sexta-feira, 18 de junho de 2021

VALEI-NOS DEUS

No país do futuro que nunca chega, até o passado é incerto. Tanto é que a autoria dessa máxima é atribuída ora ao ex-ministro Pedro Malan, ora ao ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola.

Por outro lado, não restam dúvidas de que o Brasil deve ultrapassar em breve a macabra, lamentável e vergonhosa marca de meio milhão de mortos pela Covid. E três quartos dessas mortes se deveram ao negacionismo do governo federal, segundo o epidemiologista Pedro Hallal

Quando a pandemia ainda engatinhava, Bolsonaro foi “eleito” “pior líder mundial no combate ao coronavírus pelo jornal americano The Washington Post, e como o capetão tem verdadeira obsessão por reeleições... enfim, cabe à CPI do Genocídio dar nomes aos bois, ainda que se trate de um “segredo de polichinelo”.

Ontem, dada a ausência de Carlos Wizard — apontado como membro do suposto “gabinete paralelo” que orientou Bolsonaro a adotar medidas que transforaram o Brasil em epicentro mundial da Covid —, o presidente da comissão, senador Omar Aziz, disse que vai pedir a condução coercitiva e a retenção do passaporte do empresário tão logo ele retorne ao país.

Como a votação em plenário da medida provisória da privatização da Eletrobras teria início em seguida, Aziz adiou o depoimento do auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques — acusado de inserir no sistema do TCU um relatório fraudulento sobre suposta supernotificação de mortes por Covid — e encerrou a sessão.

Observação: O prazo curto de conclusão da privatização e a sensação de que “não tem nada decidido” preocupou os investidores e pressionou os papéis da Eletrobras, que fecharam em queda de 4,14%. O índice B3 da Bovespa fechou em queda de 0,93%, aos 128.057 pontos nesta quinta-feira. Nem mesmo a boa abertura de sessão da bolsa, que chegou a operar em alta por influência dos bancos, foi capaz de sustentar os números até o fechamento — após sete horas de discussão, o Senado aprovou o texto-base da MP, que ainda poderá ser alterado com a votação dos destaques.

Tanto Wizard quanto Silva Marques conseguiram autorização do STF para ficar em silêncio. Ao empresário, o ministro Luís Roberto Barroso deu o direito de ser tratado como investigado (prerrogativa que, na CPI, vem sendo usada como passaporte para a Mentirolândia), mas aprovou a quebra de seus sigilos telefônico e telemático. Ao auditor, o ministro Gilmar Mendes concedeu o direito de se manter em silêncio e não responder perguntas que possam incriminá-lo, conquanto tenha ressaltado que o depoente não poderá “faltar com a verdade relativamente a todos os demais questionamentos não abrigados nessa cláusula”.

Anteontem, a comissão recebeu o ex-governador do RJ, Wilson Witzel, que se valeu do habeas corpus deferido pelo ministro Nunes Marques para deixar os senadores (notadamente Eduardo Girão) falando sozinhos, mas não sem antes dar uma demonstração da habilidade que o levou de ilustre desconhecido a governador de Estado em 2018 (embora não tenha sido suficiente para evitar seu impeachment).

Primeiro, Witzel usou o palanque fornecido pela comissão para se defender das acusações que resultaram em sua deposição e atacar o ex-aliado Jair Bolsonaro. Quando passou a ser atacado pela tropa de choque palaciana, o depoente esgrimiu o HC e “vazou” (como dizem os cariocas). Mas não antes de acusar Bolsonaro de “montar uma narrativa” destinada a responsabilizar governadores pelos prejuízos da pandemia; revelar o envolvimento de milicianos na organização de atos contra a adoção de medidas restritivas à disseminação da Covid no RJ; prometer dar detalhes sobre o caso do porteiro do Condomínio Vivendas da Barra (desde que possa fazê-lo em sigilo, no que foi prontamente aceito pela CPI); afirmar que os hospitais federais no RJ têm um dono e que a CPI pode descobrir quem é esse dono.

Observação: Depois, em privado, Witzel afirmou que o dono é Flávio Bolsonaro (aquele das rachadinhas de da mansão de R$ 6 milhões), que manda e desmanda, inclusive indicando fornecedores. Flavio e Witzel bateram boca durante a sessão. Acusado de usar a comissão como palanque político, o ex-governador retribuiu a gentileza: “Senador, o senhor pode ficar tranquilo que eu não sou porteiro. Não vai me intimidar, não. Mas, senador Flávio Bolsonaro, vossa excelência é contumaz ao dar declarações atacando o Poder Judiciário, especialmente o juiz Flávio Itabaiana.”. Pouco antes, Witzel havia dito que o desafeto era “mimado e mal educado”.  

Questionado pela imprensa sobre quando será o novo encontro, Witzelque dali a poucas horas se tornaria réu pela segunda vez — afirmou que caberá ao presidente da comissão definir a data, e aproveitou para reforçar que “a perseguição” contra si começou com fatos relacionados ao assassinato da vereadora carioca Marielle Franco.

A Política é tão inevitável quanto a morte e os impostos, e os políticos fazem parte do pacote. Mas não deixa de ser curioso (para dizer o mínimo) o fato de que, enquanto os partidos “de centro” (não confundir com o “Centrão”) se esfalfam para encontrar alguém capaz de afastar Lula ou Bolsonaro do segundo turno em 2022, um acordão costurado entre deputados de todos os matizes político-partidário-ideológicos aprovou o PL 10.887/18, que reforçará ainda mais a impunidade dos agentes públicos.

No caso da sucessão presidencial, a articulação exige conciliar postulantes como Doria, Ciro e Leite — para citar apenas os mais emblemáticos, lembrando que Huck já decidiu suceder ao Faustão e que a possibilidade de Moro concorrer é tão remota quanto a de um porco assoviar. Mas a proposta que revisa a lei de improbidade administrativa foi aprovada por larga maioria (408 votos a 67), e agora segue para o Senado.

No que tange à maracutaia urdida pelos deputados, o texto elaborado pelo petista Carlos Zarattini prevê, entre outras alterações, punição apenas para agentes públicos que agirem com dolo, ou seja, com intenção de lesar a Administração Pública. Para surpresa de ninguém, Arthur Lira — que foi eleito presidente da Câmara com o apoio do chefe do Executivo Federal (e seu “tratoraço”) — comemorou a aprovação do texto: “Parabenizo aqui todo o esforço da Casa em votar um tema que há muito tempo carecia de uma regulamentação mais justa que trouxesse a coerência da lei para as realidades atuais. Vale lembrar que o pajé do Centrão já foi condenado por improbidade administrativa em duas ações e é alvo de outros três processos.

A improbidade administrativa tem caráter civil, ou seja, não se trata de punição criminal. São atos que afrontam os princípios da administração pública, atentam contra o Erário e resultam em enriquecimento ilícito. Entre as penas previstas estão o ressarcimento do prejuízo causado, a indisponibilidade dos bens e a suspensão dos direitos políticos. Pelo texto aprovado, o agente será punido somente se agir com vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito.

Numa fase em que o sistema político brasileiro desvira a página do esforço anticorrupção, não causa estranhamento o fato de a Câmara ser acometida de um surto pilântrico — como Josias de Souza bem definiu a “suavização” da Lei de Improbidade, que ladrilha o caminho que conduz à impunidade.

Alegava-se que a lei de improbidade, velha de três décadas, pedia uma modernização. E o acordo que submeteu o interesse público a uma tocaia dissolveu divergências. Deram-se as mãos gregos e tucanos, petistas e bolsonaristas. Encaminharam contra o interesse público 17 partidos. Apenas três se posicionaram contra: PSOL, Novo e Podemos.

A chance de reversão no Senado é pequena, porque o Congresso vive uma fase de perda de recato. Depois que a Lava-Jato foi enviada ao forno, os políticos passaram a se esquecer de maneirar. O Congresso, como se sabe, é vital à democracia. Mas a cleptocracia brasileira parece dar razão ao ex-chanceler alemão Otto von Bismarck, que dizia no século 19: “É melhor o povo não saber como são feitas as leis e as salsichas.”

Observação: Se a maracutaia for aprovada no Senado e sancionada pelo grande chefe do Executivo Federal, o Ministério Público terá de contratar psicólogos para verificar se os delinquentes tiveram ou não a intenção de delinquir.

Outra máxima do velho Chanceler de Ferro ensina que “a política é a arte do possível”. No entanto, é impossível encontrar um político honesto no Brasil. Primeiro, porque Política e Honestidade são como vinagre e azeite; segundo, porque cidadãos probos e bem-intencionados raramente chegam ao poder. Se chegam, ou sucumbem à corrupção, ou são cooptados ou eliminados pelos desonestos; terceiro, porque todo político tem duas caras: a que ele expõe em público e a que usa quando transita nos bastidores.

Alianças políticas são construídas entre aqueles que têm ódios em comum (o inimigo do nosso inimigo não é necessariamente nosso amigo, mas pode ser um aliado valioso). De acordo com o filósofo francês François-Marie Arouet — mais conhecido pelo pseudônimo Voltaire — “a política não tem sua fonte na grandeza do espírito humano, mas em sua perversidade”. Já Nelson Rodrigues dizia quenão há nada mais cretinizante que a paixão política, a única sem grandeza, a única capaz de imbecilizar o homem” , e Sir Winston Churchill, que “a política é quase tão excitante quanto a guerra, e não menos perigosa, mas a diferença é que na guerra só se morre uma vez”.

De tudo que há de pior na política tupiniquim, nada supera os políticos tupiniquins. São eles que transformam o ato nobre de prezar pelos interesses da comunidade na torpe arte de enganar a população para atender aos próprios interesses. Ouvi de Mário Sérgio Cortella que “político que se serve em vez de servir é político que não serve”. Outra epigrama lapidar — cuja autoria eu desconheço — ensina que “na atual conjuntura, brigar por política é como ter crise de ciúmes num puteiro”.

Dias atrás, ouvi no Jovem Pan Morning Show uma sugestão do ex-BBB Adriles Jorge — cuja voz de gralha histérica me era menos desagradável quando ele criticava o lulopetismo corrupto sem pôr nos chifres da Lua o bolsonarismo boçal — que me pareceu tão interessante quanto impossível de ser posta em prática: uma espécie de “vestibular” para políticos e eleitores. Se isso já tivesse sido adotado, não teríamos de nos preocupar com Lula e Bolsonaro no segundo turno no ano que vem, nem tampouco com a récua de muares que se deixam cooptar pelo discurso populista de políticos dessa catadura.   

Enfim, se política e democracia são duas faces da mesma moeda, não há nada mais antidemocrático do que a antipolítica. Mas será mesmo? Não custa lembrar que na prática a teoria costuma ser outra. O Parlamento, que deveria ser o altar sagrado da política e a tradução mais sólida da democracia, tem suas entranhas pútridas expostas dia sim, outro também. E sabe-se muito bem que (infelizmente) não podemos contar com o Judiciário — não com a atual composição do STF... que tende a piorar (ainda mais) com a substituição de Marco Aurélio pelo ministro “terrivelmente evangélico” a ser indicado em breve pelo capetão.

Valei-nos, Deus.