Desde que assumiu, Bolsonaro vem promovendo, em todos os campos, uma devastação. Não faz isso sozinho: tem o apoio envergonhado ou escancarado de seus ministros (alguns até ontem respeitáveis), do Congresso, do PGR, do AGU, das Forças Armadas, de milhões de brasileiros. Até agora, somente o STF — em que pesem o comportamento errático, as decisões estapafúrdias e a má-fé de alguns togados — ousou resistir aos arroubos anti-institucionais e antidemocráticos do presidente.
A CPI da Covid é a primeira ofensiva da sociedade
contra um estado de coisas intolerável. É uma vergonha que 400 000 pessoas precisaram morrer para que ela ocorresse, mas
antes tarde do que nunca. Nos próximos meses, os brasileiros verão pela TV o
detalhamento de ações e omissões, muitas criminosas, cometidas por membros do
governo federal — e, por trás delas, como inspirador e/ou responsável, a figura
do excelentíssimo senhor presidente da República.
Os bolsonaristas já mostraram como lidarão com esse desafio.
O general Eduardo Pazuello, alvo prioritário da CPI — presidida
por um senador amazonense que acaba de perder um irmão para o vírus maldito
—, foi passear sem máscara em um shopping center em Manaus, onde pessoas
morreram asfixiadas por negligência sua.
Bolsonaro precisa que Pazuello se sacrifique por ele, mas Fabio Wajngarten destruiu o general em entrevista a VEJA, tornando ainda mais frágil a posição do capitão. Por um lado, Wajngarten deixou claro que o presidente sabia que Pazuello estava fazendo tudo errado, mas continuou a defender as indefensáveis ações de seu ministro. Por outro, é evidente que a entrevista foi dada com o conhecimento e a anuência de Bolsonaro, deixando claro que o capitão pretende salvar-se à custa do sacrifício de seu antigo ministro da Saúde. E este não é um bom momento para atrair a raiva e o ressentimento de Pazuello.
Wajngarten afirmou que Paulo Guedes, Filipe Martins, Augusto Aras, Gilmar Mendes e “o presidente do STF” (provavelmente Luiz Fux, que assumiu em setembro do ano passado) tinham ciência das negociações com a Pfizer. Ou seja, levantou a bola para a CPI convocá-los, além do próprio Wajngarten, e fazer um carnaval. Se a entrevista tivesse sido encomendada pela oposição, não teria saído melhor.
Bolsonaro precisa da boa vontade de Renan Calheiros, mas Carla Zambelli foi à Justiça contra o senador (em seguida, os bolsonaristas foram ao STF).
Bolsonaro precisa da ajuda de Rodrigo Pacheco, a quem deveria ser grato por ter travado a CPI por dois meses, mas o filho Flávio “Rachadinha” Bolsonaro chamou o presidente do Senado de ingrato e irresponsável.
Bolsonaro cortou verbas para a saúde e para o
desenvolvimento da vacina brasileira e ridicularizou a CPI. O general Luiz
Eduardo Ramos, chefe da Casa Civil, não só deu de mão beijada à CPI uma
lista de acusações das quais não sabe como se defender como disse que se vacinou escondido para não “criar caso” com o chefe. Paulo Guedes
atacou a China, cuja vacina representa 84% das doses aplicadas até hoje, e
elogiou a da Pfizer, que o chefe se recusou a comprar. Não está claro sequer
quem comanda a defesa do governo: o posto é disputado por Ramos, Lorenzoni
e a novata Flávia Arruda.
Os atos dos bolsonaristas mostram que a defesa do governo na
CPI não tem planejamento nem sensatez, e, se não ocorrer nenhum
imprevisto, o relatório da comissão colocará uma faca no
pescoço de Arthur Lira (como o presidente da Câmara bloqueará o
impeachment, se os senadores, responsáveis por julgar o presidente, o
considerarem culpado de crime de responsabilidade?) e outra no pescoço de Augusto Aras,
para quem o relatório será enviado.
Ainda que Bolsonaro consiga escapar de impeachment ou denúncia, a CPI terá se arrastado por meses, causando- lhe enorme desgaste. O que acontecerá com sua popularidade? Que alianças construirá para 2022? Quem vai bancar sua campanha?
“CPI a gente sabe como começa, mas não sabe como acaba”, disse Jorge Bornhausen. A da Pandemia, para Bolsonaro, dificilmente acabará bem.
Com Ricardo Rangel