Houve tempos em que tive vergonha de ser brasileiro. Agora,
passei da fase do nojo. Faltam-me adjetivos para definir o que sinto em relação ao
cenário político tupiniquim e o quanto sinto pelo fato de o país estar sob a
égide de uma caterva de fisiologistas ladrões, eleita por uma récua de
incompetentes. Mas mais revoltante ainda é ouvir de um mandatário de fancaria —
que nunca teve envergadura sequer para presidir carrinho
de pipoca em porta de cinema — que a indicação do ex-desembargador
piauiense Kassio Nunes Marques significa que, hoje, ele (o mandatário de
fancaria, não o ministro-tubaína) tem 10% dele (do mandatário de fancaria, não
do ministro-tubaína) dentro do STF.
"Vamos considerar o presidente [do Supremo], que só em caso extremo tem participação mais ativa dele. São dez que decidem lá. Hoje eu tenho 10% de mim dentro do Supremo", disse o capetão, em ao portal bolsonarista Jornal Cidade Online. E que seu esbirro pede vista em muitas pautas ligadas ao conservadorismo. "Não é que eu mande no voto dele (...) A gente quer ganhar o jogo ou empatar, ele está empatando esse jogo."
A estratégia de Kassio para
empatar, segundo Bolsonaro, seria pedir vista em pautas que poderiam
ser derrotadas no plenário do STF. No final de setembro, por
exemplo, o ministro-tubaína suspendeu o julgamento virtual que tratava de decretos do presidente para facilitar o acesso a armas quando três magistrados
já haviam votado para barrar a flexibilização das regras.
Bolsonaro disse ainda que há ministros de esquerda na Corte, mas que, se reeleito (vá sonhando!), poderá indicar mais dois nomes em 2023. "Vou ter quatro [ministros] lá dentro. Aí você mudou a linha do Supremo Tribunal Federal. Muitos ministros são de esquerda, a gente sabe disso. A gente sabe, individualmente, quem indicou quem, ideologicamente o que ele representa", afirmou ao canal no YouTube de apoiadores.
No chiqueirinho defronte ao Alvorada, o "mito" dos trouxas queixou-se da demora do Senado em analisar a indicação do duble de pastor e ex-advogado-geral da União, André Mendonça, para a vaga aberta com a aposentadoria do "ministro das causas perdidas".
A escolha de um ministro do STF não é uma decisão qualquer, como escolher uma gravata. E Bolsonaro escolheu Nunes por “afinidade”. "Não vou botar uma pessoa só por causa do currículo", disse o capitão-coerência sobre o currículo anabolizado do apadrinhado, a despeito de reputação ilibada ser conditio sine qua non para alguém se candidatar a uma cadeira no Supremo.
Consta no currículo do primeiro indicado pela capetão que ele é
"pós-doutor" em Direito Constitucional pela Universidade de Messina,
na Itália, e que dispõe de "postgrado" em contratação pública pela
Universidad de La Coruña, na Espanha. Na verdade, o curso italiano não passou
de um ciclo de palestras e o espanhol foi um curso de extensão de cinco dias.
Kássio não viu problemas em seu currículo. Faz
sentido. Pode-se desconfiar de uma verdade, mas a mentira, como tal, será
sempre rigorosamente verdadeira. Melhor não discutir com especialistas nem
tampouco criticar Bolsonaro. O presidente avisou: embora dispusesse
de uns dez bons currículos, preferia selecionar alguém com quem já
tomou muita tubaína. E foi o que ele fez.
Há algumas esquisitices em nossa Suprema Corte — de ministro reprovado em concurso para juiz a magistrado que mantém negócio privado. Com a mais recente aquisição, a supremacia do tribunal foi tisnada pelo currículo-tubaína do substituto do decano libertador de traficantes. Agora, mais que um ministro terrivelmente evangélico, o capitão-carola quer um pastor: "Imaginemos as sessões daquele Supremo Tribunal Federal começarem com uma oração".
Modesto quando lhe convém, o general da banda não reivindica para si todos os
méritos. "Tenham certeza de uma coisa: isso não é mérito meu. É a mão
de Deus." Sua sorte é que o Todo-Poderoso-Onipresente não
dá expediente em tempo integral. Se desse, advertiria nosso cacique de que ele
ainda não sabe do que o Centrão é capaz."
Dizia o Barão de Itararé, um dos pais do humorismo nacional, que político brasileiro é um sujeito que vive às claras, aproveitando as gemas e sem desprezar as cascas. A julgar pelos primeiros movimentos, os candidatos que ocupam o topo das pesquisas presidenciais vão à sucessão de 2022 dispostos a demonstrar que o impossível é apenas uma palavra que contém o possível dentro de si.
Na campanha de 2018, Bolsonaro
cogitou compor uma chapa com o então senador Magno Malta, do PL.
Dono da legenda, o ex-presidiário do mensalão Valdemar Costa Neto
preferiu entregar o seu tempo de TV à coligação de Geraldo Alckmin.
Exagerando na teatralidade, Bolsonaro agradeceu ao então rival tucano
por ter abrigado em sua coligação a fina flor do centrão: "Obrigado,
Alckmin, por ter unido a escória da política brasileira."
Embora dispusesse de vasta vitrine televisiva, Alckmin
não decolou. No desespero, autorizou que fosse levada ao ar uma peça com
mensagem sincericida. Dizia o comercial: "Pra vencer o PT e a sua turma
no segundo turno, o candidato é Geraldo Alckmin, mesmo que você não simpatize
tanto com ele." O que a mensagem dizia, com outras palavras, era
mais ou menos o seguinte: "Se você detesta o PT e quer evitar a vitória
de Fernando Haddad, outro poste do preso Lula, vote em Alckmin, mesmo que o
considere uma porcaria".
Hoje, Bolsonaro está de volta ao colo do centrão.
Prepara sua filiação no PL do ex-presidiário da quadrilha do mensalão. E
articula com o PP de Ciro Nogueira e Arthur Lira, estrelas
do petrolão, a indicação do vice de sua futura chapa. Alckmin, por sua
vez, com os dois pés fora do PSDB, é cortejado por Lula como um
potencial parceiro de chapa. Age como se estimulasse o flerte.
Nesse balé em que sujos se misturam a mal lavados, quem olha
de longe fica com dificuldade para distinguir quem é quem. Prevalece a
impressão de que em política nada se cria, nada se transforma, tudo se
corrompe.
Para concluir: Não haverá motociata neste feriadão. O motoqueiro-frantasma foi ao Catar. Deveria ir se catar. E nunca mais voltar.
Com Josias de Souza