terça-feira, 6 de abril de 2021

BOLSONARO ENTRE ERROS E DESACERTOS


A vida é feita de escolhas, e hoje eu escolhi sair
”, disse o oncologista Nelson Teich em seu pronunciamento de despedida do ministério cuja importância a pandemia sanitária elevou à enésima potência. 

Não é a primeira vez que faço essa citação, como sabem aqueles que seguem este humilde Blog. Mas há casos em que a profundidade dos ensinamentos que determinadas frases encerram justifica sua repetição sempre que a oportunidade se apresenta. 

Teich sucedeu a Mandetta, que foi demitido porque, na abalizada avaliação do presidente, "estava se achando uma estrela".

Observação: Mandetta foi defenestrado devido à popularidade que conquistou com sua desenvoltura no combate à Covid. Como é público e notório, Bolsonaro arranca qualquer plantinha que brota no quintal do vizinho se achar que ela tem potencial para fazer sombra em seu próprio quintal.

Teich não se sujeitou ao humilhante papel de pau-mandado e foi empurrado porta afora do ministério. Dias antes de completar um mês no comando da pasta, o oncologista apresentou sua demissão, dando ao presidente a chance de promover o segundo no comando, general Eduardo Pazuello, que assumiu o posto na condição de interino.

General de divisão especializado em logística (?!), o estrelado colocou a Saúde sob intervenção militar, transformou-a num cabide de fardas e desempenhou com maestria o papel de vassalo, obedecendo cegamente as ordens do suserano. Na visão do taifeiro estrelado do capitão sem luz, os princípios nobres de hierarquia e disciplina dos militares se resumem a “um manda e o outro obedece”. Simples assim. 

Sob as ordens de quem manda, aquele que obedece — obedecia, melhor dizendo, porque foi substituído pelo cardiologista Marcelo Queiroga, segundo o qual “a política (de saúde) é do governo Bolsonaro; o ministro apenas a executa” — o Pesadelo protagonizou toda sorte de trapalhadas. Sua desastrosa gestão resultou na abertura de inquérito no STF e pode render a instalação de uma CPI no Congresso (recomendo ler o que escreveu a propósito a Senadora Simone Tebet).

Conforme comentei diversas vezes, de nada adianta trocar as rodas da carroça quando o problema é o burro. Mais de 70 pedidos de abertura de processo de impeachment contra o dublê de mau militar e parlamentar medíocre que as circunstâncias nos obrigaram eleger presidente da República dormitam sobre a mesa do dublê deputado e réu que sucedeu a Rodrigo Maia na presidência da Câmara graças à farta distribuição de cargos e verbas parlamentares pelo Messias que não miracula.

Não haveria como esperar postura diferente de quem jamais administrou coisa alguma, nem mesmo carrinho de pipoca em porta de cinema. De quem acha que governar é blindar a si e sua prole, evitar o impeachment e se reeleger. De quem sempre pôs a família acima de tudo — empregando parentes em gabinetes, elegendo os filhos vereador, deputado e senador — e cujo falacioso slogan de campanha “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” foi criado sob medida para tocar a alma dos eleitores — a dos evangélicos foi tocada pelo batismo do então deputado nas águas do Rio Jordão, e a facada em Juiz de Fora se encarregou do resto.

Bolsonaro nunca foi o candidato dos sonhos da ala pensante da população, mas tornou-se a única alternativa à volta da quadrilha petista. Ele próprio tem consciência de que chegou ao poder por uma confluência única de circunstâncias, e por isso busca manter sólido o apoio de uma parcela do eleitorado que não é maioria, mas é numerosa o bastante para resistir a um impeachment e levá-lo ao segundo turno no ano que vem. Mas sua “autenticidade”, outrora louvada pela massa de indignados que resolveram virar o país de ponta-cabeça, está se voltando contra ele.

Arthur Lira e Rodrigo Pacheco foram guindados, respectivamente, às presidências da Câmara e do Senado com o apoio do capitão, mas nem por isso continuarão a blindá-lo se a crescente insatisfação popular acompanhar a velocidade com que aumentam os números de infectados e mortos pela Covid — situação que, combinada com o debacle da economia, propiciou a realização de nove encontros entre a cúpula do Congresso com empresários, representantes de bancos e do mercado financeiro, e resultou num movimento político pela intervenção na calamidade que atende por “governo federal”.

Em discurso recente, Lira elevou o tom, chegando a falar em “remédios amargos e fatais”. A demissão de Ernesto Araújo ensejou uma reforma ministerial que criou ainda mais confusão, sobretudo na área militar. 

A substituição do general Fernando Azevedo e Silva pelo também general Walter Braga Netto deixou patente a intenção do presidente granjear o apoio das Forças Armadas a suas investidas autoritárias. A alta cúpula do militar entendeu que o “interventor do presidente” quebrou a hierarquia ao desrespeitar a posição de seu antecessor, que ascendeu ao cargo com um tempo inferior ao dos comandantes do Exército e da Marinha e que errou ao negar publicamente qualquer ameaça à democracia — o único posicionamento público de Braga Netto se resumiu a uma mensagem alusiva ao aniversário do golpe de 1964.

A troca promovida no Itamaraty foi vista mais como uma mudança de modos e menos como uma alteração no rumo da política externa, até porque faltou demitir Felipe Martins, autor do gesto obsceno/supremacista feito no Senado. 

Embora os senadores tenham aprovado na última quarta-feira, de forma simbólica, voto de censura ao assessor especial da Presidência da República, Martins não é parlamentar, de modo que "a punição não gera punição". Caso a apuração que Pacheco encomendou à Polícia Legislativa constate alguma infração, o Senado poderá enviar a investigação ao MPF (coisa de que eu duvido; depois que assunto esfriar, fica o dito pelo não dito e é vida que segue).

Observação: Após a polêmica, Bolsonaro chegou a afirmar a aliados que demitiria Martins, mas, como Ernesto Araújo foi exonerado dias depois, a saída do assessor poderá ser revista, tendo em vista que o principal alvo das críticas do Congresso em relação à política externa já deixou o governo.

A nomeação da deputada federal de primeiro mandato Flávia Arruda para a Secretaria de Governo foi um evidente aceno ao Centrão — e só fez algum sentido porque não fazia sentido algum o posto ser ocupado por um general —, mas não garante apoio incondicional das marafonas do Congresso às bizarrices e esquisitices do capitão-cloroquina, notadamente as que não se alinham às demandas da maioria da população no combate à pandemia. 

Como bem salientou a jornalista Dora Kramer, nesse aspecto continua valendo a regra segundo a qual político segue o funeral, mas não compartilha a cova na hora do enterro.