sexta-feira, 13 de agosto de 2021

O TEMPO PERGUNTOU PRO TEMPO QUAL É O TEMPO QUE O TEMPO TEM...

 

O TEMPO PERGUNTOU PRO TEMPO QUAL É O TEMPO QUE O TEMPO TEM. O TEMPO RESPONDEU PRO TEMPO QUE NÃO TEM TEMPO PRA DIZER PRO TEMPO QUE O TEMPO DO TEMPO É O TEMPO QUE O TEMPO TEM.

Para o professor e historiador Marco Antonio Villa, não é nenhum exagero pensarmos já, imediatamente, no Brasil pós-Bolsonaro, pois a reconstrução nacional — que será longa, difícil e complexa — precisa ser iniciada o quanto antes, e deve começar o afastamento de todos que contribuíram com o maior genocídio da história deste país.

Por outro lado, não se pode culpar quem, em 2018, viu em Bolsonaro a única alternativa à volta do lulopetismo corrupto, responsável pela profunda insatisfação da sociedade civil com a elite política e o funcionamento dos poderes constituídos. Até porque o desejo de renovação é legítimo e como tal deve ser louvado. O detalhe — e o diabo mora nos detalhes — é que oportunistas, extremistas e reacionários se aproveitaram do momento para se venderem como a personificação do anseio da população.

Eu concordo plenamente. Aliás, como bem disse Abraham Lincoln, pode-se enganar a todos durante algum tempo e alguns por todo o tempo, mas não se pode enganar a todos o tempo todo. Quando se deram conta de que o rei estava nu, muita gente que apoiava o capitão — incluindo alguns que chegaram a fazer parte do governo — se desiludiram com o "mito" de pés de barro. E não sem razão.

Faltando pouco mais de um ano e quatro meses para a pior gestão desde a redemocratização terminar, só apoia um presidente que conspira diuturnamente contra a Constituição, os princípios democráticos e o ordenamento legal republicano quem flerta com o nazifascismo e o genocídio ou visa locupletar-se com a maior pandemia sanitária dos últimos séculos.

Com a Teoria da Relatividade Geral, Einstein demonstrou que a percepção da passagem do tempo depende de diversas variáveis. Mas o Brasil não é para amadores — como ensinou certo maestro brasileiro até no nome. O fato é que o celebre físico alemão não levou em conta (e nem poderia) algumas sutilezas surreais do país do futuro em que até o passado é incerto. Vamos a alguns exemplos.

Lula foi condenado a mais de 20 anos de prisão em regime fechado por 10 magistrados de três instâncias do Judiciário. Depois de passar míseros 580 dias na cadeia, o petralha teve a ficha-suja lavada e os direitos políticos restabelecidos. Agora, graças a memória curta (ou a falta de miolos) de uma parcela significativa do eleitorado, o criminoso de Garanhuns desponta nas pesquisas como provável vencedor da eleição presidencial de 2022 (se houver, pois Bolsonaro não quer).

A dublê de pastora e deputada carioca Flordelis, que responde por homicídio triplamente qualificado (acusada de ser a mandante do assassinato do marido, o também pastor Anderson do Carmo) foi cassada na última quarta-feira — note que o crime ocorreu em junho de 2019 e, segundo alguns de seus pares, ela vinha se valendo do mandato para evitar a prisão, coagir testemunhas e atrapalhar as investigações.

Em 2018, o STF condenou o primeiro parlamentar na (hoje extinta) Operação Lava-Jato. A decisão da corte (a mesma que lavou a ficha do ex-presidente corrupto mencionado linhas atrás) foi prolatada 1.183 dias; ou 169 semanas; 39 meses; ou 3 anos, 2 meses e 26 dias depois que o então procurador-geral Rodrigo Janot entregou sua primeira lista de parlamentares suspeitos de envolvimento no Petrolão. Nesse entretempo, o ex-juiz federal Sergio Moro condenou 132 pessoas (tecnicamente, foram 203 condenações, pois alguns acusados foram sentenciados mais de uma vez) a penas que, somadas, totalizavam quase 2 mil anos de prisão.

Em novembro de 2016, graças ao voto de minerva do ministro Dias Toffoli (o grande jurista que foi reprovado em dois concursos para juiz em São Paulo, ambas as vezes na etapa preliminar, que avalia apenas conhecimentos gerais e noções básicas do Direito), o STF reverteu a jurisprudência que permitia o início da execução provisória da pena após a confirmação da sentença condenatória por um juízo colegiado (a célebre "prisão em segunda instância"). Diante da chiadeira geral, deputados e senadores se mobilizaram para restabelecer o status quo ante. No Senado, pretendia-se promover uma alteração no Código de Processo Penal; na Câmara, alterar a Constituição através de uma PEC. Mas aí veio o recesso, depois a Covid, e então o assunto caiu no esquecimento.

Observação: A alteração no CPP pode ser feita em poucas semanas, ao passo que a proposta de emenda constitucional tem tramitação mais lenta e burocrática, além de depender da aprovação, em dois turnos, de 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores.

Agora a contrapartida: há coisa de um mês, as duas Casas Legislativas aprovaram a toque de caixa um jabuti a Lei de Diretrizes Orçamentárias com um "jabuti" que praticamente triplicou o valor do fundo eleitoral. Na Câmara, a proposta teve 278 votos a favor, 145 votos contra e uma abstenção; no Senado, o placar ficou em 40 votos favoráveis ao projeto e 33 contrários. Bolsonaro tem até o próximo dia 23 para decidir se sanciona ou veta esse descalabro.

Além de aumentar o Fundo Eleitoral para R$ 5,7 bilhões, o Congresso se movimenta para adotar duas medidas que têm influência nas eleições do ano que vem: turbinar o Fundo Partidário — aquele que é pago todos os anos às legendas — e retomar a propaganda das legendas no rádio e na TV fora do período eleitoral. Em 2021, o Orçamento prevê R$ 979,4 milhões para o Fundo Partidário. Para 2022, a estimativa é de que o valor aumente para R$ 1,061 bilhão. Um projeto aprovado no Senado em julho, porém, traz a volta da propaganda das siglas e aumenta os recursos do Fundo Partidário para financiar as inserções no rádio e na TV. Se a proposta receber o aval da Câmara e for sancionada pelo presidente, o valor passa a R$ 1,3 bilhão no ano que vem. Somados os dois fundos (eleitoral e partidário), o gasto público com as eleições de 2022 pode chegar a R$ 7 bilhões, um patamar inédito.

Antes de encerrar, vale salientar que:

1) desde o início da pandemia o preço dos alimentos aumentou 15% no país. A taxa é quase o triplo da inflação geral registrada no mesmo período, 5,2%.

2)125,6 milhões de brasileiros sofreram com insegurança alimentar durante a pandemia. O número equivale a 59,3% da população e se baseia em pesquisa realizada entre agosto e dezembro de 2020

3) Em abril deste ano, o Brasil tinha 85,9 milhões de ocupados, 3,3 milhões a menos do que no mesmo mês de 2020. No pior momento da crise, quase 1,4 mil brasileiros eram demitidos por hora, diz levantamento do IDados.

4) A taxa de desemprego ficou em 14,6% no trimestre encerrado em maio. Isso representa um contingente de 14,8 milhões de pessoas buscando por uma oportunidade no mercado de trabalho no país.