quarta-feira, 28 de julho de 2021

MISTÉRIOS DA MEIA-NOITE


O incidente (ou acidente, ou atentado, ou seja lá o que for) envolvendo Joice Hasselmann virou uma minissérie de suspense que fica mais emocionante a cada novo capítulo. Até a noite da última segunda-feira, quando ela foi submetida a exame toxicológico no IML do DF, os agentes da Polícia Legislativa da Câmara não haviam encontrado qualquer vestígio de estranhos entrando no prédio onde fica seu apartamento funcional, nem no domingo 18  dia em que a deputada acordou numa poça de sangue, com dois dentes quebrados e fraturas no rosto e nas costelas, além de hematomas pelo corpo ―, nem nos dias anteriores e posteriores ao ocorrido.

Em seu terceiro depoimento às autoridades, Joice disse que encontrou "um objeto não cortante, sem marcas de sangue, que não é uma arma, mas não pertence a ninguém que frequenta seu apartamento", mas não especificou que objeto seria esse. À imprensa, afirmou que não confia na Polícia Federal porque "Bolsonaro interferiu na organização para proteger corruptos, entre eles seu filho", e que um jornalista ligado ao GSI (cujo nome ela não revelou) lhe teria informado que estavam "criando uma narrativa envolvendo um acidente de carro para desconstruir sua versão do suposto atentado". Em resposta, o general Augusto Heleno tuitou: "Lamento os ferimentos da Dep. Joice Hasselmann. Quanto à informação que divulgou sobre o GSI, deve ser perturbação consequente da pancada que levou na cabeça. Espero que melhore!"

O senador Styvenson Valentim insinuou numa live que a deputada teria consumido drogas antes do "acidente", e que ela própria causara os ferimentos. Joice não só registrou um boletim de ocorrência contra ele como afirmou que levará o caso ao Conselho de Ética do Senado. Em entrevista a uma rádio de Natal, Valentim disse estar arrependido da forma e do conteúdo de seu vídeo, mas reafirmou que "acha estranho" alguém esperar cinco dias para relatar uma ocorrência de danos físicos. (Eu também acho.)

Durante coletiva no último domingo, Joice disse que vai pedir a prisão de Patrick Folena, um dos coordenadores do grupo direitista Movimento Avança Brasil (ele publicou uma montagem usando uma foto antiga e outra recente, com ela machucada, seguida de um slogan da campanha "Diga Não Às Drogas"). 

Na segunda-feira 26, a Polícia Legislativa abriu uma investigação para apurar o que ocorreu, após Joice ter revelado o nome de dois suspeitos. À imprensa, a parlamentar não deu nome aos bois, porém afirmou que uma das pessoas é um grande desafeto político e teria acesso ao bloco em que mora "de maneira muito fácil", e que a outra pessoa tem acesso a "onde ele quiser".

A Câmara dos Deputados esclarece que há segurança nos locais onde se localizam os apartamentos funcionais dos parlamentares. “Os prédios possuem vigilância armada e porteiros, ambos 24 horas por dia, 7 dias por semana. Além disso, há câmeras de segurança e rondas ostensivas, com viatura caracterizada”. Em nota, o Depol disse que enviou o inquérito do caso para o MPF – caberá à PGR oferecer ou não a denúncia à Justiça Federal. Joice relatou que não levou a ocorrência para a PF por receio de que haja interferência política do presidente da República.

De acordo com o Correio Braziliense, a polícia trabalha com a hipótese de Joice ter sido dopada e agredida dentro do imóvel, mas não descarta a possibilidade de queda acidental. Na avaliação dos médicos, no entanto, ela precisaria cair umas cinco ou seis vezes para se ferir com tal gravidade. Segundo o colunista Lauro Jardim, de O Globo, um laudo sobre o assunto será divulgado até esta quarta-feira (28) pela Polícia Legislativa.

Joice Cristina Hasselmann (42) é paranaense de Ponta Grossa. Depois de se graduar em jornalismo, trabalhou na BandNews FM de Curitiba e numa afiliada do SBT no Paraná. Foi correspondente do jornal O Globo de 2006 a 2012, apresentadora do projeto TV VEJA em 2014 e âncora do programa Os Pingos nos Is em 2017. No ano seguinte, produziu e protagonizou a websérie Pensando Juntos. Antipetista convicta, participou das manifestações contrárias ao governo Dilma e publicou uma biografia do então juiz federal Sérgio Moro.

Dona da segunda maior votação para a Câmara Federal em 2018 (atrás apenas de Eduardo Bolsonaro), Joice foi líder do governo no Congresso por oito meses. Destituída do cargo, publicou no Twitter que atuou para conter inúmeras crises, mas não se importava com a ingratidão. "Meu couro é duro. Sigo apoiando O BRASIL!". Com o racha interno no PSL, aliados Luciano Bivar, presidente nacional do partido, conseguiram 21 assinaturas para penabundar Eduardo Bolsonaro da liderança na Câmara, e Joice assumiu o posto. A partir daí, tornaram-se frequentes as trocas de farpas entre ela, os filhos Zero Dois e Zero Três do Capitão Zero e as deputadas Bia Kicis e Carla Zambelli, notórias baba-ovos do presidente.

Em 2020, Joice disputou a prefeitura da capital paulista, mas obteve menos de 10% dos mais de 1 milhão de votos que recebeu em 2018. No mês passado, anunciou seu desligamento do PSL. "O partido baixa a cabeça e a espinha até mostrar a bunda para os bolsonaristas", postou ela no Twitter. Ao que Bivar respostou: "O partido não sai de biquíni por aí mostrando a bunda para ninguém".

Joice diz não acreditar que sua saída trará Bolsonaro de volta ao PSL, e que ele só tem governabilidade porque "paga aluguel" ao Centrão. "Só que essa grana é pública e essa teta pode secar. Quando não tiver mais dinheiro para pagar o aluguel, o impeachment vem, porque em qualquer país sério já teria vindo". Nesse ponto, não há como discordar.