Quando o brasileiro ainda morria de Covid, o governo federal parecia sem rumo. Agora que o brasileiro
morre de falta de vacina, percebe-se que o rumo é o de uma tragédia humanitária
sem precedentes.
A mais recente pesquisa do Datafolha revela que a estratégia do presidente de botar a culpa em
alguém não está funcionando. Assim como o número de mortos, a rejeição de Bolsonaro também bate recorde: para 54%
dos brasileiros, o desempenho do presidentezinho na crise da gripezinha é ruim
ou péssimo. Na opinião de 43%, o capitão é o maior culpado pelo avanço da Covid.
Já a taxa dos que atribuem a culpa aos governadores (17%) e aos prefeitos (9%),
chamados pejorativamente por sua alteza irreal de "turma do fique em
casa", é significativamente menor.
O bom senso recomendaria uma correção de rumo, mas Bolsonaro, além de seguir no rumo
errado, despreza os inúmeros retornos que a conjuntura vai colocando na
estrada. Agora mesmo, instado pelo centrão a trocar a inépcia marcial do
general pesadelo por uma marcha científica no Ministério da Saúde, preferiu a
"continuidade" que o doutor Marcelo
Queiroga topou encarnar, desprezando a guinada sugerida pela doutora Ludhmila Hajjar.
Os observadores mais apressados dizem que Bolsonaro se omite na crise. Engano.
Alguém que trama a "continuidade" da gestão Bolzuello sabe muito bem o que não está fazendo. Na sabotagem mais
ruinosa, a dupla demorou a entrar na fila das vacinas e exercitou na plenitude
máxima a prerrogativa de escolher o caminho dos brasileiros para o inferno. Se
o mandato de Bolsonaro fosse um
filme, o título seria o seguinte: "Michelle,
encolhi a Presidência."
A gripezinha reduz a margem de manobra do presidentezinho,
encurtando-lhe os horizontes. Embora ainda detenha o apoio de 30% do
eleitorado, ele vê seu projeto de reeleição subir gradativamente no telhado.
Imbatíveis no faro das oportunidades políticas, os líderes do centrão começam a
olhar de esguelha para o capitão. Já se deram conta de que o presidente lida
com duas realidades: a dele e a verdadeira. E se irrita com a constatação de
que sobra cloroquina na primeira e faltam vacinas na segunda.
É como se, neurótico, Bolsonaro
tivesse construído um castelo no ar. Psicótico, foi morar nele. Esqueceu que a
sociedade, na pele de psiquiatra, costuma cobrar caro o aluguel. E o Datafolha informa que a conta do
negacionismo começou a chegar.
Com Josias de Souza