quinta-feira, 7 de outubro de 2021

OS TRAIDORES DA PÁTRIA

Antes do assunto do dia:

O dublê de preposto e bonifrate que Bolsonaro fez eleger presidente da Câmara informou que o plenário da Casa votará na quarta-feira 13) um PL que visa reduzir o preço dos combustíveis mediante a modificação do cálculo do ICMS. A ideia é calcular o tributo com base no valor médio de venda da gasolina, do diesel e do etanol nos últimos dois anos em vez de tomar por base o preço nos últimos 15 dias, como é feito atualmente. 

Lira negou que o ICMS seja o único responsável pela alta, mas classificou o imposto de “primo malvado” da história e ponderou que "os aumentos sucessivos pela pressão do dólar e do petróleo fazem com que, neste momento, o ICMS precise ter um tratamento mais calmo, tranquilo. Não estamos aqui trabalhando contra governos estaduais, nem contra satanizar qualquer tipo de unidade da Federação. Estamos trabalhando para minimizar este momento de dificuldade mundial”. 

O deputado-réu e mandachuva do Centrão destacou também que os impostos federais que incidem sobre o preço dos combustíveis são fixos desde 2004 e defendeu a ideia de que algo parecido seja feito com o ICMS — o que reduziria o preço da gasolina em 8%, o do etanol em 7% e o do óleo diesel em 3,7%. Segundo o parlamentar, a mesma base de cálculo pode ser utilizada nos próximos anos, ou seja, os preços dos combustíveis em 2020 e 2021 definirão a média para 2022, e assim sucessivamente. 

Lira ressaltou que a decisão de Câmara não significará uma espécie de “ingerência” na autonomia de Estados e municípios, e que, por mais que a alteração possa significar perda de arrecadação para as unidades da Federação, os governadores precisam se sensibilizar com a situação que o país atravessa.

Parabéns ao deputado. Mas alguém deveria lembrá-lo de que muitos problemas deixam de existir quando se lhes suprime a causa. E que de nada adianta mudar a roda da carroça quando quem não presta é o burro. No caso específico dos derivados do petróleo, o barril do Brent está custando cerca de US$ 80, e com o dólar a R$ 5,50, a situação fica insustentável. Se não houvesse no Planalto uma usina de crises, o real "valorizaria" uns 30%, ou seja, o dólar baixaria para algo em torno de R$ 4, o que não é o ideal, mas é bem melhor do que a cotação atual.

O etanol é um caso à parte — curiosamente, o aumento do combustível verde, do inicio de 2021 para cá, foi maior que o da gasolina, e a cana de açúcar não é importada. Mas a explicação fica para uma próxima oportunidade.

Ainda antes do assunto do dia:

1) Segundo a Folha, Tatiana Garcia Bressan, que estagiou no gabinete do ministro Ricardo Lewandowski de julho de 2017 a janeiro de 2019, foi usada como informante pelo blogueiro bolsonarista Allan dos Santos para repassar informações de dentro do gabinete. As mensagens foram coletadas pela Polícia Federal, obtidas por meio de quebra de sigilo telefônico que consta de relatório da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF.

As conversas começaram em 23 de outubro de 2018 e foram até 31 de março de 2020. Na primeira troca de mensagens, Tatiana entra em contato com Allan, demonstrando interesse em trabalhar na equipe da deputada bolsonarista Bia Kicis, e disse que estava lotada no gabinete do togado. Ela relatou ter dificuldade em trabalhar com o ministro, mas disse que "estava lá para aprender". Segundo o relatório da PF, Allan pediu a colaboração de Tatiana. "Fique como nossa informante lá", disse o blogueiro. "Será uma honra", respondeu ela.

No dia 17 de novembro de 2019, quando já não era mais estagiária, Tatiana divulgou no perfil uma foto de protesto em favor de Bolsonaro, e acrescentou: "FORAAAAAA GILMAR", em referência ao dono do Supremo. Após a repercussão, o ministro Alexandre de Moraes determinou que a PF ouça a X-9. A data do depoimento deverá ser marcada pela própria PF, pois o ministro somente autoriza a medida.

Outra de cair o queixo:

O diretor da ANS, Paulo Rebello, afirmou ontem à CPI do Genocídio que soube pela Comissão das denúncias sobre a operadora Prevent Senior, que utilizou remédios comprovadamente ineficazes em pacientes com Covidomitiu a doença em atestados de óbito.

Essa gente pensa que todo mundo é bobo. Segundo o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodriguesa ANS foi avisada em 2020 das denúncias sobre a Prevent.

Rebello anunciou a instauração de uma direção técnica na Prevent Senior. Randolfe perguntou a partir de quando a direção técnica atuará na Prevent. Rebello respondeu que ainda é preciso concluir um relatório preliminar. Segundo ele, o diretor técnico não terá poder de gestão, mas acompanhará as atividades da Prevent e poderá pedir informações. "A operadora será notificada acerca da indicação da instauração de um Regime Especial de Direção Técnica, a qual possui um rito específico que será devidamente observado pelos técnicos da ANS. Tal regime especial tem como propósito acompanhamento mais próximo da ANS, não sendo seu objetivo final a retirada da operadora do mercado, mas garantir a manutenção da qualidade assistencial aos beneficiários", afirmou o depoente.

Tomara que seja assim. Hoje em dia, basta alguém desse governo incompetente dizer uma coisa para a gente esperar o inverso. Meu receio é que meio milhão de conveniados (a maioria idosos) tenham dificuldade em migrar para outros planos. Não que a mensalidade do Prevent seja barata, as outras é que são extorsivas. Sobretudo porque a ANS não regulamenta os reajustes aplicados em planos coletivos e as operadoras (malandramente) não disponibilizam planos individuais para pessoas físicas.

Passemos agora à postagem que eu havia programado para hoje:

Situações desesperadores exigem medidas desesperadas. Há casos em que a inexistência de uma alternativa melhor nos leva a escolher o menor de dois males, mas isso não muda o fato de que ainda se trata de uma má escolha.

Foi exatamente isso que fizemos ao apoiar Jair Bolsonaro depois que a récua de muares travestidos de eleitores despachou para o segundo turno do pleito de 2018 o bonifrate travestido de preposto do presidiário de Curitiba e o mau militar travestido de parlamentar medíocre, que acabamos elegendo porque era preciso impedir a volta da cleptocracia lulopetista. Deu no que deu, e agora de nada adianta chorar o leite derramado. Oxalá a destruição promovida pela aziaga gestão ainda em curso sirva de lição ao eleitorado.

O ideal seria penabundar o inconsequente, e pedidos de impeachment em seu desfavor não faltam (são quase 140). O problema é que, de acordo com a Constituição vigente, cabe apenas ao presidente da Câmara fazer a análise preliminar dessas petições e determinar a criação da comissão especial responsável por analisar a admissibilidade do pedido, elaborar o relatório e submetê-lo ao plenário da Casa. E não há prazo para que isso seja feito. Rodrigo Maia deixou o cargo quando haviam sido protocolados 60 pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Segundo o deputado, o mandatário havia cometido erros, mas não crimes de responsabilidade que justificassem a abertura de um processo de impeachment.

O deputado-réu Arthur Lira, que foi eleito presidente da Câmara com o apoio e as "bênçãos" do orçamento secreto criado pelo capitão-negação — e que assumiu o posto mediante uma liminar judicial — engavetou outras 80 petições e mantém a coleção como uma espada de Dâmocles sobre a cabeça do verdugo do Planalto. Enquanto isso, o procurador-geral que não procura blinda seu benfeitor de todas as maneiras possíveis e imagináveis. Resta saber o que ele fará quando receber o relatório da CPI do Genocídio, já que o senador Renan Calheiros deve incluir em seu parecer uma penca de supostos crimes comuns e de responsabilidade cometidos por Bolsonaro durante a pandemia.

Aras, aspirante à suprema poltrona que vagou em julho com a aposentadoria compulsória do ministro das causas perdidas, caiu do cavalo. Sua nomeação seria sopa no mel para os parlamentares corruptos (e não faltam parlamentares corruptos no Congresso Nacional), já que, na visão dessa caterva, o notório passador de pano procederia no STF da mesma maneira como vem procedendo à frente da PGR.

Bolsonaro, que havia prometido a seus sectários papa-dízimo indicar para ministro supremo alguém "terrivelmente evangélico", escolheu Kassio Nunes Marques para a vaga do ex-decano Celso de Mello — e foi muito cobrado por isso, conquanto tenha obtido a gratidão eterna do ex-desembargador piauiense. Agora, com a popularidade abaixo do cu do cachorro, ele não pode se dar ao luxo de contrariar a base evangélica, e por isso indicou André Mendonça, cuja sabatina vem sendo postergada pelo presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, devido às convicções lavajatistas do dublê de pastor e ex-AGU.

Observação: Nunca é demais lembrar que o presidente que acabou com a Lava-Jato porque “não tem mais corrupção no governo tem quatro filhos e uma filha. Desses, somente Laura, que tem 11 anos, não é alvo de investigações. Afora o célebre caso de Zero Um e as rachadinhas, a PF e o Ministério Público apuram suspeitas contra Eduardo "Bananinha" Bolsonaro, Carlos "Pitbull" Bolsonaro e Renan "Zero Quatro" Bolsonaro, que incluem tráfico de influência, contratação de funcionários fantasmas e envolvimento na organização de manifestações que pediram o fechamento de instituições como o Congresso e o Supremo.

Em geral, o Supremo evita pautar casos de grande repercussão no plenário quando há um ministro a menos. Nesse contexto, quando há um processo ou uma investigação contra uma pessoa, o empate sempre beneficia o acusado. Quando há uma interpretação da Constituição, os ministros podem começar a votação, mas precisam aguardar a chegada do 11º membro para concluir a análise do tema. O presidente da Corte pode redistribuir os processos que estavam sob a relatoria do magistrado aposentado, mas isso aumenta a carga de trabalho dos demais togados.

Para além do Plenário, o STF é composto também de duas turmas, cada qual com cinco integrantes (o presidente do tribunal não participa de nenhum desses dois colegiados), e aí vale a mesma regra do Plenário: em questões penais, o empate beneficia o réu; nas demais, aguarda-se que a turma esteja completa. 

Alcolumbre vem sendo pressionado a pautar a sabatina de Mendonça. Nesse meio tempo, o indicado parece vir conquistando senão a simpatia, ao menos a solidariedade de alguns senadores. Por essas e outras, a estratégia do presidente da CCJ corre o risco de se tornar um tiro no pé. Bolsonaro já descartou substituir o pastor pelo PGR, até porque não pode se dar ao luxo de contrariar novamente a base evangélica, sobretudo num momento delicado como o atual, em que sua tão ambicionada reeleição parece ter subido no telhado e chutado a escada.

Enquanto o país caminha para 600 mil mortos pela Covid, a inflação ameaça terminar o ano na casa dos dois dígitos, o desemprego campeia solto, a economia patina e a desvalorização do real frente ao dólar contamina o custo de vida (sobretudo o preço dos combustíveis e do gás de cozinha), o mandatário de fancaria pensa em manifestações, motociatas, comemorações... Trabalhar que é bom, néris de pitibiriba.

No Parlamento, as reformas estruturantes ainda não saíram do papel. Só se vota coisa de interesse dos nobres deputados e senadores. O vassalo Aras blinda seu suserano e o deputado-réu Lira continua "chocando" os 140 pedidos de impeachment. Para manter o rabo a salvo, Bolsonaro deu as chaves do reino e do cofre a Ciro Nogueira, o mandachuva do Centrão. Mas nada garante que, quando a fonte secar, as marafonas do Congresso continuarão a apoiar essa tragédia em forma de governo. Os centristas são conhecidos por carregar o caixão, não por pular na cova com o cadáver do pato-manco.

Bolsonaro obteve 57 milhões de votos quando disputou contra o bonifrate do "ladrão de nove dedos" (na excelente definição do morubixaba de festim) o segundo turno do pelito de 2018. E uma parcela considerável desses votos não veio dos convertidos, mas dos desalentados, gente que, em condições normais de temperatura e pressão, jamais elegeria presidente um deputado rastaquera da pior catadura. Hoje, porém, o antibolsonarismo já supera o antipetismo. E não está descartada a possibilidade de um candidato de terceira servir de alternativa para os nem-nem (nem Lula, nem Bolsonaro).

Em 2018, muitos de nós teríamos votado no próprio Belzebu para evitar a volta da cleptocracia petista. Como tinha outros compromissos, o príncipe das trevas indicou Bolsonaro para lhe fazer as vezes, e nós, tolos ou inocentes, achamos que "os adultos na sala o manteriam essa tragédia sob controle". Sabíamos que seu governo seria ruim, possivelmente muito ruim. Mas nunca imaginamos quão ruim ele poderia ser. E coube ao próprio mandatário nos ensinar (da pior maneira) que "nada é tão ruim que não possa piorar".

A linha de frente para manter o capitão despirocado dentro do tolerável seriam os militares, vistos como sérios, profissionais, competentes, honestos. Mas Heleno, Ramos e Braga Netto jogaram a seriedade e o profissionalismo no lixo e aderiram com entusiasmo ao golpismo e ao desmonte do Estado.

Pazuello e o almirante Bento demonstraram que farda não garante competência, e meia dúzia (ou dúzia inteira) de coronéis no Ministério da Saúde esclareceu que não é preciso ser civil para ser corrupto. Em vez de proteger o país do desequilibrado, os garbosos oficiais se uniram ao desequilibrado para destruir o país. É irônico que os primeiros a trair a pátria tenham sido justamente os que se consideram mais patriotas do que os demais brasileiros — há aí uma moral para todos os militares.

Outra linha de defesa seria Paulo Guedes, mas o posto Ipiranga ficou sem combustível depois de entregar o programa liberal e a gestão sensata que prometeu. Mesmo assim, sua escandalosa incompetência é o menor de seus defeitos. Grave mesmo é ele aceitar e legitimar todas as barbaridades do verdugo do Planalto e deixar de ser ministro para se tornar caixa de campanha. É irônico que quem se pretenda liberal escolha por missão reeleger o presidente mais antiliberal de nossa história — há aí uma moral para todos que se dizem liberais.

Queiroga, o cardiologista que prometia recolocar o trem nos trilhos após uma hecatombe chamada Eduardo Pazuello, desacreditou a vacina, suspendeu a imunização, comeu pizza na calçada, exibiu o dedo do meio para os manifestantes, endossou a vergonha na ONU, pegou Covid o vírus e se tornou vetor do Sars-CoV-2. É irônico que um médico se torne símbolo da doença — há aí uma moral para todos os médicos.

Os exemplos elencados linhas atrás são os mais surpreendentes, mas, a esta altura, qualquer um que esteja no governo ou o apoie é cúmplice na destruição do país. É o caso de sabujos como Pedro Guimarães, Lorenzoni e Tarcísio de Freitas; de oportunistas como Ciro Nogueira, Fábio Faria e Rogério Marinho; de obscurantistas como Milton Ribeiro e Damares Alves; de técnicos como Tereza Cristina e Bruno Bianco. É o caso dos que se abstêm de fiscalizar o pseudo mandatário, como Arthur Lira e Augusto Aras, e dos que o livram da responsabilidade, como Michel Temer. E de muitos outros.

Bolsonaro não criou sozinho o pesadelo que estamos vivendo. Ele teve, e tem, a ajuda de muita gente, em Brasília e fora dela. São todos traidores da pátria.

Com Ricardo Rangel