quarta-feira, 21 de outubro de 2020

AINDA SOBRE O CUEQUENTO


O senador cueca-suja — aquele com quem o presidente Bolsonaro dizia ter uma “relação estável”, mas de quem agora quer desvincular sua imagem — foi alvo de um pedido de cassação do Conselho de Ética do Senado e de uma ordem de afastamento assinada pelo togado Luís Roberto Barroso (liminar que o plenário da Corte deve julgar na sessão de hoje). Vale lembrar que o Supremo decidiu, em 2017, que cabe ao próprio Senado dar a palavra final sobre o atendimento ou não de decisão que afete o trabalho de senadores.

Observação: Barroso suspendeu os efeitos da decisão que ordenava o afastamento de Chico Rodrigues depois o próprio parlamentar pediu afastamento por 121 dias. O ministro declarou também não ser mais se torna necessária a submissão imediata da matéria ao plenário, mas manteve a medida cautelar em relação à proibição de contato com outros investigados na operação Desvid-19. Na mensagem de afastamento entregue a seus pares, o cuequeiro cara de pau escreveu: “A verdade é que, em um ato impulsivo, acordado pela Polícia, de pijama, assustado com a presença de estranhos em meu quarto, tive a infelicidade de tomar a decisão mais irracional de toda a minha vida“.

Rodrigues é próximo à família do presidente Jair Bolsonaro e atuava como vice-líder do Governo no Senado até a mídia noticiar que a PF encontrou R$ 33 mil entre as nádegas do parlamentar. Em nota, sua defesa manifestou “perplexidade com o linchamento sofrido pelo senador, sem que haja qualquer prova contra sua conduta (o grifo é meu). Alegou-se que o dinheiro se destinava "ao pagamento dos funcionários de uma empresa da família", e que o personagem escondeu os recursos na cueca porque foi alvo de "terrorismo policial" e reagiu de maneira "impensada." Nenhuma palavra sobre a origem da bolada. 

Relator do caso no Supremo, o ministro Luís Roberto Barroso mandou guardar no cofre o vídeo da batida realizada pela PF sob a cueca do senador, a pretexto de evitar a "humilhação pública" do dito-cujo. Agora, os advogados desse conspícuo representante do estado de Roraima alegam "terrorismo policial". A PF deveria requerer ao STF a exposição do vídeo. 

As imagens representam um atentado contra a moralidade do investigado, mas falar em "moral", a esta altura, é tão ridículo quanto dizer que a Câmara e o Senado têm cada qual sua "Comissão de Ética". Quando mais não seja porque, segundo um levantamento feito pelo Estado, envolvendo casos em andamento nos Tribunais de Justiça dos Estados, na Justiça Federal, no STJ e no STF, um terço dos deputados e senadores eleitos em 2018 é acusado de crimes como corrupção, lavagem, assédio sexual e estelionato ou é réu em ações por improbidade administrativa com dano ao erário ou enriquecimento ilícito. No total, são 160 deputados e 38 senadores. 

As justificativas de Chico Rodrigues servem apenas para demonstrar que, sem futuro na política, o nobre senador tenta se reinventar como piada. Mas ele não se desmoraliza sozinho. Sua crise moral transformou-se num processo de avacalhação do Senado. No seu drama ético, o investigado teve a biografia enganchada num caso de malversação de R$ 20 milhões em fundos da Saúde destinados a combater o coronavírus. E o Senado decidiu frequentar a cena vestindo a cueca endinheirada do senador. 

Numa conjuntura política decente, um senador apanhado sujando dinheiro nas nádegas é excluído do Senado que envergonha. Quando isso não acontece, o Senado envergonha o país. Até a semana passada, imaginava-se que o Senado reagiria ao novo escândalo com o velho espírito de corpo. Com o passar dos dias, descobre-se que a maioria dos colegas de Chico Rodrigues deseja evoluir para o espírito de porco. 

Em vez de punir o transgressor, a cúpula do Senado pede que ele se licencie. Na prática, os senadores se licenciam do dever de demonstrar compromisso com os seus eleitores.

Com Josias de Souza.