Notícias como as que seguem abaixo seriam lamentáveis em
outra situação; no contexto atual, porém, há que comemorá-las, ainda que sem exagero,
posto que vivemos no país do futuro que tem um grande passado pela frente e
onde até o passado é incerto.
Prevaricação se tornou uma das palavras mais repetidas pela oposição desde a denúncia dos irmãos Miranda sobre o caso Covaxin, que levou os senadores Randolfe Rodrigues, Fabiano Contarato e Jorge Kajuru a apresentar uma notícia-crime contra o chefe do Executivo por prevaricação. Provocada pela ministra Rosa Weber, a PGR se posicionou no sentido de aguardar as conclusões da investigação da CPI do Genocídio. Mas a magistrada rejeitou o parecer e determinou a devolução do pedido à equipe de Augusto Aras — o procurador-geral que nada acha porque nada procura além de uma cadeira no STF ou, na impossibilidade, sua recondução ao cargo que ocupa atualmente.
Em seu despacho, Rosa fez duras críticas ao
posicionamento da PGR: “No desenho
das atribuições do Ministério Público não se vislumbra o papel de espectador
das ações dos Poderes da República”. Segundo ela, o trabalho da CPI
não limita a atuação da PGR, que deve ser independente e autônoma. Não
há, na visão da juíza, justificativa jurídica para o pedido de aguardar a CPI
nem qualquer impedimento para o andamento de duas investigações simultâneas.
Nesse meio tempo, o MPF enviou à Justiça uma ação de improbidade administrativa contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Caso a ação seja aceita, o luminar da logística se tornará réu por danos causados ao patrimônio público (R$ 122 milhões) e violação aos princípios da Administração. O documento é assinado por oito procuradores e aponta seis atitudes do general, identificadas ao longo das investigações. Entre elas estão a omissão injustificada na aquisição tempestiva de vacinas e a adoção ilegal — e indevida — do chamado “tratamento precoce” como principal política pública no enfrentamento da pandemia.
Para além do prejuízo financeiro, o MPF aponta que a
conduta do ex-ministro acarretou a “sensação — errônea — de segurança e
tranquilidade que a existência de um ‘tratamento precoce’ causou à sociedade”,
e requer ressarcimento integral do prejuízo, pagamento de multa de até duas
vezes o valor do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos
políticos de cinco a oito anos e proibição de contratar com o Poder Público.
Muitos achavam que a CPI acabaria em pizza. De momento, a impressão que se tem é de que assam em forno alto as batatas do presidente Bolsonaro, do ex-ministro Eduardo Pazuello e do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros. Como se vê, o imprevisto pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos.
Dora Kramer escreveu que “a roda do infortúnio tem dessas ironias: quis o destino que o presidente que tanto feriu a realidade combatendo a vacinação no combate à pandemia fosse ferido justamente por uma vacina. Nem no cenário mais pessimista para os governistas e otimista para os oposicionistas se desenhava o quadro com o qual o Palácio do Planalto se depara agora na CPI do Genocídio: a apuração de fortes indícios de corrupção da compra de imunizantes. O inesperado, realmente, fez uma surpresa para investigadores e investigados, cujo propósito era desviar o foco para ocorrências de ilícitos nos governos estaduais e prefeituras”.
“Não existe uma única suspeita de corrupção no governo”, vem repetindo ad nauseam o presidente que se elegeu com a promessa de acabar com a corrupção, mas acabou sepultando a maior operação anticorrupção da história desta banânia. O presidente que sempre disse ser um “defensor da família”, mas acabou demonstrando que falava de sua própria família.
“Não vou esperar foderem a minha família ou amigos meus para
trocar ‘alguém da segurança’”, disse o capitão durante a fatídica
reunião ministerial de 22 de abril do ano passado, referindo-se ao comandante
da PF e ao MP do Rio de Janeiro, que já estavam
nos calcanhares dos filhos Flávio e Carlos.
Observação: Dos cinco filhos do capitão, somente a
caçula (de 11 anos) não é alvo de investigações. Afora o célebre caso
de Zero Um e as rachadinhas, a PF e o Ministério
Público apuram
suspeitas contra Eduardo Bolsonaro, Carlos Bolsonaro e Renan Bolsonaro,
que incluem tráfico de influência, contratação de funcionários fantasmas e
envolvimento na organização de manifestações que pediram o fechamento
de instituições como o Congresso e o Supremo.
Bolsonaro está enterrado até o pescoço no lamaçal da Covaxingate. Fosse esta banânia um país sério, ele já teria sido expelido do cargo — para o qual jamais foi talhado, mas acabou sendo eleito graças à rejeição popular ao lulopetismo corrupto (do qual muita gente já sente saudades).
Em tese, o crime de prevaricação poderia ser considerado crime de responsabilidade. A chamada Lei do Impeachment inclui expressões de sentido amplo, como “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.
A notícia-crime
apresentada pelos senadores acusa o presidente de omissão no
contrato da Covaxin, o que poderia constituir um crime de
responsabilidade — embora também chamados de “crime”, os de
responsabilidade não são um tipo penal, mas uma infração político-administrativa.
Antes do caso em tela, a Rede acionou o STF
para exigir que Bolsonaro exibisse as
provas de fraude eleitoral em 2018 que ele afirma possuir, e o crime
de prevaricação é mencionado na peça. Outra solicitação (do PCdoB)
enviada ao Supremo que também cita prevaricação trata da crise da
escassez de oxigênio nos hospitais de Manaus (os deputados da legenda
Bolsonaro fustiga os integrantes da CPI, repete que não há corrupção em seu governo e que a acusação sobre a vacina é a arma que sobra aos seus opositores. “Me acusam de quase tudo, até de comprar uma vacina que não chegou no Brasil”, disse o mandatário em comício na cidade de Pau de Ferros (RN).
Quando da denúncia dos irmãos Miranda, ficou
claro que de duas, uma: ou Bolsonaro tinha uma boa história para desmontar as
suspeitas, ou estaria no centro de um escândalo capaz de pôr
em risco seu mandato. Mas já se passaram mais de dez dias desde que o caso veio
a público e nem o "mito" nem sua tropa de choque foram capazes de contar
uma história convincente para derrubar a denúncia. Ao contrário: quanto mais eles
falam, mais se enrolam.
Bolsonaro disse que a CPI tem “sete pilantras”, que não vão tirá-lo do poder no tapetão, que a acusação é o último recursos dos adversários, que no governo dele não há corrupção, que a denúncia é vazia porque nada foi pago ao contratado, que mandou a Polícia Federal apurar o caso (na versão dele, inexistente) e que os denunciantes “vão se dar mal”.
Faltou explicar por que a pressa na assinatura do contrato, por que não se tentou negociar a redução do preço superior a qualquer outra vacina, por que aceitar a intermediação de uma empresa cujos sócios já haviam dado um calote de R$ 20 milhões no ministério da Saúde, por que não houve reclamações à Precisa Medicamentos pela não entrega até agora das vacinas contratadas em 25 de fevereiro e por que manteve na liderança do governo na Câmara o deputado Ricardo Barros, apontado pelo próprio Bolsonaro — de acordo com os irmãos Miranda — como operador de “rolos” na pasta da Saúde.
Se conseguir explicar tudo isso de maneira convincente, o governo pode
se sair bem. Do contrário, fará companhia ao PT no panteão dos grandes
escândalos de corrupção que assolaram este pobre país.
Na atual conjuntura, não despejar o inquilino do Planalto é ser cúmplice da anarquia legislativa. É rasgar a Constituição e passar recibo de que a temporada do vale-tudo foi aberta no Brasil.
Não é mais possível aceitar que parlamentares aliados apoiem o chefe do Executivo na instalação da esculhambação geral da República. O impeachment é necessário, sem atrasos, sem delongas ou conchavos espúrios.
Que os poderes constituídos tomem prumo e coragem para parar já essa cruzada da insensatez e baderna administrativa que se instalou no seio da nação.