Depois de ser aprovada em dois turnos, a PEC do Bolsolão seguiu para o Senado. Especula-se que o relatório produzido por Fernando Bezerra, líder do governo na Casa (que foi indiciado pela PF com seu bezerrinho sob a acusação de receber de R$ 10,4 milhões em propina quando era ministro do governo petista da gerentona de araque), seja votado até o final do mês, e que o plenário da liquide a fatura logo em seguida.
Paralelamente, a liminar da ministra Rosa Weber foi
mantida por 8 votos a 2 (o STF tem um ministro a menos desde julho, graças
ao senador Davi Alcolumbre). O semideus togado e senhor da vontade de
seus pares abriu
a divergência, mas não conseguiu adesão nem de Toffoli, nem de Fux. E do esbirro do despirocado não era de esperar nada diferente.
Observação: Os recursos do "orçamento
secreto" têm origem
em emendas parlamentares cuja transparência é questionada em ações
no STF e no TCU. A ministra Rosa suspendeu
o pagamento desse tipo de emenda, e o plenário decidiu manter
a decisão, mesmo depois de uma camarilha parlamentar liderada pelo réu
que preside a Câmara negociar
com a ala política do Supremo um abrandamento da decisão da magistrada.
Lira passou os últimos dias conversando com Gilmar
Mendes e outros ministros com quem tem mais interlocução. No dia 8,
acompanhado do relator do orçamento de 2022 e do líder do governo no Senado, ele
conversou com Fux e, em algum momento desses "embargos
auriculares", sugeriu claramente que sem o dinheiro do orçamento secreto o
Supremo também perderia parte de sua verba. Nos bastidores, Gilmar
defendia uma solução salomônica, nos termos que adotou depois em seu voto:
manter os pagamentos, mas determinar que fosse dada publicidade a todas as
informações sobre os parlamentares beneficiados com as emendas.
A articulação continuou mesmo depois de quatro ministros seguirem
o voto da relatora. Até então, Fux e Alexandre participavam
das conversas, que também incluíam Toffoli e Lewandowski. Mas
a ideia de que o meio-termo poderia favorecer Lira e passar a impressão
de que estariam cedendo à pressão começou a incomodar Lewandowski e Moraes,
que conversaram no início da tarde e decidiram abandonar a solução desenhada
por Gilmar. Os dois votaram praticamente ao mesmo tempo, por volta das
17h de terça-feira.
Além de mandar um recado a Lira — de que não se
dobrariam ao que descreveram depois a interlocutores como um ato de
"truculência" do presidente da Câmara —, Moraes e Lewandowski
julgaram que seria importante fazer um gesto de apoio à ministra Rosa,
que será a próxima presidente do STF (a partir de setembro de 2022).
Demais disso, pode-se reverter em parte a decisão quando chegar a hora de a
corte avaliar o mérito da questão (por enquanto, os ministros votaram apenas
para manter a liminar de Rosa).
Pela vontade do parlamentar alagoano, a ministra deveria
rever a própria decisão ou o colegiado, cassar a liminar. É do interesse do
triunvirato (Arthur Lira, Ciro Nogueira e Jair Bolsonaro) que
o orçamento paralelo seja mantido e os pagamentos, retomados. Como moeda de
troca, a fina flor da política canarinha concordaria com a transparência das
emendas, mas somente daqui para a frente e preservando-se o sigilo da
maracutaias feitas no biênio 2020/21.
A proposta é insultuosa e aviltante. Desrespeita a ministra Rosa,
que não fala fora dos autos nem dá ousadia a político. Insulta o brasileiro em
dia com o Fisco, que não participou da eleição para o Congresso imaginando que
seriam enviados para Brasília parlamentares de segunda linha, com acesso a
emendas orçamentárias convencionais, e congressistas do camarote governista,
com direito a um aditivo de verbas públicas que cresce conforme a fidelidade ao
eleitor vai se transformando em lealdade ao Planalto.
A negociação avilta a supremacia do Supremo, que
ganha uma aparência de Congresso Nacional quando elefantes de toga encostam a
barriga no balcão do prédio ao lado. Transparência parcial seria um engodo. E a
preservação do orçamento paralelo permitiria ao governo continuar comprando
apoio no Legislativo por meio da distribuição de cotas extras de emendas aos
seus apaniguado.
Mas o jogo só acaba quando termina. Ainda que haja razões
concretas para celebrar a decisão do STF, o consórcio Bolsolira ainda
tem outras vidas. Atingido em cheio no seu poder imperial de distribuir
dinheiro rápido e sigiloso em troca de votos, Lira agiu como se os
membros do Judiciário estivessem sujeitos à mesma tutela que ele exerce sobre
seus pares. Não colou. Mas isso não significa necessariamente que Bolsonaro
desistirá das pedaladas e de avançar no vale-tudo fiscal para se reeleger. Essa
caterva tentará aprovar um remendo de transparência para dar uma satisfação ao Supremo
e tentar retomar o mecanismo. Se não colar, transferirão
os recursos para outro tipo de emenda.
Mesmo com a inflação comendo solta e o desemprego galopante,
o capetão-bolsolão está mais adiantado que a oposição na construção de
seu palanque para 2022. Filiar-se
ao PL do ex-presidiário
do mensalão, que ameaçava deixar a base aliada para cair no colo de Lula,
e ter o PP, que por muito tempo foi seu plano A, na chapa,
indicando o vice. É o consórcio Bolsolira em ação.
As emendas do relator eram importantes para que o casamento
fosse registrado em cartório, mas não eram condição sine qua non. Se
conseguirem abrir a clareira fiscal no teto de gastos, outra
inconstitucionalidade flagrante, além de um crime contra as contas públicas por
que o país pagará pelas próximas décadas, Bolsonaro e Lira
ganharão mais recursos para novas emendas (RP9
ou sejam lá quais forem) e também para promover um fundão eleitoral
anabolizado de que PP e PL se beneficiarão.
Junte-se a isso a expectativa de ministros e parlamentares
do Centrão de que o Auxílio Brasil tratará de resgatar Bolsonaro
do limbo da popularidade, vai-se construindo, com a ajuda de uma oposição
bastante atordoada, uma candidatura viável daquele que é o pior presidente da
História do Brasil. Para evitar essa sucessão de descalabros, o Supremo tem
sido o único bastião confiável, corajoso e cioso de seu papel. Oposição, TCU, PGR e o próprio Senado oscilam e por vezes não enxergam o que vai se
configurando: o maior e mais caro estelionato eleitoral, para o qual vale
dar calote em dívida judicial, arrombar o teto e sabe-se lá mais que truque.
Como não ver isso?
Com Josias de Souza, Bela Megale, Malu
Gaspar e Vera Magalhães