Na sessão da última quarta-feira, a despeito dos apelos de
alguns senadores, o presidente da CPI deu voz de prisão ao ex-diretor da Saúde Roberto Dias. Parlamentares
bolsonaristas alegaram que a Ordem do Dia já estava em curso no plenário, mas o
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco — que não é tucano, mas é mineiro —, ponderou que atos da CPI
são de responsabilidade da CPI, e que ele confia nas decisões do senador Omar Aziz.
Aos inconformados, Pacheco afirmou que a prisão do depoente não
foi uma deliberação do plenário da Comissão, e sim uma decisão direta de Aziz. Portanto, o ato não estaria sujeito à nulidade regimental, e não caberia a ele, Pacheco, anular
a prisão. Por volta das 23h, Dias pagou uma fiança no valor de R$ 1.100 e foi liberado
pela Polícia Legislativa.
Houve quem questionasse “o uso de dois pesos e duas medidas”,
já que na sessão de 12 de maio o relator da CPI pediu a prisão de Fabio Wajngarten e o presidente discordou. Na semana passada, o senador Alessandro Vieira pediu a prisão de Dominguetti, o
que também foi negado por Aziz. Por outro lado, a milenar sabedoria
chinesa ensina que toda caminhada começa com o primeiro passo. Mesmo sendo um
ato político e midiático, a prisão pode levar os próximos
depoentes a pensar duas vezes antes de fazer os membros da Comissão de palhaços.
Aziz disse que “os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que, hoje, estão na mídia, porque fazia muito tempo que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”, e citou nominalmente o general Pazuello, o coronel Élcio Franco, o tenente-coronel Marcelo Blanco e um certo coronel Guerra (cujo nome surgiu nas mensagens do cabo Dominguetti).
Outros fardados — como o
tenente-coronel Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de
Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde, e o coronel da reserva Marcelo
Bento Pires, ex-diretor de Programas — haviam sido lembrados anteriormente pelo
servidor Luis Ricardo Miranda, que disse à CPI ter
sofrido “pressões atípicas” para agilizar a importação da Covaxin.
Em nota conjunta, o ministro da Defesa e os comandantes do
Exército, da Marinha e da Aeronáutica criticaram duramente as “acusações vis
e levianas” do presidente da CPI. Jair Bolsonaro,
que muito provavelmente incentivou a publicação da nota de repúdio,
compartilhou a reação dos fardados em sua conta particular do Twitter. O clube das Forças Armadas e militares
da reserva também reagiram forte contra a Comissão, que chamaram de “Circo
Parlamentar de Inquérito”. De acordo com o analista político Merval
Pereira, “as Forças Armadas, aparentemente, se sentem em dívida com
Bolsonaro”.
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Observação: Após falhar em tentar convencer o
então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, a
patrocinar o uso político do Exército, Bolsonaro demitiu o
subordinado e designou o general Braga Netto para o cargo. Incomodados
com a atitude do presidente, os três comandantes das Forças Armadas
pediram renúncia
conjunta; para provar que tem bala na agulha e tinta na Bic,
o presidente determinou a imediata demissão de Edson Leal Pujol (Exército), Ilques
Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica)
e nomeou comandante do Exército o general Paulo Sérgio. Se
a ideia era ter um Exército para chamar de seu, parece que sua excelência conseguiu.
A atitude dos militares desagradou Omar Aziz:
“Façam mil notas contra mim, mas não me intimidem. Se me intimidam,
intimidam esta Casa aqui”, disse ele, referindo-se obviamente ao
Senado. Pacheco, submisso, botou panos quentes — “os senadores prezam pela
harmonia e pela estabilidade (...) o Parlamento não pretendeu ofender as Forças
Armadas”. Aziz replicou que esperava uma
posição mais firme do Presidente do Senado contra a intimidação dos militares. “Muitos
que estão aqui, hoje, na década de 1970, 1980, estavam lutando para a gente
estar aqui falando o que quer. Então, senhor presidente, o Senado somos nós”,
disse.
Hoje em dia, quando alguém menciona o envolvimento de militares no escândalo das vacinas, é impossível mudar de assunto. Pode-se, no máximo, mudar de suspeito. Entre oficiais da ativa e da reserva, frequentam o rol dos encrencados um general, três coronéis e dois tenentes-coronéis. A quebra do sigilo telefônico de Dominguetti e outros documentos colecionados pela CPI sugerem (para dizer o mínimo) que o ministério da Saúde e outros órgãos do governo federal estão dominados por grupos de atravessadores de qualquer negócio. É preciso esclarecer a qual presidente se referem as conversas obtidas a partir do celular do PM. Se for realmente o chefe do Executivo, será o segundo caso de compra de vacina em que seu nome é arrastado para o lodaçal da corrupção sem que qualquer providência tenha sido tomada.
Os depoimentos de servidores da Saúde sugerem (de novo, para
dizer o mínimo) que o ministério foi dividido em feudos que cuidam cada qual
dos próprios interesses em detrimento dos interesses da população. Ninguém se
responsabiliza pelo que foi feito, todos querem saber apenas do próprio nicho. O
cabo cujos predicados (ou a falta deles) falam por si participou de um negócio
de R$ 1,5 bilhão. Como alguém como ele tem acesso ao segundo na
hierarquia do ministério da Saúde enquanto negociações sérias não encontraram
caminhos na pasta, onde supostamente um grupo de militares de diversas patentes
controla as compras de medicamentos?
Ontem, a CPI ouviu Francieli Fantinato. A ex-coordenadora
do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, exonerada em 30 de
junho, foi alvo de pedido de quebra de sigilos telefônico e telemático por
parte da Comissão. Por ser investigada e estar amparada por um habeas corpus
concedido pelo ministro Luiz Roberto Barroso, ela se escusou do
compromisso de dizer a verdade. Durante sessão, uma solicitação da defesa para
que ela deixasse a condição de investigada e passasse a ser testemunha foi
aceita pelos senadores, e assim seus sigilos deixaram de ser quebrados.
No discurso de abertura, a depoente afirmou que, sob
qualquer gestão, o PNI do Ministério da Saúde não tinha como decolar sem
vacina e sem campanha publicitária efetiva, e ela não teve nem uma coisa nem
outra. Disse ainda que deixou o cargo (que ocupava desde 2019) por
conta da “politização das vacinas”. Questionada pelo relator e pelo
presidente da Comissão, relutou em citar o nome dos responsáveis pela
politização, mas acabou reconhecendo que foi o presidente Bolsonaro. Segundo
ela, seu advogado a instruiu a entrar com habeas corpus contra
possível pedido de acareação com a médica infectologista Luana Araújo,
mas afirmou que aceitaria a acareação.
Acusado por Bolsonaro de ter desviado R$ 260
milhões quando era governador do Amazonas, Aziz desafiou o presidente
a “procurar um processo” em que ele seja réu. “Nunca o chamei de genocida.
Nunca o chamei de ladrão. Nunca o acusei de fazer rachadinha em seu gabinete (...)
acuso-o de ser contra a ciência e de tentar desqualificar as vacinas que estão
salvando vidas.” O senador criticou Bolsonaro por ficar no que
chamou de “seu cercadinho”, rodeado de “pessoas que não têm conteúdo para
debater a crise nacional” e cobrou uma resposta sobre as declarações do
deputado Luis Miranda, que apontou o envolvimento do presidente no caso Covaxin.
“Hoje estamos mandando uma carta para o senhor dizer se o deputado está
mentindo ou não. É só uma resposta que o Brasil quer ouvir, presidente”,
disse o presidente da CPI, referindo-se ao silêncio de Bolsonaro
sobre as acusações, feitas há 12 dias. E alertou: “Não é o senhor que vai
parar a CPI. A CPI vai se aprofundar”.
Renan Calheiros seguiu na mesma linha. Disse que as
Forças Armadas fizeram uma “intimidação”, mas que a Comissão continuará
investigando “haja o que houver”. Segundo ele, a nota de Braga Netto
é um precedente inusitado. “Esta CPI, que é uma instituição da República,
não pode ser ameaçada sob pretexto nenhum”, afirmou o relator. Disse ainda
que a CPI não vai investigar instituições, e sim a participação de
pessoas em ações na pandemia que eventualmente tenham levado a mortes evitáveis,
não importa se o responsável é civil ou militar. “O Brasil todo respeita as
Forças Armadas e o exemplo que ela pode continuar dando.” E completou: “Mas
não pode confundir o nosso papel nem achar que vai nos intimidar. Nós vamos
investigar, haja o que houver. Se o Pazuello participou do morticínio, se o
Bolsonaro participou do morticínio, se o Élcio participou do morticínio, eles
participaram do morticínio, mas não contaminam as Forças Armadas”.
A militarização da Saúde e a logística tabajara do ex-bonifrate
do capitão atrasaram o cronograma de imunização, levando centenas de milhares
de brasileiros a morrer feito moscas, enquanto maus servidores pegavam em
lanças para defender seu quinhão. O silêncio das Forças Armadas diante da
perversão já havia consolidado a sensação de cumplicidade com oficiais que
grudaram na farda um código de barras, porque desconsidera o apreço do
presidente da CPI pelo pedaço limpo das forças militares. “Quando a
gente fala de alguns oficiais do Exército, é lógico, nós não estamos
generalizando”, anotou Aziz. Ao declarar que “As Forças Armadas
não aceitarão qualquer ataque leviano...”, a cúpula militar ameaça o
Legislativo.
Alguns senadores interpretaram a nota como uma tentativa de
intimidação, mas o presidente do Congresso, humilde, empenhou seu “mais
profundo respeito” pelas forças militares e pediu união dos parlamentares
para enfrentar a pandemia diante de um clima de incerteza e instabilidade. O
líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, afirmou que a declaração
foi provocada por decisões da CPI que ele classifica como “excessos”.
Resta saber o que farão agora os comandantes militares. Estacionarão
seus tanques na entrada do Congresso? Deveriam mais é destilar seu ódio contra
quem enlameia a farda. Só falta agora aderirem à retórica de Bolsonaro,
que chama os rivais da CPI de “pilantras”, “patifes”, “picaretas”, e
depois pendurar uma placa na entrada dos quarteis: “Diretório do PMB, Partido
dos Militares do Bolsonaro”. Não resolveria o problema, mas reduziria consideravelmente
a taxa de cinismo.
Atualização: Um dia após ser cobrado a defender o Senado diante de críticas feitas pelas Forças Armadas, Pacheco afirmou que o episódio não passou de um “mal-entendido”. Ele e o ministro da Defesa conversaram ontem sobre o ocorrido e “o episódio foi suficientemente esclarecido, estando o assunto encerrado”. Tomara.
Triste Brasil.