase total de seus criadores. 

Há, porém, algumas diferenças entre a Deep Web e a Dark Web. A primeira fica “logo abaixo da superfície”, mas não pode ser acessada pelos browsers convencionais (Edge, Chrome, Firefox e que tais). Sua principal característica é “ser restrita” — daí ela conter todo tipo de informação cujo acesso requer logins, senhas, tokens etc., e os dados armazenados, como informações bancárias dos correntistas, emails pessoais e corporativos, sistemas de administração de sites, blogs e redes sociais, entre outros, serem criptografados. Mesmo sendo restrita, a Deep Web não é exatamente secreta, mas apenas “não indexável”, na medida em que seu conteúdo não aparece nas pesquisas realizadas pelos mecanismos de busca.

A Dark Web, por sua vez, armazena conteúdos não raro ilegais, mas não só: em países onde a liberdade de expressão é limitada e os cidadãos podem ser presos ou executados por externar opiniões contrárias ao governo, a navegação anônima em camadas profundas da internet serve de meio seguro de comunicação para dissidentes políticos e informantes que buscam espalhar suas histórias para o resto do mundo. Segundo dados levantados pelo Projeto Tor, que administra o navegador homônimo, países como China, Irã e Síria registram números crescentes de usuários da Dark Web — entre os quais pessoas que buscam postagens e reportagens sobre seus países, já que o governo publica narrativas, digamos, divorciadas da verdade.

ObservaçãoTOR é um software livre, de código aberto, baseado no Mozilla Firefox. Ao contrário do que muitos imaginam, não há nada de ilegal em utilizá-lo, desde que o propósito do usuário seja resguardar sua privacidade. É preciso ter em mente que armas não matam pessoas; pessoas é que matam pessoas. A mesmíssima faca que você usa para preparar o churrasco do domingo pode servir para esviscerar um desafeto, como se viu no atentado contra o então candidato Jair Bolsonaro, em 6 de setembro do ano passado. Em última análise, o que diferencia um utensílio inocente de uma arma letal é o uso que as pessoas fazem dele. O resto é conversa fiada. Claro que o TOR também permite acessar o que não está na superfície da Web, mas isso é outra história.  

Sem embargo, o maior repositório online de venda de drogas do mundo, o Silk Road (Rota da Seda, em tradução livre, nome que faz referência à rota comercial que ligava Europa e Ásia antes da descoberta do caminho marítimo para as Índias) costumava estar de portas abertas para usuários e traficantes de entorpecentes de todo o globo por meio da Dark Web, sem mencionar que pacotes com milhares de cadastros, senhas, números de cartões de crédito, CPFs e demais documentos podem circular livremente nessa camada obscura sem o conhecimento do proprietário, o que a torna especialmente atrativa para criminosos em busca de vítimas.

Edward Snowden, ex-agente da CIA e da NSA, usou a Dark Web para vazar centenas de milhares de documentos sobre o governo americano que revelavam monitoramento ilegal e gravações irregulares de chamadas telefônicas. Também abundam por essas paragens lojas virtuais de mercadorias proibidas — incluindo todo tipo conteúdo pirata, como livros, programas e vídeos — ou de difícil acesso, como armas restritas ou ilegais, além de material voltado a pedófilos e companhia.

O Brasil é o segundo País que mais sofre roubo de dados na internet e ocupa apenas o 70º lugar no Índice Global de Segurança Cibernética. Estima-se que as empresas perderão US$ 100 bilhões em receita até 2023, e que os impactos desses vazamentos perdurem por anos a fio. Agora que o banco de dados está disponível, os estragos são praticamente irreversíveis e empresas e cidadãos vão ter que aumentar os seus protocolos de segurança.

Do jeito como a coisa vai, logo retrocederemos à época do escambo. Enquanto isso não acontece, evite deixar cartões de crédito cadastrados em sites de compras e use sempre que possível um cartão de crédito virtual em vez do tradicional — como os dados que ele gera valem somente para aquela transação, um fraudador que eventualmente os capture não terá o que fazer com eles. Jamais forneça dados pessoais por telefone ou comunicadores instantâneos — como WhatsApp e Telegram — nem tampouco os insira em formulários de sites desconhecidos, sobretudo se os links lhe chegaram por email mensagens via redes sociais. Mantenha pelo menos dois endereços eletrônicos e usar apenas um deles em cadastros, compras virtuais etc. Se seus dados foram vazados, troque de email ou, no mínimo, altere sua senha de acesso.

Em caso de fraude, não deixe de registrar a ocorrência num distrito policial e dar parte do ocorrido ao ANPD, Procon e agências reguladoras. Com maior índice de registros de queixas, é possível iniciar investigações e até ações de prevenção a fraudes. Sanções e multas previstas na LGPD só poderão ser aplicadas a partir de agosto de 2021, mas nada impede que as pessoas já façam denúncias.