No país do futuro que nunca chega, até o passado é incerto. Tanto é que a autoria dessa máxima é atribuída ora ao ex-ministro Pedro Malan, ora ao ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola.
Por outro lado, não restam dúvidas de que o Brasil deve
ultrapassar em breve a macabra, lamentável e vergonhosa marca de meio milhão
de mortos pela Covid. E três quartos dessas mortes se
deveram ao
negacionismo do governo federal, segundo o epidemiologista Pedro
Hallal.
Quando a pandemia ainda engatinhava, Bolsonaro foi “eleito”
“pior
líder mundial no combate ao coronavírus pelo jornal americano The
Washington Post, e como o capetão tem verdadeira obsessão por reeleições...
enfim, cabe à CPI do Genocídio dar nomes aos bois, ainda que se trate de
um “segredo
de polichinelo”.
Ontem, dada a ausência de Carlos Wizard — apontado
como membro do suposto “gabinete paralelo” que orientou Bolsonaro a
adotar medidas que transforaram o Brasil em epicentro mundial da Covid —,
o presidente da comissão, senador Omar Aziz, disse que vai pedir a
condução coercitiva e a retenção do passaporte do empresário tão logo ele
retorne ao país.
Como a votação em plenário da medida
provisória da privatização da Eletrobras teria início em seguida, Aziz
adiou o depoimento do auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques —
acusado de inserir
no sistema do TCU um relatório fraudulento sobre suposta
supernotificação de mortes por Covid — e encerrou a sessão.
Observação: O prazo curto de conclusão da
privatização e a sensação de que “não tem nada decidido” preocupou os
investidores e pressionou os papéis da Eletrobras, que fecharam em queda
de 4,14%. O índice B3 da Bovespa fechou em queda de 0,93%, aos 128.057 pontos
nesta quinta-feira. Nem mesmo a boa abertura de sessão da bolsa, que chegou a
operar em alta por influência dos bancos, foi capaz de sustentar os números até
o fechamento — após sete horas de discussão, o Senado aprovou o texto-base da
MP, que ainda poderá ser alterado com a votação dos destaques.
Tanto Wizard quanto Silva Marques conseguiram autorização
do STF para ficar em silêncio. Ao empresário, o ministro Luís Roberto
Barroso deu o direito de ser tratado como investigado (prerrogativa que, na
CPI, vem sendo usada como passaporte para a Mentirolândia), mas aprovou
a quebra de seus sigilos telefônico e telemático. Ao auditor, o ministro Gilmar
Mendes concedeu o direito de se manter em silêncio e não responder
perguntas que possam incriminá-lo, conquanto tenha ressaltado que o depoente
não poderá “faltar com a verdade relativamente a todos os demais
questionamentos não abrigados nessa cláusula”.
Anteontem, a comissão recebeu o ex-governador do RJ, Wilson
Witzel, que se valeu do habeas
corpus deferido pelo ministro Nunes Marques para deixar os
senadores (notadamente Eduardo Girão) falando sozinhos, mas não sem antes
dar uma demonstração da habilidade que o levou de ilustre desconhecido a governador
de Estado em 2018 (embora não
tenha sido suficiente para evitar seu impeachment).
Primeiro, Witzel usou o palanque fornecido pela comissão
para se defender das acusações que resultaram em sua deposição e atacar o ex-aliado
Jair Bolsonaro. Quando passou a ser atacado pela tropa de choque palaciana,
o depoente esgrimiu o HC e “vazou” (como dizem os cariocas). Mas não
antes de acusar Bolsonaro de “montar uma narrativa” destinada a
responsabilizar governadores pelos prejuízos da pandemia; revelar o envolvimento
de milicianos na organização de atos contra a adoção de medidas restritivas à
disseminação da Covid no RJ; prometer dar detalhes sobre o
caso do porteiro do Condomínio Vivendas da Barra (desde que possa
fazê-lo em sigilo, no que foi prontamente aceito pela CPI); afirmar que os
hospitais federais no RJ têm um dono e que a CPI pode descobrir
quem é esse dono.
Observação: Depois, em privado, Witzel
afirmou que o dono é Flávio Bolsonaro (aquele das rachadinhas de da mansão
de R$ 6 milhões), que manda e desmanda, inclusive indicando fornecedores. Flavio
e Witzel bateram
boca durante a sessão. Acusado de usar
a comissão como palanque político, o ex-governador retribuiu a
gentileza: “Senador, o senhor pode ficar tranquilo que eu não sou porteiro.
Não vai me intimidar, não. Mas, senador Flávio Bolsonaro, vossa excelência é
contumaz ao dar declarações atacando o Poder Judiciário, especialmente o juiz
Flávio Itabaiana.”. Pouco antes, Witzel havia dito que o desafeto era “mimado
e mal educado”.
Questionado pela imprensa sobre quando será o novo encontro,
Witzel — que
dali a poucas horas se tornaria réu pela segunda vez — afirmou que caberá
ao presidente da comissão definir a data, e aproveitou para reforçar que “a perseguição”
contra si começou com fatos relacionados ao assassinato
da vereadora carioca Marielle Franco.
A Política é tão inevitável quanto a morte e os impostos, e os
políticos fazem parte do pacote. Mas não deixa de ser curioso (para dizer o
mínimo) o fato de que, enquanto os partidos “de centro” (não confundir com o “Centrão”)
se esfalfam para encontrar alguém capaz de afastar
Lula ou Bolsonaro do segundo turno em 2022, um acordão costurado entre
deputados de todos os matizes político-partidário-ideológicos aprovou o PL 10.887/18, que reforçará ainda mais a impunidade
dos agentes públicos.
No caso da sucessão presidencial, a articulação exige
conciliar postulantes como Doria, Ciro e Leite — para
citar apenas os mais emblemáticos, lembrando que Huck já decidiu suceder
ao Faustão e que a possibilidade de Moro concorrer é tão remota
quanto a de um porco assoviar. Mas a proposta que revisa a lei
de improbidade administrativa foi aprovada por larga maioria (408 votos
a 67), e agora segue para o Senado.
No que tange à maracutaia urdida pelos deputados, o texto elaborado
pelo petista Carlos Zarattini prevê, entre outras alterações, punição
apenas para agentes públicos que agirem com dolo, ou seja, com intenção
de lesar a Administração Pública. Para surpresa de ninguém, Arthur Lira —
que foi eleito presidente da Câmara com o apoio do chefe do Executivo Federal
(e seu “tratoraço”)
— comemorou a aprovação do texto: “Parabenizo aqui todo o esforço da
Casa em votar um tema que há muito tempo carecia de uma regulamentação mais
justa que trouxesse a coerência da lei para as realidades atuais”. Vale
lembrar que o pajé do Centrão já foi condenado por improbidade
administrativa em duas ações e é alvo de outros três processos.
A improbidade administrativa tem caráter civil, ou
seja, não se trata de punição criminal. São atos que afrontam os
princípios da administração pública, atentam contra o Erário e resultam em
enriquecimento ilícito. Entre as penas previstas estão o ressarcimento do
prejuízo causado, a indisponibilidade dos bens e a suspensão dos direitos
políticos. Pelo texto aprovado, o agente será punido somente se agir com
vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito.
Numa fase em que o sistema político brasileiro desvira a
página do esforço anticorrupção, não causa estranhamento o fato de a Câmara ser
acometida de um surto pilântrico — como Josias de Souza bem definiu a “suavização”
da Lei de Improbidade, que ladrilha o caminho que conduz à impunidade.
Alegava-se que a lei de improbidade, velha de três décadas,
pedia uma modernização. E o acordo que submeteu o interesse público a uma
tocaia dissolveu divergências. Deram-se as mãos gregos e tucanos, petistas e
bolsonaristas. Encaminharam contra o interesse público 17 partidos. Apenas três
se posicionaram contra: PSOL, Novo e Podemos.
A chance de reversão no Senado é pequena, porque o Congresso
vive uma fase de perda de recato. Depois que a Lava-Jato foi enviada ao
forno, os políticos passaram a se esquecer de maneirar. O Congresso, como se
sabe, é vital à democracia. Mas a cleptocracia brasileira parece dar razão ao
ex-chanceler alemão Otto von Bismarck,
que dizia no século 19: “É melhor o povo não saber como são feitas as
leis e as salsichas.”
Observação: Se a maracutaia for aprovada no Senado
e sancionada pelo grande chefe do Executivo Federal, o Ministério Público terá
de contratar psicólogos para verificar se os delinquentes tiveram ou não a
intenção de delinquir.
Outra máxima do velho Chanceler de Ferro ensina que “a
política é a arte do possível”. No entanto, é impossível encontrar um
político honesto no Brasil. Primeiro, porque Política e Honestidade são
como vinagre e azeite; segundo, porque cidadãos probos e
bem-intencionados raramente chegam ao poder. Se chegam, ou sucumbem à
corrupção, ou são cooptados ou eliminados pelos desonestos; terceiro,
porque todo político tem duas caras: a que ele expõe em público
e a que usa quando transita nos bastidores.
Alianças políticas são construídas entre aqueles que têm
ódios em comum (o inimigo do nosso inimigo não é necessariamente nosso
amigo, mas pode ser um aliado valioso). De acordo com o filósofo francês François-Marie
Arouet — mais conhecido pelo pseudônimo Voltaire — “a
política não tem sua fonte na grandeza do espírito humano, mas em sua
perversidade”. Já Nelson Rodrigues dizia
que “não há nada mais cretinizante que a paixão política, a única sem
grandeza, a única capaz de imbecilizar o homem” , e Sir
Winston Churchill, que “a política é quase tão excitante quanto a
guerra, e não menos perigosa, mas a diferença é que na guerra só se morre uma
vez”.
De tudo que há de pior na política tupiniquim, nada supera os
políticos tupiniquins. São eles que transformam o ato nobre de prezar pelos
interesses da comunidade na torpe arte de enganar a população para atender aos
próprios interesses. Ouvi de Mário Sérgio
Cortella que “político que se serve em vez de servir é político
que não serve”. Outra epigrama lapidar — cuja autoria eu desconheço —
ensina que “na atual conjuntura, brigar por política é como ter crise de
ciúmes num puteiro”.
Dias atrás, ouvi no Jovem Pan
Morning Show uma sugestão do ex-BBB Adriles Jorge — cuja voz de
gralha histérica me era menos desagradável quando ele criticava o lulopetismo
corrupto sem pôr nos chifres da Lua o bolsonarismo boçal — que me pareceu tão
interessante quanto impossível de ser posta em prática: uma espécie de “vestibular”
para políticos e eleitores. Se isso já tivesse sido adotado, não teríamos de
nos preocupar com Lula e Bolsonaro no segundo turno no ano que
vem, nem tampouco com a récua de muares que se deixam cooptar pelo discurso populista
de políticos dessa catadura.
Enfim, se política e democracia são duas faces da mesma
moeda, não há nada mais antidemocrático do que a antipolítica. Mas será mesmo?
Não custa lembrar que na prática a teoria costuma ser outra. O Parlamento,
que deveria ser o altar sagrado da política e a tradução mais sólida da
democracia, tem suas entranhas pútridas expostas dia sim, outro também. E
sabe-se muito bem que (infelizmente) não podemos contar com o Judiciário — não
com a atual composição do STF... que tende a piorar (ainda mais) com a
substituição de Marco Aurélio pelo ministro “terrivelmente evangélico” a
ser indicado em breve pelo capetão.