Bolsonaro alegar que venceu a eleição do voto
impresso é a mesma coisa de Lula dizer que foi absolvido pelo Supremo
Tribunal Federal. Com os 229 votos a favor, faltaram ao governo 79 para obter o
quórum de 308 votos necessário para aprovação de uma emenda constitucional.
Dizer que metade da Câmara votou a seu favor é uma falácia, pois, aos 218 votos
contrários, devem ser somados os 66 votos de abstenção, que na prática
prejudicaram o governo.
Mesmo que a maioria desses deputados que não tiveram coragem de assumir posição
na votação em plenário seja a favor do voto impresso, não haveria voto
suficiente para aprovar a emenda. Dito isso, é preciso admitir que o resultado
foi muito maior para o governo do que se esperava — e não permite que se dê por
encerrado esse debate extemporâneo.
Muitos deputados do PP e do PL, expoentes do Centrão, votaram contra o governo.
Mas muitos de PSDB, PSB, Novo, supostamente de oposição, votaram com o governo,
o que dá bem a dimensão da bagunça partidária que está instalada na Câmara.
Para aumentar ainda mais a confusão, o presidente da Câmara, Arthur Lira,
deu uma mãozinha a Bolsonaro falando, logo depois de terminada a
votação, que agora é hora de juntar as lideranças partidárias para conseguir
aperfeiçoar a segurança da urna eletrônica, o que, por si só, impede o
encerramento da discussão como ele havia anunciado.
Lira anda na corda bamba para tentar manter o apoio de Bolsonaro
e se distancia do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, potencial
candidato à Presidência da República e, por isso, mais firme na defesa da
democracia e do voto eletrônico. Depois do desfile militar em frente ao
Congresso e ao Supremo, a questão do voto eletrônico deixou de ser uma questão
técnica para transformar-se em política. Não é razoável, portanto, que
deputados “oposicionistas” tenham votado com o governo.
No caso do PSDB, há um adendo importante: a maioria que votou a favor do
governo também deu um recado ao governador de São Paulo, João Doria, de
quem o deputado Aécio Neves, único tucano que se absteve, é o adversário
principal. Também Gilberto Kassab, o presidente do PSD que se tornou
opositor ferrenho de Bolsonaro, sofreu uma derrota, pois a maioria de
sua bancada votou pelo voto impresso.
A nova tentativa dos bolsonaristas é aumentar o número de urnas eletrônicas
auditáveis, o que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral já admitiu ser
possível. A sugestão é que firmas de auditoria independentes, como Price ou
KPMG, acompanhem a votação. Lembram a vitória de Dilma sobre Aécio em
2014, ganhando com pouco mais de 3% dos votos, como indicação de que tenha
havido fraude, embora nunca comprovada.
O ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, emitiu um
parecer ontem atestando a confiabilidade das urnas eletrônicas, auditadas por
peritos do TCU. Em seu voto, mandou recados claros: "Os ataques à
democracia podem ser barulhentos. Ao desfilar, podem parecer vistosos, mas não
passam de fumaça: pode ser escura e amedrontadora, mas se dissipa na atmosfera
cristalina dos ares democráticos. Blindado é o nosso regime de liberdades,
blindados são os nossos valores democráticos, blindado é o nosso plexo de
garantias fundamentais, blindado deve ser o nosso compromisso irrenunciável com
a Constituição que juramos respeitar, cumprir e fazer cumprir".
Outro recado, desta vez do Senado, foi a derrubada da Lei de Segurança Nacional,
coincidentemente no mesmo dia em que houve a "patacoada" no Palácio
do Planalto. A aprovação da nova legislação de defesa do Estado de Direito é
simbólica. Basta ver que a LSN dizia o que não podia ser feito, mas
todos os pontos proibidos foram expressamente aprovados pela nova legislação,
como manifestações de oposição, passeatas, críticas ao governo e imprensa
livre.
Agora ela vai à sanção do presidente Bolsonaro, que é até capaz de
vetar. Mas, se o fizer, cria um problema sério com o Senado e, assim, vai
minando a possibilidade de apoio. Na Câmara, Arthur Lira está sendo
colocado em xeque pelo próprio presidente, que não respeita a decisão contra o
voto impresso, como prometera, e continua dizendo que a eleição presidencial do
ano que vem não será confiável
Texto de Merval Pereira