A ONU foi
crida em 1954, após o término da 2º Guerra Mundial, em 1945. Como nenhum país
membro reivindicou o privilégio de ser o primeiro a discursar nas cerimônias de
1949, 1950 e 1951, o Brasil preencheu essa lacuna e, desde 1955 — exceção feita
aos anos de 1983 e 1984, em cujas sessões Ronald Reagan falou primeiro
—, nosso representante fala depois do Secretário-Geral da ONU e do Presidente
da Assembleia, antes do presidente dos EUA (país sede). Já os demais
líderes discursam numa ordem estabelecida por um algoritmo que leva em conta o
nível de representação do orador, pedido de fala, entre outros.
Esse privilégio permitiu que, em 2011, durante a 66ª
assembleia da ONU, a calamidade em forma de gente nos envergonhasse em
"dilmês" castiço. Mas poucos imaginariam, então, que a gerentona fosse
superada com folga pelo mandatário que, na última terça-feira (21), em seu
terceiro discurso de abertura (o segundo presencial, já que no ano passado o G20
se reuniu por
videoconferência), desmoralizou mais uma vez o país que foi eleito não
para governar — achar que esse indigitado seja capaz de governar é o mesmo que acreditar que
vacas voem e porcos assoviem —, mas para evitar a volta da cleptocracia
lulopetista.
Em 2019, Bolsonaro subiu na tribuna para atacar
críticos de sua política ambiental, a imprensa e países como Cuba e Venezuela.
Em tom
agressivo, disse que, antes de sua posse, o Brasil estava à beira do
socialismo. No ano passado, disse que o Brasil era vítima de mentiras sobre as queimadas
na Amazônia e que boa parte delas seria motivada por "causas
naturais inevitáveis". Também defendeu suas ações na pandemia e acusou
a imprensa de disseminar pânico sobre a doença.
Na última segunda-feira, sem saber que Bolsonaro já estava
em Nova Iorque, o prefeito Bill de Blasio lhe mandou o seguinte
recado: "se você não quer se vacinar, nem precisa vir".
Depois, nas redes sociais, marcou-o num post indicando locais de vacinação. Mas
o grande estadista brazuca havia iniciado seu périplo de vexames no domingo, ao
ser recepcionado por um punhado de manifestantes que seguravam faixas com
as frases "Stop Bolsonaro" e "You are not welcome here",
enquanto gritavam "criminoso" e "genocida".
A condição de "líder mundial", que assegurou ao
presidente a prerrogativa de ingressar da sede da ONU (considerada
território internacional) não evitou que ele
e seus puxa-sacos jantassem pizza em pé, na rua, na noite de domingo ou
que almoçassem
na calçada, no dia seguinte, num puxadinho armado pela filial
novaiorquina da churrascaria Fogo de Chão.
Obviamente, fotos foram tiradas e postadas nas redes
sociais, objetivando mostrar um presidente humilde, cioso dos recursos
públicos, tal como já fora feito em outras oportunidades. A título de
curiosidade, nos comícios da campanha de 1960 o populista cachaceiro Jânio Quadros
interrompia suas perorações pernósticas, vasadas num português castiço,
inacessível para a maioria dos presentes, para mordiscar um sanduíche
de mortadela que tirava e tornava a guardar no bolso do paletó.
Ao lado dos manifestantes estava um caminhão com um telão
que havia circulado exibindo frases como Bolsonaro
is burning the Amazon. O presidente interrompeu sua comitiva e começou
a gravar um vídeo, com a ajuda de um auxiliar, mostrando os ativistas ao fundo
e apontando para eles, o que irritou o grupo. Membros da comitiva responderam
aos manifestantes antes de entrar nos veículos, fazendo gestos com as mãos e
batendo nos vidros enquanto um dos automóveis ia embora. O ministro Marcelo
Queiroga, de dentro de uma van, chegou a se levantar do assento e mostrar o dedo do meio para os
manifestantes — que retribuíram a cortesia. Pelo
visto, após o "surto bolsonarista" que o levou a suspender a
vacinação de adolescentes, o dublê de jaleco do general Pazuello finalmente
assumiu seu lugar no pelotão ideológico dos negacionistas.
Observação: Por determinação da prefeitura de NYC,
somente pessoas vacinadas podem ir a eventos em lugares fechados e comer na
área interna de restaurantes. Houve ao menos um caso
de Covid na comitiva brasileira — um funcionário do cerimonial, que
viajou para os EUA cerca de 10 dias antes dos demais, para organizar a visita, e
testou positivo para o vírus no sábado 18. Não há detalhes sobre quantas
pessoas estiveram com ele nos últimos dias, nem quantas delas estiveram com o
infectado e depois com o presidente ou seus ministros.
Bolsonaro não falou com a imprensa. Pouco depois da
confusão, ele publicou no Facebook o vídeo que gravou na saída do
jantar, com o título "meia dúzia de acéfalos protesta contra Jair
Bolsonaro para delírio de parte da imprensa brasileira". O mandatário
mostra a cena e narra que os manifestantes faziam um "escarcéu"
e estavam "fora de si". "Esse bando nem sabe o que
está falando. Deviam estar num país socialista, não aqui nos EUA", disse
o "mito" dos bolsomínions. Depois, em conversa com um apoiador e uma
terceira pessoa, relativizou o protesto afirmando que havia mais repórteres do
que manifestantes.
No mesmo dia, Eduardo Bananinha, o Zero Três,
foi hostilizado em uma loja da Apple em Nova Iorque. Em um vídeo divulgado pelo jornalista Ancelmo Gois, ouve
gritos de "Fora, Bolsonaro" e "vergonha" de
um frequentador da loja. O deputado apenas se retira do local fazendo um sinal
de positivo.
O discurso do estadista canarinho durou certa de 12 minutos e, recheado de meias-verdades, levou ao delírio a turma do chiqueirinho. Entre outras falácias, Bolsonaro disse que a Amazônia tem muita mata preservada — o que é verdade —, mas não comentou sua conivência criminosa com a depredação do que o que ainda está inteiro. Nem comentou que todas as leis e ações que preservam a Mata Atlântica foram afrouxadas na boiada que o ex-ministro Ricardo Salles passou, para que a área seja explorada pelo agronegócio ilegal. O Brasil já foi um símbolo de preservação ecológica, mas o desgoverno Bolsonaro está destruindo tudo isso. E assim foi em todas as questões. Chega a ser impressionante a capacidade do (ainda) presidente de se colocar como pária e levar a reboque o país que representa.
Acabou que Queiroga testou positivo para a Covid
na última terça, 21, e deve cumprir 15 dias de quarentena na suíte do hotel
onde está hospedado. A expensas do dinheiro dos contribuintes tupiniquins,
naturalmente. Em comunicado posterior, a Secom informou que Pazuello
2.0, versão de jaleco, passa bem e deve permanecer em quarentena nos
EUA. “Informamos, ainda, que os demais integrantes da comitiva
realizaram o exame e testaram negativo para a doença”, diz a nota. Mais
cedo, como
publicou O Antagonista, já havia sido divulgada a informação de que uma
segunda pessoa na comitiva presidencial havia testado positivo para a doença. Queiroga
confirmou no Twitter o diagnóstico e disse que ficará em
quarentena nos EUA, "seguindo todos os protocolos de segurança
sanitária".
Também segundo O Antagonista, o sentimento
predominante dos brasileiros sobre o circo bolsonarista em NYC foi o de
"vergonha".
O termo foi compartilhado antes de ontem nas redes sociais e reapareceu nesta
quarta-feira no editorial do Estadão. Na verdade, o Brasil inteiro é
uma vergonha. Apesar de todos os crimes do sociopata, que acarretaram
600 mil mortes, falhamos miseravelmente como país, porque fomos incapazes de
afastá-lo do cargo e trancá-lo na cadeia. A culpa é coletiva.
Observação: Até a manhã desta quarta-feira não havia mudança na agenda oficial do presidente, que deve se reunir às 16h com Pedro Cesar Sousa, subchefe para assuntos jurídicos da Secretaria-Geral da Presidência da República. É bem provável que nós o vejamos no chiqueirinho defronte ao Alvorada, no final da tarde. Até quando? Só Deus sabe.