A ministra Rosa Weber autorizou Wilson Lima a não comparecer à CPI do Genocídio (como ele é investigado por desvio de verbas públicas na pandemia, a magistrada lhe concedeu o direito de não produzir provas contra si mesmo). Na versão do governador, o combate aos ataques coordenados por uma facção criminosa em Manaus e outros municípios do seu Estado tornavam sua presença mais importante no Palácio do que no Senado. Dada a ausência do entrevistado da vez, os mestres de cerimônia da Comissão usaram a reunião para votar requerimentos.
Observação: Afora o célebre caso das rachadinhas
que envolve Flávio Bolsonaro, órgãos de investigação como a PF e
o Ministério Público apuram
suspeitas contra Eduardo Bolsonaro, Carlos Bolsonaro e Renan Bolsonaro.
As suspeitas incluem tráfico de influência, contratação de funcionários
fantasmas e envolvimento na organização de manifestações que pediram o
fechamento de instituições como Congresso e Supremo.
Além da indicação do desembargador Kassio Nunes Marques para a vaga aberta com a aposentadoria do decano Celso de Mello, em outubro passado, o Zero Um participou de pelo menos duas escolhas para a Justiça Eleitoral, além de um cargo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Sua ascendência sobre o pai é pública é notória e, segundo a Folha, vem gerando insatisfação entre aliados do governo, cujas sugestões têm sido ignoradas.
Na edição impressa da semana passada, a revista VEJA trouxe uma matéria de cinco páginas a esse tema, assinada por Daniel Pereira. A reportagem salienta que o filho Flávio é uma das poucas pessoas em que o presidente realmente confia, e foi incumbido pelo pai de garimpar opções “terrivelmente evangélicas” para a vaga que será aberta no STF, no mês que vem, com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio. Bolsonaro já orientou o dublê de pastor presbiteriano e Advogado-Geral da União, André Mendonça, a se entender com Senado, a quem cabe aprovar os nomes para o STF — e especialmente com FB, seu líder de fato no Senado.
Por falar nisso, a PF concluiu e enviou ao STF um inquérito repleto de indícios de que o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, e seu rebento, Fernando Bezerra Coelho Filho, receberam R$ 10 milhões em propina das empreiteiras OAS, Barbosa Mello e Constremac/Mendes Junior entre os anos de 2012 e 2014, quando coelho-pai exercia o cargo de ministro da Integração Nacional no governo de Dilma, a inesquecível.
A corporação indiciou os coelhos pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e falsidade ideológica eleitoral e pediu o bloqueio de R$ 20 milhões dos dois (valor corrigido da propina supostamente recebida pelos roedores). Demais disso, o vice-líder do governo no Senado, Chico Serra, foi alvo de um mandado de busca e apreensão em outubro do ano passado. Os agentes encontraram cerca de R$ 30 mil escondidos nos fundilhos do nobre parlamentar. Enfim, dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és.
Voltando a Bolsonaro-pai e os
irmãos metralha, a preocupação da Famiglia com o Supremo é
compreensível, pois lá tramitam inquéritos sobre fake news e atos
antidemocráticos — que têm como alvos potenciais Zero Dois e Zero
Três — e do ministro Gilmar Mendes a
decisão sobre qual instância do Judiciário é competente para julgar Flávio,
seu ex-assessor Fabrício Queiroz e mais uma dezena de personagens da novela
das rachadinhas. Segundo VEJA, é justamente o inquérito das rachadinhas
que impede o filho do pai de desempenhar em público o papel que desempenha nos
bastidores, qual seja o de “primeiro-ministro” do governo do capitão.
Selada no ano passado, quando o presidente estava
pressionado pelo STF e pela prisão de Queiroz, a aliança com o Centrão
teve como intermediário o onipresente primeiro-filho. Desde então consolidou-se
na classe política, notadamente entre os senadores, a percepção de que o
melhor caminho para se chegar ao gabinete presidencial não é por meio dos
articuladores políticos formalmente constituídos, mas através do filho. Mas o imbróglio das rachadinhas, que se arrasta desde 2018, pode mijar no
chope do menino de ouro, que jura inocência e diz que não se beneficiou da
movimentação financeira milionária do suposto operador do
esquema em seu antigo gabinete na Alerj.
Afeito a teorias da conspiração como Bibo Pai, Bobi
Filho alega que há uma orquestração entre promotores do Rio e o juiz Flávio
Itabaiana a fim de atingir a imagem da família, e que está sendo vítima de
uma armação. E como o negacionismo é multidisciplinar, nega toda e qualquer
influência no governo federal. Mas o primeiro-filho conversou com todos os nomes
indicados antes que o presidente escolhesse Augusto Aras para o comando
da PGR, e deixou suas digitais na nomeação de Marcelo Queiroga
para o Ministério da Saúde, apenas para citar dois casos emblemáticos.
Zero Um nega em público a influência que tem no
reinado paterno, mas atua como eminência (não tão) parda com maestria e lida
muito bem com as vantagens de quem tem acesso privilegiado ao centro do poder. Interlocutores
palacianos dizem que temas relacionados a justiça e agências reguladoras passam
por ele, que fala com o pai diariamente.
A influência de Flávio Bolsonaro nas nomeações do pai é criticada por
auxiliares do presidente, segundo os quais o capitão tem se desgastado
de maneira desnecessária com aliados de primeira hora para agradar o filho.
Alguns dizem com ironia que se tornou uma briga perdida competir com as “indicações do menino” — referindo-se
às indicações feitas pelo senador.
Flávio é hoje o filho que detém mais
influência sobre as decisões de Jair Bolsonaro, que já manifestou a assessores próximos
receio de que as acusações contra seu primogênito tenham novas reviravoltas. No
final do ano passado, de acordo com um deputado governista, o presidente temia
uma possibilidade de prisão e, “de cada dez assuntos que discutia, dois se
referiam à situação do filho”.
Flávio frequenta regularmente o Alvorada — pela manhã, quando, segundo ele, o humor do presidente é melhor do que no final da tarde — e o
Palácio do Planalto, onde participa de reuniões (sua participação quase nunca é
registrada oficialmente). Também é “arroz de festa” em reuniões ministeriais,
nos encontros para discutir o Renda Cidadã e nas discussões sobre o
enfrentamento da pandemia. Foi ele quem sugeriu ao pai a defesa de que a
atividade econômica do país não podia parar por causa da doença.
A influência de Flávio também é relatada no Senado, onde
ele é chamado de “senador-ministro” por participar de reuniões de líderes — mesmo
sem ter este posto — e falar em nome do governo. Mas a condição de filho do
presidente também o alija de algumas discussões, como quando o
Legislativo ensaiava como reagir às manifestações de apoiadores de Jair Bolsonaro
aos outros Poderes.
Em cortes superiores, os ministros João Otávio de Noronha,
do STJ, e Ives Gandra Martins Filho, do TST, também têm
uma relação próxima com o presidente. No Supremo, porém, a
leitura é que os dois se aproximaram de Bolsonaro pelo sonho de serem
nomeados para a Corte, e que, embora tenham contato com Bolsonaro, não há uma
relação de confiança.
Noronha foi o responsável por retirar
Fabrício Queiroz da prisão e colocá-lo em regime domiciliar — evitando
que aumentasse a pressão para que Queiroz, apontado como operador do
esquema da rachadinha do filho senador e amigo do pai presidente desde 1984,
firmasse um acordo de colaboração premiada. Gandra, por sua vez, chegou
a se reunir com Jair Bolsonaro em 2018, logo após ele ter sido eleito presidente, sem falar que o pai do magistrado foi responsável por endossar e dar tração
à tese da militância bolsonarista de que o artigo 142 da Constituição permite a
intervenção do Exército quando um Poder invade a competência de outro.
Em meados do ano passado, Flávio Bolsonaro trocou o
apartamento funcional que ocupava por uma chamativa mansão num dos pontos mais
bonitos, seguros e valorizados de Brasília. O imóvel foi
comprado por R$ 6 milhões. Na época, o senador explicou que
financiou metade da dívida e que a outra metade teria sido quitada com recursos
da venda de um apartamento que ele tinha no Rio de Janeiro e de uma franquia de
chocolates. Mas não revelou maiores detalhes do negócio, nem a identidade do
comprador.
Como se trata de uma transação privada, os envolvidos não têm obrigação de esmiuçá-la ou torná-la pública. A questão é que isso acabou
gerando uma série de rumores sobre o já atribulado histórico patrimonial de Flávio, principalmente porque não foi localizado nenhum registro formal da operação
nos cartórios, o que serviu para reforçar teorias maliciosas.
Na verdade, houve um acordo entre as partes para manter tudo
em segredo. O comprador do apartamento foi o empresário baiano Gervásio
Meneses de Oliveira, que pagou R$ 2,6 milhões pelo imóvel, mas ainda
não o colocou em seu nome. E não o fez, segundo ele, para evitar a exposição. A
VEJA, o empresário contou que fazia algum tempo que procurava um
apartamento no Rio de Janeiro, quando soube por um corretor de uma
oferta “excelente” num condomínio localizado na Barra da Tijuca. O negócio foi
sacramentado através de um contrato de promessa de compra e venda.
Uma pessoa próxima a Gervásio disse à reportagem que ele
ficou sabendo do apartamento por intermédio de amigos comuns, dele e de Flávio
Bolsonaro, mas o empresário afirma que, no início da negociação, nem
sabia que o filho do presidente estava na outra ponta. “Fiz uma coisa pra me
dar prazer, mas já vi que isso vai acabar em chateação”, reclama, ao ser indagado
sobre o assunto. Assim, para “evitar chateação”, ele resolveu adiar o
máximo possível o registro do negócio no cartório.
Em novembro de 2020, o MP-RJ denunciou o primogênito do capitão e outras dezesseis pessoas pela prática dos
crimes de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação
indébita. O apartamento na Barra da Tijuca, que agora pertence ao empresário
baiano, teria sido comprado com dinheiro oriundo da chamada “rachadinha”,
o esquema ilegal de apropriação de parte dos salários dos funcionários no
período em que Flávio era deputado estadual.
Gervásio também tem problemas na Justiça. Em
2020, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo denunciou-o por
corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Ele foi acusado de pagar propina a uma
desembargadora do Tribunal Regional da Bahia para que ela interferisse
num processo em que uma de suas empresas foi condenada a pagar uma dívida de R$
96 milhões. Em outro processo, tramitando no Tribunal de Justiça da Bahia, ele é acusado de formação de quadrilha e crime contra a Lei de Licitações.
Uma investigação do Ministério Público o apontou como beneficiário de um
esquema que fraudava concorrências para a contratação de prestadores de
serviços. O esquema desviou R$ 625 milhões dos cofres públicos.
Procurado por VEJA, Gervásio informou que iria dar sequência a alguns procedimentos burocráticos ainda pendentes para concluir a transferência do apartamento para seu nome e rechaçou as insinuações de que teria comprado o imóvel para se aproximar do senador e, por caminhos transversos, de outros figurões da República, especialmente da Justiça. Questionado sobre a transação, o Flávio Bolsonaro não quis se manifestar.
Em tempo: Causa revolta a covardia do Exército em determinar sigilo de um século para o processo administrativo aberto contra o general Eduardo Pazuello. A sociedade tem o direito de saber a respeito de tudo sobre o processo e o Exército tem o dever (não é favor, é dever e obrigação) de informar. Militares acham-se magnânimos quando contam parte de sua história. Já passou da hora de aprenderem que só existem para servir à sociedade na manutenção da ordem constitucional ou na defesa da Nação em caso de ameaça armada estrangeira. E que têm de prestar contas à sociedade. Ano passado, Jair Bolsonaro decretou um século de sigilo sobre sua carteira de vacinação. Agora vem o Exército e, contrariando dispositivo da Controladoria Geral da União, coloca em sigilo o processo contra Pazuello. A CGU é clara: “os procedimentos disciplinares têm acesso restrito para terceiros até o julgamento”. E o julgamento já foi.