A maioria dos brasileiros que ainda têm emprego trabalha cinco dias por semana, mas os parlamentares tupiniquins dão expediente em Brasília de terça a quinta — e isso quando aparecem. Assim, a secretária da Saúde Mayra Pinheiro será ouvida pela CPI na próxima terça-feira e a análise dos requerimentos apresentados no início da última sessão — entre os quais a convocação do empresário Carlos Wizard, apontado como integrante de um suposto conselho paralelo de saúde — ficou para a quarta.
O depoimento da Capitã-Cloroquina fora agendado originalmente para quinta-feira
passada, mas o pajé de mentirinha Pazuello precisou de duas
sessões para tentar explicar o inexplicável sem se autoincrimiar nem culpar o cacique capitão por ações e omissões que contribuíram para aumentar de 15 mil para 280 mil as vítimas fatais da Covid durante os dez meses de sua macabra gestão (segundo a última atualização, o Brasil contabiliza atualmente 445 mil mortes decorrentes do vírus assassino).
Nem a velhinha de Taubaté acreditaria na lengalenga do preposto-vassalo do presidente-suserano. Segundo o relator da CPI, Pazuello mentiu pelo menos 14 vezes. É uma nova cepa que estamos vendo aqui: a negação do negacionismo”, sintetizou Renan Calheiros, que entende de mentiras como ninguém: além de ser réu num processo criminal, o senador emedebista é alvo de 17 inquéritos no STF — e nega taxativamente todas as acusações.
Observação: Segundo a CNN Brasil, levantamento com o que consideram ser 15 mentiras de Pazuello cita que “ficou evidente que a missão do depoente nesta CPI não foi esclarecer a população ou colaborar para encontrarmos a verdade, mas, sim, eximir o Presidente da República de qualquer responsabilidade pela condução temerária pelo governo federal das ações de combate à pandemia”. A ideia é pedir o indiciamento do general por crime de falso testemunho com base nesse levantamento.
Outro que parece ter Heméra entre seus ascendentes é o inquilino de turno do Palácio do Planalto. Quando ainda era militar da ativa, Bolsonaro mentiu ao negar que planejara atentados à bomba em quartéis. No baixo clero da Câmara Federal, mentiu em seus 28 anos de deputância. Mentiu a mais não poder durante a campanha pela Presidência e continuou mentindo diuturnamente nos últimos 29 meses.
Entre as inúmeras oportunidades em que brindou a nação com suas falácias, o mito “mitômano” afirmou que a pandemia não passava de uma “gripezinha”, que “acabou com a Lava-Jato porque não existe corrupção no seu governo”, que o coronavírus é parte de uma “guerra química” deflagrada de propósito pela China (para dizer logo em seguida, com a desfaçatez que se tornou sua marca registrada, que em nenhum momento mencionou o nome do país asiático) e por aí vai.
Não é de espantar, portanto, que as mentiras de Fábio Wajngarten, Ernesto Araújo e Eduardo Pazuello à CPI assomassem como lenços de papel — a gente puxa um da caixa e vem outro, e outro, e mais outro... Mas deixemos a CPI de lado por um instante e analisemos a Operação Akuanduba da PF, que investiga corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação do contrabando de madeira abatida ilegalmente para os Estados Unidos e envolve o ministro do Meio Ambiente.
Observação: Akuanduba é uma
divindade oriunda da mitologia dos índios araras, que habitam a margem esquerda
do rio Iriri, no estado do Pará. De acordo com a lenda, esse deus mitológico
tocava sua flauta para trazer ordem ao mundo.
O ministério de Bolsonaro é um coletivo de bajuladores. A maioria sequer conseguiria emprego em uma empresa privada séria. Mas há um que se destaca por ser, simultaneamente, adulador do presidente, determinado na sua missão e extremamente eficiente na destruição do deveria estar preservando.
Assim que assumiu o ministério, Salles se empenhou em desmontar o Ibama e o ICMBio (guardião dos parques e florestas nacionais). De passagem, conseguiu destruir o Fundo Amazônia — um projeto pelo qual o governo da Noruega e alguns outros poucos países europeus financiava projetos para conservação de florestas. Na famosa reunião ministerial de 22 de abril, vestindo o figurino do assessor oportunista, sugeriu aproveitar que os olhos da imprensa estavam voltados para a Covid e “passar a boiada” — o que, segundo eminente meinistro, consistia em “simplificar” normas ambientais.
A boiada passou com competência: ao longo da pandemia, o pior ministro do Meio Ambiente que este país já teve no período pós-ditadura afrouxou a fiscalização de exportação de madeira nativa até a anistia a desmatadores de áreas da Mata Atlântica, incluindo o retorno de atividades agropecuárias em áreas de preservação permanente. De acordo com Josias de Souza, o diabo fixou moradia nos detalhes da urucubaca que levou a PF aos endereços de Salles. São em número de quatro os detalhes em que o rabo e os chifres do tinhoso estão presentes:
1) Gaveta furada: Em condições normais, o pedido
da PF para varejar escritórios e residências do ministro passaria pelo
crivo de Augusto Aras, mas o procurador-geral, subserviente ao
presidente, já havia arquivado uma representação em outubro do ano passado.
Assim, acionado pela PF, o ministro Alexandre de Moraes, relator
da encrenca no STF, determinou que Aras só fosse avisado depois da
realização das batidas policiais (temia-se por um segundo arquivamento
prematuro, ou, pior, que a operação pudesse vazar, pois o procurador é tão pouco
militante na arte de procurar que começa a ser desligado da tomada por quem
ainda procura).
2) Porteira fechada: A certa altura de seu despacho (de 63 folhas), Moraes reproduziu a expressão “passar a boiada”, usada por Salles na célebre reunião ministerial de abril do ano passado”. O magistrado enxergou traços do espírito boiadeiro do ministro nos negócios trançados com madeireiros às margens da lei e decidiu fechar a porteira.
3) Made in USA: A operação que fisgou o ministro e
mais dez servidores da pasta teve origem nos Estados Unidos. Em janeiro do ano
passado, um carregamento de madeira procedente do Pará foi retido no porto de
Savannah, na Georgia. Faltava autorização do Ibama para a exportação da
madeira. Ao farejar o cheiro de queimado, autoridades americanas alertaram o
Brasil.
Observação: A invasão do curral de Salles
deixa sem nexo as palavras jogadas ao vento por Bolsonaro há um mês, na
Cúpula do Clima organizada pelo presidente americano Joe Biden. Na
ocasião, o capitão assumiu o compromisso retórico de combater o desmatamento e “passou
o pires”. Resta agora saber quem se animará a investir no meio ambiente de um
país em que o ministro do setor estraga o ambiente inteiro.
4) Cânticos de alegria: Salles
descobre da pior maneira que não convém aos que possuem calos entrar em
apertos. No mês passado, o ministro erguera o seu tacape contra o delegado
federal Alexandre Saraiva. Chefe da PF no Amazonas, Saraiva
perdeu o cargo depois de acusá-lo de se mancomunar com madeireiros
pilhados na maior apreensão de madeira ilegal de todos os tempos. Corporações
policiais não costumam deixar barato esse tipo de afronta: no caso em tela, Saraiva pendurou no Twitter um Salmo (96:12): “Regozijem-se
os campos e tudo o que neles há! Cantem de alegria todas as árvores da floresta.”
Observação: Segundo o presidente, Salles é um excelente ministro. Confira neste vídeo.
Bolsonaro ainda não percebeu, mas o tema do meio
ambiente é também um assunto econômico, e a imagem do Brasil, que já era ruim
nessa área, ficou pior com a abertura do inquérito contra Ricardo
Salles. A encrenca tem potencial para produzir prejuízos em pelo menos três
frentes: no relacionamento do Brasil com os EUA, no andamento do
acordo do Mercosul com a União Europeia e na decisão de operadores de alguns
dos maiores fundos de investimento do mundo.
A presença de Salles no governo, com sua política
antiambiental, nunca ajudou a atrair investimentos, e sua conversão em
protagonista de um caso de exportação ilegal de madeira afugenta ainda mais o
capital estrangeiro. Para o bem do seu governo e do país, Bolsonaro
deveria considerar a hipótese de livrar o auxiliar dos afazeres de ministro.
Afastado, o personagem teria mais tempo para cuidar da sua defesa.