sexta-feira, 9 de julho de 2021

A PODRIDÃO AFLORA E A SITUAÇÃO PIORA

Na sessão da última quarta-feira, a despeito dos apelos de alguns senadores, o presidente da CPI deu voz de prisão ao ex-diretor da Saúde Roberto Dias. Parlamentares bolsonaristas alegaram que a Ordem do Dia já estava em curso no plenário, mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco — que não é tucano, mas é mineiro —, ponderou que atos da CPI são de responsabilidade da CPI, e que ele confia nas decisões do senador Omar Aziz.

Aos inconformados, Pacheco afirmou que a prisão do depoente não foi uma deliberação do plenário da Comissão, e sim uma decisão direta de Aziz. Portanto, o ato não estaria sujeito à nulidade regimental, e não caberia a ele, Pacheco, anular a prisão. Por volta das 23h, Dias pagou uma fiança no valor de R$ 1.100 e foi liberado pela Polícia Legislativa. 

Houve quem questionasse “o uso de dois pesos e duas medidas”, já que na sessão de 12 de maio o relator da CPI pediu a prisão de Fabio Wajngarten e o presidente discordou. Na semana passada, o senador Alessandro Vieira pediu a prisão de Dominguetti, o que também foi negado por Aziz. Por outro lado, a milenar sabedoria chinesa ensina que toda caminhada começa com o primeiro passo. Mesmo sendo um ato político e midiático, a prisão pode levar os próximos depoentes a pensar duas vezes antes de fazer os membros da Comissão de palhaços.

Aziz disse que “os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que, hoje, estão na mídia, porque fazia muito tempo que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”, e citou nominalmente o general Pazuello, o coronel Élcio Franco, o tenente-coronel Marcelo Blanco e um certo coronel Guerra (cujo nome surgiu nas mensagens do cabo Dominguetti). 

Outros fardados — como o tenente-coronel Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde, e o coronel da reserva Marcelo Bento Pires, ex-diretor de Programas — haviam sido lembrados anteriormente pelo servidor Luis Ricardo Miranda, que disse à CPI ter sofrido “pressões atípicas” para agilizar a importação da Covaxin.

Em nota conjunta, o ministro da Defesa e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica criticaram duramente as “acusações vis e levianas” do presidente da CPI. Jair Bolsonaro, que muito provavelmente incentivou a publicação da nota de repúdio, compartilhou a reação dos fardados em sua conta particular do Twitter. O clube das Forças Armadas e militares da reserva também reagiram forte contra a Comissão, que chamaram de “Circo Parlamentar de Inquérito”. De acordo com o analista político Merval Pereira, “as Forças Armadas, aparentemente, se sentem em dívida com Bolsonaro”.

;

ObservaçãoApós falhar em tentar convencer o então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, a patrocinar o uso político do Exército, Bolsonaro demitiu o subordinado e designou o general Braga Netto para o cargo. Incomodados com a atitude do presidente, os três comandantes das Forças Armadas pediram renúncia conjunta; para provar que tem bala na agulha e tinta na Bic, o presidente determinou a imediata demissão de Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) e nomeou comandante do Exército o general Paulo Sérgio. Se a ideia era ter um Exército para chamar de seu, parece que sua excelência conseguiu.

A atitude dos militares desagradou Omar Aziz: Façam mil notas contra mim, mas não me intimidem. Se me intimidam, intimidam esta Casa aqui”, disse ele, referindo-se obviamente ao Senado. Pacheco, submisso, botou panos quentes — “os senadores prezam pela harmonia e pela estabilidade (...) o Parlamento não pretendeu ofender as Forças Armadas”. Aziz replicou que esperava uma posição mais firme do Presidente do Senado contra a intimidação dos militares. “Muitos que estão aqui, hoje, na década de 1970, 1980, estavam lutando para a gente estar aqui falando o que quer. Então, senhor presidente, o Senado somos nós”, disse.

Hoje em dia, quando alguém menciona o envolvimento de militares no escândalo das vacinas, é impossível mudar de assunto. Pode-se, no máximo, mudar de suspeito. Entre oficiais da ativa e da reserva, frequentam o rol dos encrencados um general, três coronéis e dois tenentes-coronéis. A quebra do sigilo telefônico de Dominguetti e outros documentos colecionados pela CPI sugerem (para dizer o mínimo) que o ministério da Saúde e outros órgãos do governo federal estão dominados por grupos de atravessadores de qualquer negócio. É preciso esclarecer a qual presidente se referem as conversas obtidas a partir do celular do PM. Se for realmente o chefe do Executivo, será o segundo caso de compra de vacina em que seu nome é arrastado para o lodaçal da corrupção sem que qualquer providência tenha sido tomada.

Os depoimentos de servidores da Saúde sugerem (de novo, para dizer o mínimo) que o ministério foi dividido em feudos que cuidam cada qual dos próprios interesses em detrimento dos interesses da população. Ninguém se responsabiliza pelo que foi feito, todos querem saber apenas do próprio nicho. O cabo cujos predicados (ou a falta deles) falam por si participou de um negócio de R$ 1,5 bilhão. Como alguém como ele tem acesso ao segundo na hierarquia do ministério da Saúde enquanto negociações sérias não encontraram caminhos na pasta, onde supostamente um grupo de militares de diversas patentes controla as compras de medicamentos?

Ontem, a CPI ouviu Francieli Fantinato. A ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, exonerada em 30 de junho, foi alvo de pedido de quebra de sigilos telefônico e telemático por parte da Comissão. Por ser investigada e estar amparada por um habeas corpus concedido pelo ministro Luiz Roberto Barroso, ela se escusou do compromisso de dizer a verdade. Durante sessão, uma solicitação da defesa para que ela deixasse a condição de investigada e passasse a ser testemunha foi aceita pelos senadores, e assim seus sigilos deixaram de ser quebrados.

No discurso de abertura, a depoente afirmou que, sob qualquer gestão, o PNI do Ministério da Saúde não tinha como decolar sem vacina e sem campanha publicitária efetiva, e ela não teve nem uma coisa nem outra. Disse ainda que deixou o cargo (que ocupava desde 2019) por conta da “politização das vacinas”. Questionada pelo relator e pelo presidente da Comissão, relutou em citar o nome dos responsáveis pela politização, mas acabou reconhecendo que foi o presidente Bolsonaro. Segundo ela, seu advogado a instruiu a entrar com habeas corpus contra possível pedido de acareação com a médica infectologista Luana Araújo, mas afirmou que aceitaria a acareação.

Acusado por Bolsonaro de ter desviado R$ 260 milhões quando era governador do Amazonas, Aziz desafiou o presidente a “procurar um processo” em que ele seja réu. “Nunca o chamei de genocida. Nunca o chamei de ladrão. Nunca o acusei de fazer rachadinha em seu gabinete (...) acuso-o de ser contra a ciência e de tentar desqualificar as vacinas que estão salvando vidas.” O senador criticou Bolsonaro por ficar no que chamou de “seu cercadinho”, rodeado de “pessoas que não têm conteúdo para debater a crise nacional” e cobrou uma resposta sobre as declarações do deputado Luis Miranda, que apontou o envolvimento do presidente no caso Covaxin. “Hoje estamos mandando uma carta para o senhor dizer se o deputado está mentindo ou não. É só uma resposta que o Brasil quer ouvir, presidente”, disse o presidente da CPI, referindo-se ao silêncio de Bolsonaro sobre as acusações, feitas há 12 dias. E alertou: “Não é o senhor que vai parar a CPI. A CPI vai se aprofundar”.

Renan Calheiros seguiu na mesma linha. Disse que as Forças Armadas fizeram uma “intimidação”, mas que a Comissão continuará investigando “haja o que houver”. Segundo ele, a nota de Braga Netto é um precedente inusitado. “Esta CPI, que é uma instituição da República, não pode ser ameaçada sob pretexto nenhum”, afirmou o relator. Disse ainda que a CPI não vai investigar instituições, e sim a participação de pessoas em ações na pandemia que eventualmente tenham levado a mortes evitáveis, não importa se o responsável é civil ou militar. “O Brasil todo respeita as Forças Armadas e o exemplo que ela pode continuar dando.” E completou: Mas não pode confundir o nosso papel nem achar que vai nos intimidar. Nós vamos investigar, haja o que houver. Se o Pazuello participou do morticínio, se o Bolsonaro participou do morticínio, se o Élcio participou do morticínio, eles participaram do morticínio, mas não contaminam as Forças Armadas”.

A militarização da Saúde e a logística tabajara do ex-bonifrate do capitão atrasaram o cronograma de imunização, levando centenas de milhares de brasileiros a morrer feito moscas, enquanto maus servidores pegavam em lanças para defender seu quinhão. O silêncio das Forças Armadas diante da perversão já havia consolidado a sensação de cumplicidade com oficiais que grudaram na farda um código de barras, porque desconsidera o apreço do presidente da CPI pelo pedaço limpo das forças militares. “Quando a gente fala de alguns oficiais do Exército, é lógico, nós não estamos generalizando”, anotou Aziz. Ao declarar que “As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano...”, a cúpula militar ameaça o Legislativo.

Alguns senadores interpretaram a nota como uma tentativa de intimidação, mas o presidente do Congresso, humilde, empenhou seu “mais profundo respeito” pelas forças militares e pediu união dos parlamentares para enfrentar a pandemia diante de um clima de incerteza e instabilidade. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, afirmou que a declaração foi provocada por decisões da CPI que ele classifica como “excessos”. 

Resta saber o que farão agora os comandantes militares. Estacionarão seus tanques na entrada do Congresso? Deveriam mais é destilar seu ódio contra quem enlameia a farda. Só falta agora aderirem à retórica de Bolsonaro, que chama os rivais da CPI de “pilantras”, “patifes”, “picaretas”, e depois pendurar uma placa na entrada dos quarteis: “Diretório do PMB, Partido dos Militares do Bolsonaro”. Não resolveria o problema, mas reduziria consideravelmente a taxa de cinismo.

AtualizaçãoUm dia após ser cobrado a defender o Senado diante de críticas feitas pelas Forças Armadas, Pacheco afirmou que o episódio não passou de um “mal-entendido”. Ele e o ministro da Defesa conversaram ontem sobre o ocorrido e “o episódio foi suficientemente esclarecido, estando o assunto encerrado”. Tomara.

Triste Brasil.