Ainda sobre os discursos golpistas do ex-capitão tiranete, se a fala em Brasília foi ruim — uma peça de pura provocação contra os poderes, inclusive o dele, já que suas atitudes criam entraves ao andamento do governo e com isso aumenta a desaprovação ao presidente —, a de São Paulo foi ainda pior.
Além de manter as agressões, Bolsonaro chamou de "canalha" o ministro Alexandre de Moraes e incitou a violência do público contra ele arrastando seus apoiadores ao perigoso terreno da aventura, acusou o presidente do TSE de fraudar as eleições de 2022, e deixou claro que: 1) não pretende cumprir decisões judiciais; 2) não reconhecerá o resultado do pleito se for derrotado (qualquer semelhança com Donald Trump não é mera coincidência).
Observação: Como se sabe, Bolsonaro recuou e se retratou, embora não tenha tido a hombridade de ler ao vivo e em cores a carta que o vampiro do Jaburu escreveu a seu pedido. Mas há outro fato igualmente grave: ninguém sabe o que eles conversaram, e só Michel Temer sabe se houve algum escambo entre eles. E dois detalhes curiosos: 1) por 3 votos a 2, a 2ª Turma das togas "entendeu" pela suspeição do ex-juiz Sérgio Moro no julgamento do processo do tríplex de Lula; 2) sobre o atual decano do STF, brilhantemente definido por J.R. Guzzo como "fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país", disse um seu colega de toga, em meio a memorável bate-boca: "Há no Supremo gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos". Em outra oportunidade, esse mesmo colega se referiu ao semideus togado como "uma pessoa horrível, uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia" e o acusou de "desmoralizar o Tribunal". Pois é.
Bolsonaro fez um périplo verbal pelo código penal e
pela tipificação do crime de responsabilidade. Depois disso, imaginar-se-ia que
o dublê de deputado-réu e presidente da Câmara Federal (também chamada
de Casa
do Povo) daria seguimento a um dos 136 pedidos de impeachment sobre os
quais vem mantendo seu avantajado buzanfã desde fevereiro passado. Leda
pretensão: em nenhum momento de sua
manifestação (serôdia) sobre a participação do chefe do Executivo nos atos
golpistas o deputado alagoano mencionou "impeachment" ou mesmo
"crime de responsabilidade".
Os discursos dos presidentes do STF, ministro Luiz
Fux (clique aqui para
assistir) e do TSE, Luis Roberto Barroso (clique aqui
para ler), foram mais incisivos, mas nenhum dos dois deu mostras de que
tenciona passar do palavrório para a ação. Há que diga que não existe motivo
para tanto, visto que Bolsonaro
se retratou (ou se desculpou, ou arregou, como queiram). Mas eu acho
que não é por aí.
Não estamos falando de ingênuas
Polianas ou crédulas
Velhinhas de Taubaté, mas de magistrados experientes. De mais a mais, a
patética carta assinada pelo capitão foi escrita pelo igualmente
patético ex-presidente Michel Temer, cuja patética
passagem pelo Planalto se notabilizou pelos patéticos episódios de
escapismo que o ex-vice da patética gerentona de araque protagonizou para fugir
das "flechas
de Janot".
Como anotou Josias de Souza em sua coluna, faz
papel de bobo quem acredita nas variantes moderadas de Jair Bolsonaro, o
presidente que agora aderiu a uma nova modalidade de negacionismo: o negacionismo
mental.
O pandemônio autoritário era um "golpezinho",
o "canalha" do Alexandre de Moraes era apenas uma cepa
secundária do respeitado "jurista e professor", e a nova onda
do imperador fortão não passava de "conversinha" para dormitar
bovinos. Percebendo que havia transformado o trono numa cadeira elétrica, nosso
indômito capitão devolveu o Bolsonaristão ao Brasil e fundou uma nova
monarquia. Nela, reina o Bolsotemer, um híbrido com o miolo mole do Jair
Bolsonaro e a caligrafia do Michel Temer.
Para fundar o novo reino, divulgou-se uma carta à nação. O
texto é mais longo do que deveria, mas traz nas entrelinhas apenas dois artigos:
1º) Todo brasileiro sem vergonha na cara deve esquecer as barbaridades que Bolsonaro
fez desde o início do seu mandato e as atrocidades que ele declarou nas últimas
48 horas; 2º) Revogam-se as disposições em contrário.
Cerca de três horas após a divulgação da carta, o imperador
levou ao ar sua indefectível live semanal das noites de quinta-feira. Em meio a
muita desconversa, teve uma recaída. Em resposta ao presidente do TSE,
que o chamara de "farsante", voltou a questionar a segurança
das urnas eletrônicas. Disse que as "palavras bonitas" de Barroso
não convencem ninguém, pois "as urnas são penetráveis".
Ficaram entendidas quatro coisas: 1) Michel Temer é
um tranquilizante com prazo de validade vencido. 2) Jair Bolsonaro,
personagem que defende a cloroquina e desrespeita as prescrições alheias, precisa
do acompanhamento de um profissional da psiquiatria. 3) O Brasil é um país à
deriva sem um presidente.
Como diria Pazuello, é simples assim. E viva o povo
brasileiro.