segunda-feira, 25 de outubro de 2021

A HORA DO IMPEACHMENT — PARTE II


Tudo é questão de ponto de vista. Os 106.296 pontos de fechamento do Ibovespa, na última sexta, ficaram parecendo uma alta depois de o índice ter atingido 102.854 pontos no pior momento do dia. Ainda assim, trata-se de uma queda de 1,34%.

Para minimizar o estrago causado pelo colapso do teto de gastos do país em prol de medidas populistas, Bolsonaro Guedes tentaram terminar o dia menos pior com uma coletiva de imprensa, e obtiveram sucesso até certo ponto, embora o posto Ipiranga tenha reafirmado que manterá tudo aquilo que disseminou o caos na semana: o Bolsa Família turbo ficará fora do teto de gastos, que agora é retrátil — voltará a ser usado em algum momento — e que haverá ainda o pagamento de R$ 400 aos caminhoneiros, inconformados com a alta nos preços dos combustíveis.

Guedes deixou claro que ficará ao lado do chefe até o fim, diferentemente da sua equipe, que debanda a cada nova medida fiscalmente irresponsável. Foi o único consolo para a Faria Lima — se nem o "superministro" consegue controlar Bolsonaro e a turma do Centrão, é bom nem pensar no que aconteceria se ele pedisse o boné.

"Entendemos que teto é símbolo, mas não deixaremos passarem fome para tirar 10 em fiscal", afirmou Guedes durante a entrevista. O problema é que estão elevando os gastos sem parar, de auxílio em auxílio, sem cortar outras despesas.

No início, a falastrice da dupla até que pegou bem — apesar de todo o caos e das quedas em Nova York, a B3 chegou a sair do vermelho. Mas a alta foi pífia e não se sustentou, e o balanço da semana causaria arrepios até em Stephen King, o mestre do terror: a Bolsa acumulou queda de 7,3%, o dólar fechou a semana com alta de 3,16% e os juros futuros seguiram escalando o Everest chamado risco fiscal brasileiro.

ObservaçãoNoves fora Bolsonaro, ninguém ganha com a permanência de Guedes à frente da Economia. Na verdade, todo mundo perde — como vem perdendo desde quando ele e o capetão assumiram seus cargos. Sob essa parelha, o Brasil caiu de oitava para décima terceira economia, voltando ao mapa da fome com o surgimento de dezenas de milhões de miseráveis. O economista liberal que colocaria o país nos trilhos era uma fraude — a exemplo da fraude que o nomeou. Ambos estão destruindo o Brasil, e agora falam em privatizar a Petrobras o que seria bom, não fosse o fato de a intenção de mimí e cocó ser obter mais recursos para vitaminar o Bolsa Família e torrar na campanha presidencial. Guedes passou de ministro a cabo eleitoral e provável tesoureiro da campanha do capetão. E salve-se quem puder, pois tudo indica que essa junta reeditará o desastre produzido pela gerentona de araque buscando a reeleição a qualquer custo, quebrando o País e depois dizendo “tchau queridos”. Foi constrangedora (para não dizer patética) a coletiva em que Bolsonaro disse que está com Guedes e não abre (faria melhor se não abrisse a boca), enquanto Zero "Rachadinha" Um, da primeira fila, liderava o cordão dos puxa-sacos. Até onde a vista alcança, ao terror das empregadas domésticas resta somente o apoio da Famiglia Bolsonaro (e só Deus sabe até quando). Se serve de consolo para o povão que padece sob o capetão, seu algoz será vítima de Guedes no ano que vem, e não se reelegerá, pelo bem do Brasil.

Impeachment vem do inglês "to impeach" — o ato de incriminar ou acusar, especialmente uma autoridade, de má conduta ou traição. A expressão é uma adaptação anglófona do francês, "empêcher", que em português significa “impedir”. Em sentido literal, é o processo que impossibilita as ações de alguém. Na política, é o impedimento do exercício do mandato de uma autoridade.

Esse conceito foi colocado em prática pela primeira vez no século XIV, no longínquo ano de 1376, quando um britânico chamado Lord Latimer foi alvo de afastamento da Câmara dos Comuns — o Parlamento Inglês —, acusado, entre outras coisas, de corrupção. Os autores da Constituição dos Estados Unidos adaptaram o sistema britânico e ajudaram a espalhar o conceito pelo mundo. Hoje, 94% dos países presidencialistas incluem mecanismos constitucionais capazes de destituir suas autoridades. E não é como se esse fosse um recurso pouco utilizado. De 1990 a 2020, num intervalo de apenas três décadas, houve pelo menos 272 acusações de impeachment contra 132 diferentes chefes de Estado, em 63 países no mundo — só a Noruega apelou para esse dispositivo oito vezes desde 1927.

Embora a saída definitiva do cargo seja algo relativamente raro, isso ocorreu aproximadamente uma vez a cada dois anos nos últimos 30 anos — foram os casos, por exemplo, do filipino Joseph Estrada, em 2001, e da coreana Park Geun-hye, em 2017. Entre 1978 e 2019, a América Latina viu dez presidentes de seis países serem destituídos do cargo por meio do impeachment — ou da renúncia — como tentativa de fugir do impeachment. Isso aconteceu, por exemplo, com o venezuelano Carlos Andrés Pérez, em 1993, e com o peruano Pedro Pablo Kuczynski, em 2018.

O Brasil teve cinco processos de impeachment contra presidentes da República. O primeiro deles em 1954, contra Getúlio Vargas, que acabou rejeitado pelo parlamento, mas a pressão política foi tamanha que Vargas se suicidou dois meses depois, com um improvável tiro no peito. Dada a morte do caudilho, Café Filho, seu vice, herdou seu lugar, mas logo se afastou do cargo por problemas de saúde. A posição mais alta do país foi ocupada pelo então presidente da Câmara, um sujeito de quem a maioria de nós nunca ouviu falar: Carlos Luz.

Luz entrou para a história por dois motivos. Em primeiro lugar, é dele o recorde do mandato presidencial mais curto da República — míseros 3 dias. Em segundo lugar, ele foi o primeiro presidente brasileiro afastado do cargo por um processo de impeachment.

Quando Café Filho recebeu alta médica e tentou reassumir a presidência, ele também acabou afastado — o que significa dizer que tivemos dois processos bem-sucedidos de impeachment em 1955. Para além desses, Fernando Collor, em 1992, e Dilma Rousseff, em 2016, tiveram o mesmo destino.

Muitos países estabelecem bases relativamente subjetivas para o impeachment. Na França, o presidente pode ser afastado por qualquer "violação de seus deveres que seja claramente incompatível com o exercício de seu mandato". Na Tanzânia, o presidente pode ser destituído se ele "se comportar de maneira que diminua a estima do cargo de presidente".

Dezessete países dão a uma câmara alta — o Senado — a palavra final sobre o impeachment; 61 concedem essa palavra a tribunais ou conselhos constitucionais. No Brasil, os senadores decidem se o presidente deve ser afastado, mas é o STF que garante a legitimidade do processo.

Um mandatário tupiniquim sofre impeachment quando comete um crime de responsabilidade, conforme previsto na Constituição Federal e na Lei do Impeachment. São crimes de responsabilidade atentar contra 1) a existência da União; 2) o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; 3) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; 4) a segurança interna do País; 5) a probidade na administração; 6) a lei orçamentária; e 7) o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Jair Messias Bolsonaro recebeu cerca de 140 pedidos de impeachment desde que assumiu a presidência. Ao todo, esses pedidos foram assinados por mais de 1.550 pessoas e 550 organizações. Nenhum presidente na história do Brasil recebeu tantos pedidos de impeachment — Dilma teve 68; Lula, 37; Temer, 31; e FHC, 24. Ou seja, é preciso somar o total de pedidos de impeachment dos últimos 20 anos para ombrear com o número alcançado pelo mandatário de turno em 1.000 dias de desgoverno. Entre eles há a lista de dezenas de crimes, em diferentes categorias — incluindo o repetido discurso de ameaça à independência e harmonia entre os Poderes.

O impeachment oferece às democracias presas em crises de natureza política a chance de um "hard reset", além de funcionar como freio contra os abusos e as ameaças de poder, mecanizado para defender o país da incapacidade, da traição e da negligência de um presidente.

A democracia é um modelo político superior às ditaduras não porque carrega uma fórmula mágica que elege os melhores, mas porque tem instrumentos capazes de impedir que os piores permaneçam no poder.

Ao fim e ao cabo, a melhor resposta para um apologista de ditadura ocupando a presidência da República — desqualificado, impotente e desacreditado pelas demais instituições republicanas — é a própria democracia. Mas não há impeachment sem participação popular.

Insatisfação política sem protesto nas ruas não promove afastamento de presidente, mas nota de repúdio. No passado recente, com multidões tomando as ruas, nosso país venceu a inaptidão de líderes à direita e à esquerda, condenados pelo processo de impeachment. É a hora e a vez desse destino alcançar Jair Messias Bolsonaro.

Com Tássia Kastner, Guilherme JaquesRodrigo da Silva

P. S. Retomaremos nossa sequência histórica na próxima quarta-feira.