sexta-feira, 14 de maio de 2021

DURMA-SE COM UM BARULHO DESSES!


Carlos Murillo, chefe da farmacêutica americana Pfizer no Brasil à época das negociações para compra de vacinas contra a Covid e ora gerente-geral da empresa para a América Latina, foi ouvido na sessão de ontem da CPI da Pandemia. Em seu depoimento, ele afirmou que o governo brasileiro ignorou por três meses negociações de vacina, que a empresa sugeriu 100 milhões de doses a serem entregues entre 2020 e 2021, mas só recebeu resposta no dia 9 de novembro, e que o vereador carioca Carlos Bolsonaro e o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins, participaram das negociações feitas entre a Pfizer e o governo federal

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A AGU prepara um pedido de habeas corpus para garantir ao ex-ministro Pazuello o direito de ficar calado durante seu depoimento à CPI da Covid, marcado inicialmente para o último dia 5, mas reagendado para o dia 19 depois que o general alegou ter tido contato com duas pessoas que testaram positivo para a Covid (doença que ele já contraiu e da qual se recuperou em outubro do ano passado). Foi sortado relator o ministro Lewandowski, que deve decidir ainda hoje sobre o pedido. Vale relembrar que dois dias depois do reagendamento o general — que já havia sido flagrado desfilando sem máscara em um shopping certe de Manaus — foi visto em companhia do ministro Onyx Lorenzoni e perambulando sem máscara pelo hotel onde mora. 

Consoante a coluna de Josias de Souza, Bolsonaro não gostou de saber que seu ex-ministro e bonifrate flerta com a ideia de buscar no STF um habeas corpus que lhe permita exercitar na CPI da Covid o direito constitucional de ficar calado para não se autoincrimiar. A serviço do Planalto, operadores civis e militares tentam retomar, por assim dizer, o controle sobre o general, visando convencê-lo a seguir o roteiro ensaiado nas sessões de treinamento a que se submeteu na Presidência. 

Prevalece a avaliação de que o ex-ministro dificilmente obteria respaldo do Supremo para trocar a pele de testemunha, que o obriga a dizer a verdade, pela camuflagem de investigado, que oferece a trincheira do silêncio. Ademais, auxiliares do presidente acham que a simples tentativa de obter o habeas corpus seria ruinosa, na medida em que reforçaria a tese de que o general — que comandou a pasta da Saúde guiando-se pelo lema segundo o qual “um manda e o outro obedece” — tem algo a esconder. 

Uma equipe de advogados da União está coletando documentos sobre aquisição de respiradores e sobre fabricação de cloroquina para subsidiar o depoimento de Pazuello, que além de ser investigado pelo MPF, acusou políticos interessados em verbas públicas e “pixulés”. Na avaliação dos senadores, o general tem conhecimento de escândalos que podem comprometer o Planalto, daí o esforço da AGU em blindar o presidente — não por acaso esta é a primeira vez que a AGU desloca uma equipe para orientar o depoimento de um ex-ministro, conforme apurou o Estadão junto a servidores do órgão.

A princípio, o habeas corpus visava desobrigar Pazuello de prestar depoimento à CPI, mas entendeu-se que garantir ao depoente o direito de não responder perguntas comprometedoras bastaria para livrar de problemas tanto o vassalo quanto seu suserano. 

Segundo o colunista Lauro Jardim, um interlocutor palaciano afirmou que “se os senadores perguntarem a Pazuello se Bolsonaro o proibiu de comprar a ‘vacina do Doria”, o ex-ministro fará uso do direito ao silêncio; se lhe perguntarem para qual time ele torce, ele responderá.” Sobre o general ter ou não sido reinfectado pelo coronavírus ninguém mais fala nada — se for perguntado sobre isso na CPI, é provável que ele fique calado.

Thaís Oyama publicou em sua coluna que a frase “não vai dar em nada” é a que mais se ouve no Palácio do Planalto quando se trata dos efeitos que a CPI da Covid terá sobre Bolsonaro e seu macabro governo. 

Do ponto de vista político, o argumento é que o povo não está interessado em acompanhar um “ringue com finalidades eleitorais”, mas em se vacinar e voltar a trabalhar e tocar a vida. Do ponto de vista jurídico, se ficar entendido que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade, caberá ao deputado alagoano, líder do Centrão e presidente da Câmara Arthur Lira — que até hoje não se animou a dar andamento a nenhum dos mais de 110 pedidos de impeachment que abarrotam suas gavetas — a decisão sobre a abertura do processo. 

Já se a Comissão entender que houve crime comum, ficarão a cargo de Augusto Aras, o passador-de-pano-geral da República — fiel escudeiro do capitão por conta da improvável indicação para a vaga do decano Marco Aurélio Mello no STF — dar início a eventual investigação e, em sendo o caso, apresentar a respectiva denúncia.  

O Planalto espera que a CPI produza resultados pífios, o que parece pouco provável à luz da desfaçatez com que Bolsonaro e seus sectários cantam em verso e prosa a mais absoluta probidade do governo federal. Vale lembrar que o presidente disse ter acabado com a Lava-Jato porque não havia mais corrupção no governo — probidade essa fulminada pela reportagem publicada pelo Estadão sobre a existência de um “orçamento paralelo” que teria beneficiado parlamentares seguidores da cartilha do capetão.

O “Tratoraço”, como esse descalabro vem sendo chamado pela mídia — um neologismo recente que deve entrar para os dicionários como sinônimo de “corrupção”, “depravação”, “devassidão” —, será para o governo Bolsonaro algo parecido com o que foi o “Mensalão” para a primeira gestão do ex-presidiário guindado recentemente pelo STF à condição de “ex-corrupto”.

Parafraseando a jornalista Olga Curado, a pequenez dos que se beneficiam com a iniciativa de uso do dinheiro público e que junta parlamentares e o gabinete da Presidência da República revela o real compromisso de cada um: a sobrevivência eleitoral em 2022.

De um lado, um “ministério paralelo” escondido do regramento institucional cria a estratégia de comunicação do presidente e estabelece políticas de Saúde, enquanto um filho numerado organiza os argumentos e define a postura do capitão, fiel à crença de que ele foi eleito pela ação de sua milícia na internet. É um gabinete à margem do escrutínio das decisões técnicas e institucionais, onde deliberações surgem nos discursos e comportamentos erráticos de um mandatário cujo limite de entendimento da realidade nacional parece cada vez mais improvável. De outro lado, surge um “orçamento paralelo” estruturado no fisiologismo e aparentemente avalizado pelo presidente da Câmara, que, com a conivência do chefe do Executivo, pressiona “os seus” a se apropriarem da “quota” que lhes garantirá as campanhas para a reeleição. 

Aqueles que se habituaram a viver em palácios atropelam a honradez, chafurdam no erário e dão de ombros para barbáries de toda espécie — notadamente a morte de quase 430 mil cidadãos, resultante, em grande medida, da incompetência irresponsável de poder central e seus acólitos. O que se têm, na vida real, é uma gestão macabra, onde a morte tem uma única explicação: são todos bandidos. É a justificativa para a inépcia, a incompetência e a hipocrisia que fazem parte do desmonte da campanha de um ex-capitão que, acalantado pela cantilena do ódio, ora dorme no colo esplêndido do Centrão.