sexta-feira, 23 de julho de 2021

DE *AGADA EM *AGADA ACABAREMOS NA *ERDA

O deputado Marcelo Ramos, que comandou a sessão de votação na qual o valor do "Fundão" foi triplicado, disse ter sido vítima de uma grande armação. Pode até ser, mas isso não muda o fato de que esse descalabro foi uma espécie de teste para checar os limites do saco nacional. 

"Quem já encheu balões na infância sabe que só se descobre o ponto exato de ruptura quando já é tarde demais [...] Ao turbinar o fundo eleitoral, o Legislativo revela uma disposição alucinada para buscar o ponto de ruptura da sociedade, parecendo não se dar conta de que o saco nacional já está cheio", escreveu Josias de Souza em sua coluna.

Bolsonaro, que disse estar "cagando para a CPI", parece estar cagando também para o saco nacional. Depois de ser submetido a um tratamento para desobstruir o intestino, ele não só cagou (pela segunda vez) para a lista tríplice do Ministério Público (ao propor a recondução de Augusto Aras à PGR), como também ao promover uma dança das cadeiras ministeriais que trará o Centrão de vez para dentro do Palácio do Planalto.

Diante das críticas por se aproximar ainda mais do Centrão, o presidente disse ter nascido do grupo de partidos conhecido pela troca de apoio por cargos e emendas. "Todo e qualquer partido tem gente boa e gente que não está muito interessada em fazer a coisa certa. Agora, eu tenho e pretendo, dentro das quatro linhas da Constituição, buscar apoio dentro do Parlamento."

Essa aliança, buscada no ano passado diante de dezenas de pedidos de impeachment que se acumulavam na Câmara, enterrou de vez o discurso que o então candidato explorou à exaustão em 2018, de que não se renderia ao que chamava de a velha política do "toma-lá-dá-cá"

Para atender o Centrão, Bolsonaro promete liberar bilhões em emendas parlamentares e — como se viu agora — até recria ministérios, contrariando outro discurso de campanha — o do enxugamento da máquina pública. Hoje, o governo tem 22 ministérios (eram 23, mas o Banco Central perdeu este status com a aprovação de sua autonomia), 7 a mais do que os 15 prometidos na campanha eleitoral. Na gestão de Michel Temer, eram 29 ministérios.

O Centrão é um bloco de partidos de centro e centro-direita que, pragmáticos, se articulam para votar da mesma maneira sobre determinados projetos. O apelido remonta à Constituinte de 1988 e remete a um grupo de parlamentares formou maioria para mudar o jogo no Congresso. Já o atual Centrão surgiu em 2014, sob o comando do então líder do MDB na Câmara, Eduardo Cunha, preso pela Lava-Jato. Seu apoio foi decisivo para o impeachment de Dilma, em 2016, e para blindar Michel Temer das "flechadas de Janot" (que poderiam ter abreviado o mandato tampão do vampiro do Jaburu). 

À frente do bloco estão o líder do PP na Câmara, Arthur Lira, o presidente do partido, Ciro Nogueira, o líder do PL na Câmara, Wellington Roberto, e o ex-presidente do partido, Valdemar Costa Neto — condenado e preso no esquema do mensalão e uma das principais lideranças do PL. Entre seus principais articuladores figuram também o deputado Marcos Pereira, do Republicanos, e o presidente do partido, Paulinho da Força, além do ex-deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, também condenado no escândalo do mensalão — e que se tornou recentemente um dos principais defensores de Bolsonaro.

Reportagem publicada ontem em "O Estado de S. Paulo" relatou que o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, teria enviado um recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira, dizendo que sem a aprovação do voto impresso e "auditável" não haverá eleições em 2022. Lira negou ter recebido a ameaça. Depois de telefonar ao presidente da Câmara, o ministro Barroso, presidente do TSE, escreveu numa rede social que "as instituições estão funcionando".

Braga Netto desmentiu a reportagem. Disse que não se comunica com os presidentes dos poderes por meio de interlocutores, que se trata de "mais uma desinformação que gera instabilidade entre os poderes da República em um momento que exige a união nacional", que as Forças Armadas "atuam sempre e sempre atuarão dentro dos limites previstos na Constituição" e que a discussão sobre o voto impresso é legítima e está sendo analisada no Congresso.

O diretor de Jornalismo do Estadão reafirmou o conteúdo da reportagem: "Diante das diversas reações, considero importante reafirmar na íntegra o teor da reportagem publicada hoje no 'Estadão' sobre os diálogos do ministro da Defesa. O compromisso inabalável do Estadão segue sendo a qualidade jornalística e o respeito ao Estado de Direito".

"O enredo do governo Bolsonaro parece ter sido escrito por um roteirista bêbado que, farto de ganhar a vida com trabalhos medíocres, resolveu, no meio do caminho, ter um ataque de sincericídio e reescrever a história como ela é, e não como a encomendaram. Ciro Nogueira já chegou ao topo do governo que iria prendê-lo, e o roteirista imaginou um advogado exibicionista, suposto defensor das liberdades públicas, mas que se especializou em soltar ladrões, dizendo que os vários processos a que Nogueira responde não o impedem de assumir um dos cargos mais importantes da República. Mas aí já seria imaginação demais", escreveu Merval Pereira em sua coluna desta quinta-feira. 

Parafraseando Ricardo Kertzman, "de cagada em cagada, o pai do senador das rachadinhas e da mansão de R$ 6 milhões corrói a ordem democrática, destrói a economia, achincalha os demais Poderes, dissemina o vírus e promove mortes". Enquanto o bando de hienas continuar achando graça nas ‘merdas’ desse sujeito, conclui o jornalista, continuaremos atolados no fundo do vaso sanitário, à espera de alguém que dê a descarga.