Após falhar em tentar convencer o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, a patrocinar o uso político do Exército, Bolsonaro demitiu o subordinado e designou o também general Braga Netto para o ocupar o cargo. Incomodados com a atitude do presidente, os três comandantes das Forças Armadas pediram renúncia conjunta.
Para passar a impressão de que está no comando da situação, o chefe do Executivo determinou a imediata demissão de Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) e nomeou comandante do Exército o general Paulo Sérgio, que, quando ainda chefiava o Departamento Geral de Pessoal do Exército, concedeu entrevista elencando as medidas restritivas que fizeram o Exército ter um índice de contaminação muito menor do que o da população.
Se a intenção do capitão era ter um Exército para chamar de seu, convém procurar outro comandante, porque com esse não vai rolar.
As Forças Armadas desfecharam golpes militares em
1889, 1930, 1937 e 1964 e diversos autogolpes durante a ditadura. Também
participaram de conspirações e/ou tentativas de golpe em 1954, 1955 e 1961, do
golpe “do bem” de 1945, do contragolpe de 1955, sem mencionar insubordinações
pontuais, como em 1922 e 1924.
O novo ministro da Defesa afirmou que “o maior patrimônio de uma nação é a garantia da democracia e a
liberdade do seu povo”. Braga
Netto é aquele que disse na ordem do dia do aniversário do golpe de 1964
que a ditadura “pacificou o país” e
garantiu “as liberdades democráticas de
que hoje desfrutamos”. Segundo a revista
Piauí (em reportagem nunca desmentida), Braga Netto participou de uma reunião
com o presidente e os generais Luiz
Eduardo Ramos e Augusto Heleno,
na qual se planejou o fechamento do STF.
Ramos é o general que afirmou que a
oposição não pode “esticar a corda”
e Heleno, o que disse que “tem que ver como se poderia fazer um novo AI-5”.
Observação: A reunião
ocorreu no mesmo dia em que o então decano Celso
de Mello autorizou a publicação do vídeo da reunião ministerial do dia 22
de abril e a gota d’água para a insatisfação de Bolsonaro foi a possibilidade de ele ter o celular apreendido no
âmbito do inquérito que apura sua “suposta” interferência na PF. Segundo a revista, Bolsonaro teria decidido mandar tropas
ao STF para destituir os 11
ministros da Corte. Quem puxou o cordão do “deixa disso” foi o general Augusto Heleno, para quem o momento não
era apropriado para uma intervenção militar no Supremo. Menos de uma semana depois a Corte autorizou a deflagração
de uma operação contra aliados do governo no âmbito do inquérito das fake news. No dia seguinte, a
apoiadores reunidos no chiqueirinho defronte ao Alvorada, o capitão sem-noção vociferou:
“Acabou, porra! Me desculpem o desabafo.
Acabou! Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais. Não
teremos outro dia igual a ontem. Chega. Chegamos ao limite.”
Nesse mesmo dia, Bolsonaro
compartilhou um vídeo sobre "a
aplicação pontual da 142" — artigo da Constituição que fala sobre o
funcionamento das Forças Armadas —, que, segundo defensores de uma intervenção
militar, conferiria legalidade a essa ação em casos de crise política. Um
dia antes, o deputado Eduardo Bolsonaro
havia feito alusão a uma ruptura democrática. “Não é mais uma questão de ‘se’, mas de ‘quando’ isso vai ocorrer”,
afirmou o filho do presidente em um vídeo publicado nas redes sociais, levando
militares de dentro e de fora do governo a se mobilizarem para diminuir a
tensão com o STF.
O vice-presidente, general Hamilton Mourão, reconheceu haver um “estresse” na relação entre os poderes, mas afirmou que uma ruptura
democrática provocada pelas Forças Armadas é algo completamente “fora de cogitação”. O general Heleno também tentou minimizar a crise.
“Não houve esse pensamento [de
intervenção] nem da parte do presidente nem dos ministros", disse o
fardado, menos de uma semana depois da reunião em que Bolsonaro teria decidido enviar tropas ao STF.
Outros oficiais, inclusive da ativa, como os generais Eduardo Pazuello e o almirante-ministro
Bento, das Minas e Energia,
participaram de manifestações antidemocráticas. O então ministro da Defesa Azevedo e Silva sobrevoou uma dessas
manifestações. Ele é o autor da ordem do dia lida por Braga Netto, e a ordem do dia do aniversário de 2020 do golpe é
ainda mais elogiosa à ditadura do que a deste ano. É verdade que o comandante
do Exército Edson Pujol foi demitido
por se recusar a criticar o STF, mas
seu antecessor, general Eduardo
Villas-Boas, fez um tuíte pressionando o Supremo e é credor da gratidão de Bolsonaro, que considera o apoio do então comandante fundamental
para sua eleição em 2018.
Sobre o novo comandante do Exército, general Paulo Sérgio, não há reparo. O novo
comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos
Almeida Baptista, é um bolsonarista dedicado. Em entrevista concedida
à revista Época, o
general Ernesto Geisel disse
que Jair Bolsonaro era um “caso completamente fora do normal,
inclusive mau militar”. Insubordinado, o capitão pegou cadeia por dar
declarações políticas e quase expulso da Corporação por ter planejado explodir
bombas em quartéis. É extremista, fã da ditadura e da tortura, ligado a
milícias no Rio de Janeiro e inimigo da democracia desde sempre.
Segundo o coronel Carlos
Alfredo Pellegrino, o capitão Bolsonaro tentava
liderar oficiais subalternos, mas não conseguia pela “falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus
argumentos”. No julgamento do STM,
o insurreto foi acusado de ter “grave
desvio de personalidade”. Em 1991, no primeiro de seus sete mandatos de
deputado federal, o hoje presidente defendeu o retorno do regime de exceção e o
fechamento temporário do Congresso. Segundo ele, muitas leis atrapalham o
exercício do poder e “num regime de
exceção o chefe, que não precisa ser um militar, pega uma caneta e risca a lei
que está atrapalhando”. O pronunciamento levou o corregedor do
Congresso, deputado Vital do
Rego, a solicitar ao então PGR, Aristides Junqueira, o início de uma
ação penal contra o parlamentar por crime contra a segurança nacional, ofensa à
Constituição e ao regimento interno da Câmara.
Em1994, Bolsonaro afirmou disse que preferia “sobreviver no regime militar a morrer nesta democracia”; em 1999, a Mesa Diretora da Câmara propôs ao plenário sua suspensão por um mês, por ter defendido o fechamento do Congresso e afirmado que “a situação do país seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente”, incluindo o então presidente Fernando Henrique, mas recebeu apenas uma advertência. Em dezembro, o deputado voltou a defender o fuzilamento de FHC. O líder do governo na Câmara, Artur Virgílio, chegou a pedir sua cassação, mas a proposta nunca chegou ao plenário da Casa. Ao votar em abril de 2016 a favor do impeachment de Dilma, o capitão fez uma homenagem ao coronel torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. Foi denunciado ao Conselho de Ética da Câmara por apologia à tortura, mas nada aconteceu.
Nada disso incomodou os militares, que apoiaram em bloco a candidatura de Bolsonaro e aderiram a seu governo de maneira entusiasmada — incluindo os raríssimos militares, como os generais Santos Cruz (detalhes nesta postagem) Rêgo Barros (detalhes nesta postagem) que tiveram coragem — depois de serem demitidos, naturalmente — de vir a público criticá-lo.
Quando os militares reconhecerem que a ditadura
foi ditadura, que não se alcança a democracia matando a democracia, que
perseguir, torturar e exilar os adversários não é aceitável, a gente começa a
pensar se acredita que as Forças Armadas vão se “pautar pela legalidade, sempre”. Até lá, olho vivo