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terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

SOBRE GILMAR MENDES


Para além de um mandatário um tanto confuso, claramente vocacionado a tropeçar nos próprios pés e a ser apanhado em arapucas armadas pela própria prole, e de um Congresso fisiologista e contaminado pelo vírus da corrupção, que trabalha três dias por semana e dedica a maior parte do tempo a questões do interesse de seus integrantes, temos um Judiciário no qual a mais alta cúpula, dividida em alas garantista e punitivista, desobedece as próprias regras em decisões monocráticas estapafúrdias e promove barracos vergonhosos. Olhando esse quadro desolador, a conclusão a que chegamos é a de que, se o país ainda caminha, não é pelo governo que tem, mas apesar dele.

Num STF presidido por um ministro cuja lista de qualidades pode ser conferida nesta postagem, destaca-se o fabuloso Gilmar Ferreira Mendes, legítimo representante de Deus na face da Terra. Nomeado para o cargo por Fernando Henrique Cardoso, sua excelência é a prova provada de que o grão tucano deixou, sim, uma herança maldita — mas que nada tem a ver com a aleivosia cantada em prosa e verso por Lula, seus acólitos e militantes petistas descerebrados.

Por outro lado, não procedem as informações que vêm circulando nas redes sociais, sobre Gilmar Mendes jamais ter advogado, ter aprovado em concursos público ou submetido à tradicional sabatina no Senado. O nobilíssimo laxante de toga cursou Direito na Universidade Federal de Brasília, onde também fez mestrado em Direito e Estado — concluído na Alemanha com a dissertação “Die Zulässigkeitsvoraussetzungen der abstrakten Normenkontrolle vor dem Bundesverfassungsgericht” (lamentavelmente, ele não ficou por lá). Segundo o currículo disponível no site do STF, foi aprovado em 12° lugar para o cargo de Juiz Federal (1983-1984), em 4° lugar para o de Assessor Legislativo do Senado Federal (nomeação suspensa a pedido do candidato em 1984), em 1° lugar para o de Procurador da República (1984) e em 1° lugar para o de Professor Assistente (Direito Público) da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (1995) — onde até hoje é professor adjunto. Em 2000, foi nomeado Advogado Geral da União, cargo que ocupou até 2002, quando foi guindado ao STF na vaga aberta com a aposentadoria do ministro Néri da Silveira.  

Observação: Quem ostenta no currículo duas reprovações em concursos para Juiz de primeira instância — ambas na fase inicial, na qual são testados os conhecimentos gerais do candidato — é o atual presidente da Corte, sua excelência o ministro Dias Toffoli.

Gilmar Mendes foi brilhantemente definido pelo jornalista J.R. Guzzo como uma “fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país”. E o pior é que, a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos — o laxante togado é campeão em pedidos de impeachment; foram seis no ano passado e acho que dois ou três desde o começo deste —, seremos obrigados a aturar o dito-cujo por mais uma década: sua insolência colheu apenas 63 margaridas do jardim da existência, e ministros supremos só são aposentados compulsoriamente aos 75 anos.

A informação de que  não foi sabatinado pela CCJ do Senado não procede. É fato que a sabatina foi adiada por um pedido do ex-presidente da OAB, Reginaldo de Castro  não porque o candidato jamais teria atuado como advogado, mas porque ele respondia a processos por ofensa à honra e improbidade administrativa. Em sua defesa, Mendes classificou o pedido do desafeto como um "ato de covardia institucional” e salientou que moção não partiu do presidente da OAB, mas de “um advogado que tem em sua biografia a atuação como ex-censor da PF nos idos de 1970”. 

Na ocasião, o então senador petista Eduardo Suplicy — hoje sem cargo, depois de ter sido derrotado por Mara Gabrilli e pelo Major Olímpio nas eleição passadas e por José Serra em 2014 — capitaneou um pedido de vista coletivo que foi acolhido pelo presidente da CCJ, Bernardo Cabral (o folclórico Boto Tucuxi). Mas a sabatina foi realizada posteriormente e a indicação de Mendes, aprovada por 16 votos a 6 na CCJ e por 57 votos a 15 no plenário.

Observação: Vale registrar que o jurista e professor Dalmo Dallari publicou um artigo na Folha acusando Gilmar Mendes de representar sério risco à proteção dos direitos no Brasil, ao combate à corrupção e à própria normalidade constitucional. Mendes processou o desafeto, mas o juiz Sílvio Rocha recusou a instauração da ação penal por entender tratar-se de simples expressão de opinião.

Não são esses detalhes da vida pregressa do ministro que me levam a lhe dedicar estas linhas, mas sua beligerância ao classificar de "inusitado" e "esdrúxulo" o episódio envolvendo a Equipe Especial de Fraudes da Receita Federal, que aponta indícios de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência do ministro e da mulher, Guiomar. A existência do documento foi revelada em reportagem publicada no site da revista "Veja", após a qual Gilmar cobrou providências do presidente do STF, para apurar “eventual ilícito” cometido pelos auditores. Como Lula, o todo-poderoso de araque parece achar que está acima da lei. Lula está prestes a completar um ano na prisão. A ver.

A edição desta semana da revista Época traz uma extensa matéria sobre esse imbróglio, mas eu não vou transcrevê-la, tanto por questões de espaço quanto porque a Editora Globo precisa vender revistas para não acabar como a Abril — editora que publica a revista Veja —, que vê agora o afastamento da família Civita do seu comando e a contratação de uma consultoria especializada na recuperação de empresas em situação pré-falimentar. Portanto, seguem alguns pontos da reportagem que me chamaram a atenção.

Embora seja mera perfumaria, a descrição da luxuosa vivenda do casal merece menção:  A propriedade, que fica no Setor de Mansões, à beira do Lago Paranoá, poderia passar por um clube, a contar pela piscina, com uma onça preta de cerâmica bebendo água e uma edícula cheia de boias coloridas em formato de macarrão. Ou por uma fazenda urbana, com uma vista espetacular da cidade, árvores frutíferas, viveiros, patos, galinhas, cachorros, gatos, emas e até um pônei.

A suspeita levantada pela Receita envolve o Instituto Brasileiro de Direito Público — Faculdade da qual Gilmar é sócio fundador —, os honorários advocatícios de sua mulher, Guiomar, e um suposto favorecimento do próprio ministro no julgamento de processos na Corte. A declaração de imposto de renda do casal vazou, e 18 pessoas, entre parentes e conhecidos, foram listadas como potenciais investigados no caso. Aliás, a matéria diz ser a primeira vez na história que um magistrado da mais alta Corte do país sofre tal escrutínio. 

Gilmar diz ser alvo de ataques desde que chegou ao STF, há 17 anos”, mas que esta última ofensiva “passou dos limites”. “Primeiro, eram os ‘ex-colegas do Ministério Público’, depois a Polícia Federal e, agora, a Receita.” Gilmar atribui o fato a seus posicionamentos críticos ao que considera excessos ilegais. Não fossem seus enfrentamentos, diz ele, a PF já teria se “assentado como um Poder em si”. 

Época discorre sobre inúmeros casos em que Gilmar atuou como (segundo ele próprio) “voz contrária a interesses diversos”. Sobre Guiomar, a revista informa que ela diz nunca ter tido problemas com a Receita, que é de família rica, que tem tudo declarado, que a investigação é um absurdo. Dias antes, a revista eletrônica Crusoé publicou que os bens do casal totalizariam R$ 20 milhões, entre imóveis e bens espalhados pelo país.

Mendes tomou conhecimento da investigação em novembro, quando recebeu no IDP uma notificação da Receita pedindo explicações para dúvidas tributárias do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Segundo ele, o número do processo no Carf era de uma borracharia no Acre, e o secretário da Receita, Jorge Rachid, teria dito que o auditor responsável pelo caso, Luciano Castro, estava prestando serviços à Operação Calicute, do MP-RJ, responsável pela prisão de, entre outros, Sérgio Cabral e Jacob Barata — o Rei do Ônibus, acusado de pagar R$ 260 milhões em propina para políticos fluminenses e de cuja filha Mendes e Guiomar foram padrinhos de casamento (e que foi solto por Mendes em pelo menos três ocasiões). 

Mendes diz não ter dúvidas de que "fraudaram a autuação" apenas para chegar ao IDP. Perguntado se a fama de libertar criminosos em série não o incomoda, respondeu que não abre mão de suas convicções e entendimentos sobre a lei para agradar um ou outro, e lembrou que todas as suas liminares soltando quem a Lava-Jato do Rio de Janeiro prende foram acompanhadas pela maioria do STF

Observação: A propósito desse prende-e-solta, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou no ano passado que “Há no Supremo gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos”. O ministro não deu nome aos bois, mas é nítido que se referia a Gilmar Mendes, que ele já havia classificado publicamente como uma pessoa horríveluma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia“ e acusara de “desmoralizar o Tribunal”.

Há duas semanas, ao ser procurado pela revista Veja para comentar a investigação, Mendes telefonou ao secretário da Receita e ao secretário executivo do Ministério da Economia, para reclamar do vazamento. Também pediu a Dias Toffoli que determinasse uma investigação. Perguntado se acredita ser alvo do que está sendo chamado de CPI da Lava-Toga, ele diz que não, que tem uma vida financeira à prova de bala, e que o fruto de seu trabalho nada tem a ver com nenhuma operação maluca. “É dando aula, vendendo livro, é isso.” Então tá.

Gilmar disse também que a Receita quer cotejar os honorários de sua esposa com os processos em que ela atuou, debochando do entendimento dos auditores sobre como é a remuneração de uma advogada que chefia em Brasília um escritório do tamanho do de Bermudes. “A Receita está sendo usada como órgão de pistolagem de outras instituições.” Durante a conversa, ele ainda usou a palavra “consórcio”, “aliança” e “bando” para se referir a parte dos auditores. Na maior parte do tempo, usou apenas o pronome “eles”. Ao lhe ser pedido para nomear quem seriam “eles”, foi lacônico: “Eles, esse sujeito indeterminado, é uma combinação. São pessoas vinculadas a essas operações. Usam uma linguagem de arapongas no documento da Receita”.

Quando lhe foi perguntado por que seria o único alvo do que chamou de “milícias“ institucionais, Gilmar baixou a voz e disse que não era o único, que há um ministro do STF sendo chantageado por uma das grandes operações investigativas em curso no país. “A toda hora plantavam e plantaram que esse ministro estava delatado. Qual a intenção? Isso é uma forma de atemorizar, porque essa gente perdeu o limite. Este ministro ficou refém deles”, disse. Ao se despedir, elevou o tom de voz e, balançando as fotocópias dos documentos da investigação, disparou: “Isso aqui é a Gestapo com a KGB, mas feito pelas Organizações Tabajara!” 

Ave, César!

domingo, 6 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE VI)

TSE é historicamente condescendente com crimes eleitorais e vem postergando indefinidamente suas decisões, talvez por não ter estrutura nem disposição para atuar com a celeridade desejável. Em 2017, o ministro Gilmar Mendes, que à época presidia a Corte Eleitoral, foi o mentor da impostura travestida de julgamento da chapa Dilma-Temer e o responsável pelo voto de minerva que livrou a pele do então presidente por “excesso de provas”, como ironizou o relator do processo, ministro Herman Benjamim.

Fiel a seu estilo (que prefiro não comentar), o magistrado se empenhou pela anulação de condenações de réus da Lava-Jato como se travasse uma cruzada em defesa do império da impunidadeAliás, depois de um dos memoráveis bate-bocas com o semideus togado, o ministro Barroso disse à Folha: "No Supremo, você tem gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos.

Indicado para o STF em 2002 pelo então presidente FHCGilmar Mendes é a prova provada de que o grão-duque tucano deixou pelo menos duas heranças malditas (a outra foi a PEC da reeleição). Ele era defensor incondicional da Lava-Jato e inimigo figadal dos criminosos de colarinho branco enquanto os investigados eram Lula e políticos do PT. Foi ele, aliás, quem botou água no chope do ex-presidente quando Dilma o nomeou ministro-chefe da Casa Civil (com o nítido propósito de lhe restituir o foro privilegiado). Mais adiante, porém, passou a articular o sepultamento da prisão em segunda instância (que ele próprio defendia com unhas e dentes) e a conceder habeas corpus a quem fosse preso preventivamente pela força-tarefa de Curitiba.

Em 2016, ao fundamentar seu voto sobre a prisão em segunda instância, Gilmar anotou: "Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau [...] uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação...". Em 2017, porém, passou a admitir publicamente que poderia mudar de posição se houvesse um novo julgamento.

Também em 2017, Mendes mandou soltar — não uma, mas três vezes — o empresário Jacó Barata Filho, tido como chefe da máfia dos ônibus no Rio. Apesar de os procuradores da Lava-Jato pedirem seu impeachment, o magistrado não se deu por impedido de julgar o caso: "O fato de ser padrinho de casamento da filha do acusado não se enquadra nas regras legais que determinam o afastamento de um magistrado para julgar uma causa em função de relação íntima com uma das partes".

Em 2019, quando a questão prisão em segunda instância voltou à pauta, Mendes votou contra, juntamente com Rosa WeberRicardo LewandowskiCelso de MelloMarco Aurélio Mello e o então presidente da corte, Dias Toffoli — que, como Gilmar, era favorável ao cumprimento antecipado da pena.

No Brasil, criminosos que têm cacife para bancar os honorários astronômicos cobrados por causídicos estrelados (caso dos políticos corruptos, que pagam os chicaneiros com dinheiro desviado do Erário) têm acesso a um formidável cardápio de recursos que lhes permite empurrar os processos com a barriga até que a prescrição impeça a punição ou até baterem as botas, o que ocorrer primeiro.

A título de exemplo, a defesa de Luiz Estevão ingressou com 120 recursos até o salafrário ser encarcerado, e Paulo Maluf só foi recolhido à Papuda depois de seu processo tramitar por quase duas décadas, mas bastaram alguns meses para ele ser posto em prisão domiciliar por uma decisão tomada de ofício de Dias Toffoli.

Por outro lado, são falsas as acusações veiculadas em redes sociais de que Gilmar Mendes jamais advogou, que bombou em concursos públicos e que foi alçado ao STF sem passar pelo crivo do Senado (crivo esse que é eminentemente protocolar, como vimos no post do dia 4, as únicas reprovações ocorreram há mais de um século, durante o governo de Floriano Peixoto).

O atual decano do STF graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Brasília, onde iniciou o mestrado em Direito e Estado que concluiu na Alemanha (pena não ter ficado por lá). Também foi aprovado em 12° lugar para o cargo de Juiz Federal (1983-1984), em 4° lugar para o de Assessor Legislativo do Senado Federal (nomeação suspensa a pedido do candidato em 1984), em 1° lugar para o de Procurador da República (1984) e em 1° lugar para o de Professor Assistente (Direito Público) da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (1995). Sobre a sabatina na CCJ do Senado, ela realmente foi adiada, mas acabou acontecendo e o indicado, aprovado por 16 votos a 6 na CCJ e por 57 votos a 15 no plenário.

Quem ostenta no currículo duas reprovações em concursos para Juiz de primeira instância — ambas na fase inicial, na qual são testados os conhecimentos gerais do candidato — é o ministro Dias Toffoli, que foi nomeado para o STF graças aos “bons serviços prestados a Lula e ao PT”. Em sua trajetória até nossa mais alta Corte, Toffoli foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, consultor jurídico da CUT, advogado nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006 e subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil da Presidência e Advogado Geral da União. 

Abrilhantam também o invejável currículo de Toffoli o fato de ele não ter despido a farda de militante petista quando vestiu a suprema toga e ter ido buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político — ou, como bem o definiu J.R. Guzzo, “uma fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país” —, de quem Toffoli absorveu a arrogância incontida, a grosseria, a falta de limites, o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível e outros hábitos pouco elogiáveis.

Em 2019, a Receita Federal investigou a Faculdade da qual Mendes é sócio fundador e os honorários advocatícios de Guiomar Feitosa Mendes, esposa do ministro-deus (há também suspeitas de suposto favorecimento no julgamento de processos no STF, mas isso é outra conversa). A declaração de imposto de renda do casal vazou, e 18 pessoas, entre parentes e conhecidos, foram listadas como potenciais investigados no caso. 

Segundo matéria publicada na revista Época, a luxuosa vivenda do casal Mendes, que fica no Setor de Mansões à beira do Lago Paranoá, poderia se passar por um clube — a julgar pela piscina, com uma onça preta de cerâmica bebendo água e uma edícula cheia de boias coloridas em formato de macarrão — ou por uma fazenda urbana — com uma vista espetacular da cidade, árvores frutíferas, viveiros, patos, galinhas, cachorros, gatos, emas e até um pônei (dias antes, a revista eletrônica Crusoé publicou que os bens do casal totalizariam R$ 20 milhões, entre imóveis e bens espalhados pelo país.

Gilmar disse ser alvo de ataques desde que chegou ao STF e atribui o fato a seus posicionamentos críticos ao que considera excessos ilegais. Época discorreu sobre inúmeros casos em que ele atuou como “voz contrária a interesses diversos” (nas palavras do próprio). Sobre a esposa do ministro, a matéria menciona apenas que ela disse nunca ter tido problemas com a Receita, que é de família rica, que tem tudo declarado, que a investigação era um absurdo.

Não são esses detalhes da vida pregressa do ministro que me levam a lhe dedicar estas linhas, mas sua beligerância ao classificar de "inusitado" e "esdrúxulo" o episódio envolvendo a Equipe Especial de Fraudes da Receita Federal, que aponta indícios de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência do ministro e da mulher. Depois que a revista Veja trouxe o assunto a conhecimento público, Gilmar cobrou providências do presidente do STF para apurar “eventual ilícito” cometido pelos auditores. 

Como Lula, o todo-poderoso de araque parece achar que está acima da lei. Ave, César!

Continua...

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

MANDA QUEM PODE, OBEDECE QUEM TEM JUÍZO — CONTINUAÇÃO

A diferença entre um depoimento oral ou por escrito, diz Josias de Souza, é comparável à diferença entre a forca e o violino. Os dois têm corda, mas um pode produzir a morte e o outro, apenas música. 

Para um notório boquirroto como Bolsonaro, ser interrogado no ambiente controlado da folha de papel é, evidentemente, mais seguro. Não que ele tencione dizer algo que o comprometa, mas sabemos o que acontece quando sua língua se move sem cabresto.

No dia 3 de junho, quando falou publicamente sobre o depoimento, o capitão cloroquina posou de valentão: "Pra mim tanto faz", disse, sobre o modelo do interrogatório. Mas reconheceu que, no depoimento por escrito "tem uma segurança enorme na resposta, porque não vai titubear. Ao vivo pode titubear, mas não estou preocupado com isso."

A despreocupação do morubixaba de turno não passava de bravata. Tanto é que a AGU recorreu ao STF, pleiteando isonomia em relação a Michel Temer (em 2017, intimado a prestar esclarecimentos no âmbito de um inquérito que o investigava por corrupção, o vampiro do Jaburu foi autorizado pelo ministro Luís Roberto Barroso a depor por escrito).

Como o decano Celso de Mello continua licenciado, a reclamação caiu no colo do ministro Marco Aurélio, que, como bom macaco velho, não mete a mão em cumbuca. O vice-decano transferiu o abacaxi para o plenário da Corte — um colegiado que Sepúlveda Pertence, ex-ministro desse mesmíssimo tribunal, definiu como “11 ilhas”, para depois emendar: um arquipélago de 11 ilhas”. Foi pior a emenda que o soneto, como se verá mais adiante.

Reivindicar no Supremo a concessão de um tratamento semelhante ao que Barroso dispensou ao egum mal despachado não pegou bem para Bolsonaro, mas o fato é que, qualquer que seja o resultado, ele sairá ganhando. Prevalecendo a “linha Barroso”, o presidente terceirizará ao seu staff jurídico as respostas ao interrogatório; mantido o despacho do decano, ganha, se quiser, um pretexto para não comparecer ao depoimento, mas deixando evidente o que meio mundo já sabe e que a outra metade se recusa a reconhecer.

No pior dos cenário, Bolsonaro ganha tempo. Como o decano está licenciado e nada garante que retorne ao trabalho antes de seu 75º aniversário (em 1º de novembro), quando então será aposentado compulsoriamente, empurrar o depoimento com a barriga pode ser uma mão na roda para o atual inquilino do Palácio do Planalto. Uma vez que cabe a ele indicar o substituto do decano na Corte... enfim, a obviedade é tamanha que dispensa quaisquer considerações adicionais.

Voltando ao ex-ministro Pertence, que se aposentou em 2007 — mas voltou à ribalta em 2018, graças a uma participação relâmpago na defesa do criminoso Lula — atribui-se-lhe o seguinte comentário sobre o STF: “As pessoas acham que isso aqui é um grupo de amigos, mas, na realidade, somos 11 ilhas. Não somos amigos nem nos frequentamos socialmente, apenas nos encontramos no tribunal nos dias de sessão."

Considerando o que veio à público desde 2002 — ano em que as sessões dos STF passaram a ser transmitidas ao vivo em cores pela TV Justiça —, a metáfora do jurista teria mais cabimento se “11 ilhas” fossem substituídas por “11 estados soberanos”, onde cada um declara guerra contra nações inimigas, negocia alianças diplomáticas, adota programas de governo e estabelece suas próprias políticas internas.

Mesmo em dias de céu de brigadeiro, nuvens negras e ameaçadoras ensombrecem os bastidores da Suprema Corte, onde clima entre os togados, que muitos imaginam ser um compadrio de amigos que, ocasionalmente, julgam processos e tomam chá nos intervalos, é pontuado por rivalidades e animosidades.

Em 2007, mensagens trocadas entre os ministros Lewandowski e Cármen Lúcia pela intranet (rede interna) do tribunal evidenciaram que há muita política — e má política — por trás do sistema mediante o qual são escolhidos os ministros da Suprema Corte, que ficam atrelado ao Presidente de turno que os presenteou com a suprema toga e se sentem moralmente obrigados (ou são constrangidos) a retribuir o favor.

Em outubro de 2002, num embate memorável com o ministro Joaquim Barbosa, o vice-decano Marco Aurélio chamou o colega Joaquim Barbosa para resolver suas diferenças “lá fora”, como se fossem dois ginasianos que saem no braço depois da aula. Posteriormente, o primo de Collor negou que tivesse chamado o colega "para a briga"; apenas disse que eles deveriam se tratar sem agressões. “Não estamos mais nos séculos 16, 17 e 18, em que havia o duelo. Se estivéssemos, certamente haveria um duelo", afirmou o magistrado.  

Outro caso notório ocorreu em novembro de 2006, quando Joaquim Barbosa acusou, em sessão plenária transmitida pela TV Justiça, o ex-presidente do STF e advogado Maurício Corrêa de tentar influenciar o julgamento de ação milionária sobre desapropriação de terras. "Ele tomou a liberdade de ligar para a minha casa pedindo urgência para esse caso", disse Barbosa. "O tribunal precisa tomar medidas sérias com relação a esse tipo de tráfico de influência", acrescentou. "Se ele está atuando indevidamente, está praticando tráfico de influência", concluiu. 

Observação: Corrêa não estava no tribunal, mas apareceu minutos depois, entregou documentos à então presidente do STF, Ellen Gracie, para provar que era advogado da causa e estava autorizado a atuar no processo.

Como se vê, a coisa vem de longe e só se agravou com o passar do tempo: Em março de 2018, durante um bate-boca com Gilmar Mendes em sessão plenária, Barroso se referiu ao colega como uma “fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país (...) uma pessoa horrível, mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia“. Em outubro do mesmo ano, concedeu uma entrevista à colunista Mônica Bergamo. Ao comentar sobre o que considerava ser uma corrupção estrutural e sistêmica envolvendo recursos públicos e a impunidade no país, o Barroso disse que havia no STFgabinete distribuindo senha para soltar corrupto sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos”. 

Ao ser questionado sobre quais gabinetes se encontrariam nessa situação, o magistrado sorriu e ficou em silêncio.

Continua...

terça-feira, 22 de outubro de 2019

PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA - IT'S NOW OR NEVER



Ricardo Boechat — morto em fevereiro passado numa esdrúxula queda de helicóptero — dizia que se pode morrer de tudo no jornalismo, menos de tédio. E com efeito. Nesta semana, por exemplo, enquanto Bolsonaro e seu partido protagonizam um bate-boca que pegaria mal até em cortiço de quinta classe (se brigar pelo poder já uma merda, quando quase meio bilhão de reais estão em jogo, aí é merda e meia), o Senado votará em segundo turno a reforma previdenciária (o que deve acontecer hoje) e STF dará prosseguimento do julgamento das ADCs que podem mudar mais uma vez a jurisprudência quanto à possibilidade ou não do cumprimento antecipada da pena por condenados em segunda instância. Como se vê, é teste para cardíaco.

Observação: Para quem passou as últimas semanas em Marte, na semana passada, após as manifestações do relator, dos advogados dos autores das ações e de representantes da sociedade civil que discursaram na condição de amicus curiae (partes interessadas na discussão jurídica), a sessão foi suspensa e adiada para esta quarta-feira, com início previsto para as 9h30. Portanto, suas excelências togadas terão de pular da cama mais cedo que de costume.

Em fevereiro de 2016, quando Dilma Rousseff, Eduardo Cunha e Renan Calheiros eram, respectivamente, presidentes da República, da Câmara e do Senado, e a Lava-Jato aterrorizava a classe política, Gilmar Mendes, na sessão plenária que mudou o entendimento que a corte havia adotado sete anos antes, vociferou: "Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado”. Hoje, passados pouco mais de três anos, de maior patrocinador da prisão após condenação em segunda instância o magistrado passou a articulador do movimento político-jurídico que começou a se materializar na última quinta 17. Na sessão extraordinária desta quarta, serão ouvidas ainda duas sustentações de amici curiae, além das manifestações da AGU e do MPF. Só então terá início a leitura dos votos, começando pelo ministro Marco Aurélio, relator das estapafúrdias ADCs

Se, a exemplo dos ratos encantados com a música do Flautista de Hamelin, a maioria dos ministros se render ao canto e aos encantos da Maritaca de Diamantino, a mudança na jurisprudência pode fulminar os avanços experimentados pelo país no combate à impunidade, atingir frontalmente a maior operação anticorrupção da história e beneficiar ilustres condenados por desvio de dinheiro público, como o ex-presidente Lula e o ex-ministro José Dirceu, além de abir as portas da cadeia para outros quase 5 mil presos. 

Para entender melhor essa questão é preciso voltar a março de 2016, pouco antes de Dilma ser afastada, quando Sérgio Moro, então juiz titular dos processos da Lava-Jato em Curitiba, tornou públicos os famosos áudios de conversas entre a criatura e o criador — dos quais se inferia que a nomeação do Lula para o cargo de ministro da Casa Civil de Dilma era uma forma de protegê-lo do avanço da força-tarefa, e com base nisso Gilmar Mendes barrou a posse e ordenou que as investigações sobre o petralha ficassem em Curitiba, onde tramitariam mais rapidamente. Vivia-se então o auge da boa convivência entre os integrantes da força-tarefa e o semideus togado, mas já se delineavam horizonte as auroras nascituras da nova era Gilmar.

A metamorfose se deu aos poucos. No final daquele ano, conforme a Lava-Jato avançava sobre políticos corruptos, o magistrado já falava em “excessos". "Para mim, por exemplo, no que diz respeito à prisão provisória sem limites, isso me parece excessivo e precisa ser discutido no TRF, no STJ e no Supremo, disse ele em 24 de outubro. Detalhe: àquela altura já se antevia que o próximo alvo dos investigadores seria o Judiciário. Em 2017, os ataques de Gilmar à Lava-Jato se intensificaram no mesmo ritmo em que a operação engolfava figuras ilustres do PSDB, e o governo de Michel Temer tornou-se alvo das investigações. Nunca é demais lembrar que Mendes era carne com o Vampiro do Jaburu, tanto que sua atuação na presidência do TSE, durante o julgamento do pedido de cassação da chapa Dilma/Temer, foi determinante para a absolvição dos réus — por "excesso de provas", como ironizou o relator da ação, ministro Herman Benjamin.

A partir de então, travestido de cruzado, Gilmar passou a atacar as “prisões alongadas que se determinam em Curitiba”. A certa altura, declarou que uma denúncia feita pelo Ministério Público era quase “uma brincadeira juvenil”. Além dos emedebistas investigados, o PT e uma parte importante do establishment político passou a ver nele um aliado. Encontros com lideranças desses partidos passaram a ser frequentes, mas faltava ao magistrado a influência sobre a agenda do STF — que ele conseguiu quando Toffoli substituiu Cármen Lúcia na presidência do tribunal.

A relação de Toffoli com Gilmar já era de muita proximidade (detalhes nas postagens anteriores), e o vínculo se fortaleceu depois que suas respectivas consortes, as também advogadas Roberta Rangel e Guiomar Mendes, entraram no radar da Receita Federal por suspeita de fraudes tributárias em suas atividades profissionais. Mas o movimento articulado pela dupla contra a Lava-Jato ganhou força com os vazamentos das conversas hackeadas dos celulares de integrantes da força-tarefa, que levaram o STF, notadamente a ala garantista (ou banda podre, como preferem alguns), a rever decisões que antes abriram caminho para que a investigação deslanchasse. 

Alguns ministros começaram a impor travas a métodos utilizados pelos investigadores, como fez Toffoli ao limitar a atuação do antigo COAF, hoje UIF. Outros recursos em andamento na corte, como o que pede a declaração de suspeição de Sergio Moro no julgamento de Lula, tornaram-se uma espada de Dâmocles sobre a Lava-Jato e seus integrantes. Muitos desses recursos chegaram a ser acolhidos, sempre com Gilmar liderando o coro dos críticos. Foi nessa toada, por exemplo, que o tribunal ordenou a primeira anulação de uma sentença de Moro pela jabuticaba jurídica segundo a qual o réu delatado deve apresentar seus memoriais (ou alegações finais) depois do réu delator — regra que não existe nem na Constituição nem nos códigos penal de de processo penal, e que, aliás, não muda em nada o rumo do processo. 

Há tempos que Gilmar vem buscando embasamento para sustentar a guinada no entendimento da Corte sobre o início do cumprimento da pena após condenação em segundo grau. Seu principal argumento é que o Supremo havia decidido que a prisão após a condenação por um juízo colegiado era apenas uma “possibilidade”, mas virou regra nas instâncias inferiores. O próximo passo foi convencer Toffoli de que havia maioria favorável à retomada do debate, já que Marco AurélioRicardo Lewandowski e Celso de Mello, defensores atávicos da prisão somente o trânsito em julgado da sentença condenatória, reivindicavam uma nova análise. No canto oposto do tablado, os ministros Barroso, Fachin, Fux e Cármen Lúcia vinham resistindo à ideia, mas não só se tornaram minoria como perderam o controle da agenda do tribunal quando Cármen deixou a presidência.

Como tudo que envolve o plenário do STF de uns tempos a esta parte, o resultado do julgamento das ADCs é imprevisível. Se a tendência de retrocesso se confirmar, será a terceira mudança nas últimas três décadas. É bom lembrar que o entendimento pela prisão dos condenados em segunda instância, sem prejuízo da interposição de recursos, prevaleceu desde a promulgação da Lei Fleury, durante a ditadura militar, até 2009, quando o STF mudou a jurisprudência. Em 2016, Teori Zavascki, liderou a virada; no julgamento ora em curso, os votos de Rosa Weber e Alexandre de Moraes são considerados determinantes. A ministra sempre foi contra a prisão em segunda instância, mas no julgamento do habeas corpus de Lula, em abril de 2018, posicionou-se a favor, alegando que deveria respeitar a jurisprudência vigente. Já o novato da Corte era a favor do cumprimento antecipado da pena, mas passou a ser contabilizado como um possível voto contra depois que se aproximou da dupla Mendes/Toffoli.

Menos improvável que a manutenção da jurisprudência vigente é o tribunal estabelecer um meio-termo.  O próprio Toffoli, que quer vincular sua passagem pela presidência da corte a uma postura conciliadora, chegou a propor que a prisão dos réus se dê após a confirmação da sentença em terceira instância (STJ). Em algum momento, Mendes se mostrou favorável a essa solução, mas não se sabe se continua a sê-lo ou se defenderá de maneira intransigente o cumprimento da pena depois do trânsito em julgado (que no Brasil equivale ao Dia de São Nunca, conforme comentei nos capítulos anteriores).

Ao abrir a sessão do dia 17, Toffoli fez questão de (tentar) desfulanizar o julgamento: “Que fique bem claro que as presentes ações e o presente julgamento não se referem a nenhuma situação particular. (…) O objetivo é dar o alcance efetivo e a interpretação a uma das garantias individuais previstas na nossa Constituição. Esse entendimento se estenderá a todos os cidadãos brasileiros”, afirmou sua excelência. Mas é óbvio que, como quase tudo mais neste país, esse furdunço tem a ver com o picareta dos picaretas, o desempregado que deu certo, o criminoso de Garanhuns, o presidiário de Curitiba.

Depois do discurso de ToffoliMarco Aurélio Mello leu seu relatório e aproveitou para disparar contra o presidente da Corte — que no final do ano passado cassou a liminar que Mello concedera para soltar todos os condenados em segunda instância que aguardavam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores, Lula incluído. O primo de Collor fez questão de enfatizar que "o presidente da Corte é coordenador e não superior hierárquico dos pares". A resposta veio ao final da sessão, quando Toffoli, com a voz embargada, elogiou o relatório e disse que sua admiração por Marco Aurélio só aumentava. Puro teatro...

Nesta quarta-feria, as rusgas entre os ministros devem ser expostas, deixando evidente, mais uma vez, a cizânia entre a ala que defende Lava-Jato, com Fachin e Barroso à frente, e a que se esforça para limitar a operação, capitaneada pelo ministro que o próprio Barroso qualificou como "uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia, uma desonra para o tribunal, uma vergonha, um constrangimento" — em outro momento, referindo-se ao colega mas sem citá-lo nominalmente, disse o ministro: “Há no Supremo gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos”.   

Eventual mudança na jurisprudência teria grande impacto sobre o combate à corrupção no país. A autorização concedida pelo Supremo em 2016 tem eficácia, principalmente, contra políticos e poderosos que, mesmo tendo dinheiro para pagar bons advogados, não conseguem mais alongar tanto os processos e se livrar das punições. Sem medo da prisão, as delações premiadas, outro instrumento fundamental para os investigadores em geral, tendem a diminuir, e o país volta a ser uma exceção à regra: em grande parte do mundo desenvolvido, a prisão após condenação em segunda instância é permitida; Inglaterra, França, Alemanha, Canadá, Itália e Argentina são alguns exemplos, e os Estados Unidos chegam a ser até mais rigorosos: o cumprimento da pena começa, muitas vezes, após a condenação em primeira instância. 

Gilmar, o porta-estandarte da mudança, diz estar pronto para o embate. Em 2016, quando sua posição era outra, para além de dizer que "não se conhece no mundo civilizado um país que exija o fim do processo para prender os réus", ele anotou como positiva a prisão de personagens graúdos, algo que poderia até levar à melhoria das condições das cadeias brasileiras. Em favor da tese que sairia vitoriosa naquela ocasião, a maritaca mato-grossense destacou que os réus vão perdendo a presunção de inocência à medida que o processo avança — para prender, portanto, não seria necessário o tal trânsito em julgado. Era, de fato, um outro Gilmar. O Brasil continua a ser o mesmo, mas o autoconcedido papel desse magistrado, de dono do Supremo e decisor capaz de levar a corte para lá ou para cá, está, mais do que nunca, evidente. Urge podar-lhe as asas.

Com Crusoé.

domingo, 23 de dezembro de 2018

AINDA SOBRE O STF E A ESTAPAFÚRDIA LIMINAR DE MARCO AURÉLIO


Marco Aurélio Mello foi indicado para o STF pelo primo e então presidente Fernando Collor de Mello. Há 28 anos na Corte e a 3 da aposentadoria compulsória, sua excelência — que José Nêumanne definiu como uma mistura de Hidra de Lerna (corpo de dragão, hálito venenoso e nove cabeças de serpente capazes de se regenerar) com o deus romano Jano (retratado com duas faces, uma olhando para a frente e a outra, para trás) — parece ter uma estranha predileção por ser voto vencido. E sendo o antepenúltimo a se pronunciar nas sessões plenárias, não tem como errar, pois profere seu voto quando o entendimento majoritário já é conhecido. Na última quarta-feira, porém, o ministro se superou ao conceder monocraticamente uma liminar suspendendo as execuções provisórias de pena de 169 mil presos, dentre os quais a autodeclarada “alma viva mais honesta do Brasil”.

No melhor estilo “aprendiz de Maquiavel”, o magistrado soltarrão programou cada movimento com a precisão suíça do vistoso Rolex que ostenta no pulso: depois de deixar seu despacho pronto para a publicação, compareceu à última sessão plenária antes do recesso de final de ano e almoçou com Dias Toffoli e outros seis colegas de toga no salão nobre do STF. Tudo sem dar um pio sobre o rebosteio que ocorreria dali a poucos minutos, quando já não houvesse tempo de o colegiado reverter sua decisão. Perguntado por que não informou aos colegas do que tencionava fazer, o animador de velório respostou: "E eu lá tenho de avisar alguém? O que é isso? Vamos respeitar as instituições pátrias, as decisões são autoexplicativas". Vale salientar que, dias antes desse lamentável episódio, Toffoli anunciou que a ADC do PCdoB será analisada em abril do próximo ano.

O Supremo tem sido palco (ou picadeiro?) de decisões semelhantes de vários outros ministros, o que só apequena o Judiciário e contribui para que a população aplauda quem arreganha os dentes contra a Suprema Corte. Agindo como agiu, talvez por pirraça, já que nem Cármen Lúcia nem Dias Toffoli pautou as Ações Diretas de Constitucionalidade sob sua relatoria, a despeito de ele as ter liberado para julgamento em abril passado, Hidra-Jano achincalha os cidadão de bem, que pagam escorchantes impostos para sustentar as formidáveis mordomias do funcionalismo categorizado tupiniquim.

 Assim, ao embasar sua decisão na presunção de que o plenário altere o placar quando revir a questão da prisão em segunda instância, Marco Aurélio fez como quem aposta na Mega Sena e sai gastando por conta antes do sorteio. A liminar vigeu por pouco mais de 5 horas, tempo bastante para estarrecer os cidadãos de bem e alegrar os adeptos do Lula-Livre. A presidente nacional do PT, que dias atrás assegurou que faria o possível para Lula passar o Natal em casa, determinou que o pedido de soltura fosse protocolado imediatamente — o que foi feito 48 minutos depois de a liminar ser publicada. Aliás, a defesa do petralha ingressou com mais um recurso tão logo a decisão foi cassada, sustentando que Toffoli não a poderia ter derrubado, e que Lula deve ser solto ainda assim (as chances desse apelo produzir algum efeito prático são mínimas, pois a decisão caberá ao próprio Toffoli).

Observação: Não se deve considerar a decisão de Toffoli como um gesto favorável à Lava-Jato, até porque ele integra o grupo liderado por Gilmar Mendes, que vem tentando impor limites à operação a partir da revisão de alguns dos instrumentos que a sustentam.

A impressão que se tem é que, de uns tempos a esta parte, a função precípua do STF passou a ser apreciar chicanas pró-soltura do ex-presidente corrupto. Talvez por isso, no Paraná, a Lava-Jato tenha firmado 176 acordos de delação premiada, prendido 264 suspeitos, condenado 140 criminosos e recuperado 12 bilhões de reais, ao passo que no Supremo, apesar de as investigações envolverem quase duas centenas de deputados, senadores, ministros e até o atual presidente da Banânia, há apenas um condenado — o deputado Nelson Meurer —, e que nem preso está. 

A ignomínia de Marco Aurélio evidencia como a dicotomia fomentada pelo “nos contra eles” — criada por Lula e seguida cegamente por petistas de todo calibre — contaminou os ministros supremos, que desrespeitam decisões colegiadas e agem como se cada qual fosse um tribunal distinto. Se houvesse mais entrosamento entre eles (e um mínimo de decência), a Corte seria poupada das cada vez mais recorrentes execrações públicas. Mas não. Atuam como ilhas incomunicáveis que, por vaidade e para fazer valer suas opiniões pessoais, não raro desconsideram os precedentes da corte, fomentam um ambiente de insegurança jurídica e desgastam a imagem do Judiciário perante a população.

Alguns supremos não se dão ao respeito, conquanto o exijam: Lewandowski, que atuou mais como advogado dos réus do que como magistrado no julgamento do Mensalão e fatiou a votação do impeachment de Dilma para evitar a cassação de seus direitos políticos, mandou a PF deter um cidadão que ousou lhe dizer o STF era uma vergonha. Gilmar Mendes, que se dedica a atividades particulares incompatíveis com o cargo de ministro e é alvo de uma dezena de pedidos de impeachment, foi brilhantemente definido pelo colega Luís Roberto Barroso como “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”. Sem citar Mendes nominalmente, mas fazendo uma clara referência a ele, Barroso disse ainda que “há gabinetes na Corte distribuindo senha para soltar corruptos”. Toffoli, atual presidente da Corte, foi citado na delação Léo Pinheiro por ter sido agraciado com reformas milionárias em sua mansão, além de ser suspeito de receber mesada de R$ 100 mil de sua mulher, a advogada Roberta Maria Rangel. E por aí vai.  

A presepada de Marco Aurélio não só fechou com chave de ouro o ano judiciário, como demonstrou de forma cabal — como se ainda fosse preciso — que o Supremo, a despeito de ser um colegiado, é um órgão cada vez mais suscetível aos humores individuais de seus integrantes. São onze ministros, onze ilhas, onze vaidades. Para além disso, o episódio mostrou que, apesar de o país ter saído há pouco de uma eleição que varreu do mapa dezenas de políticos envolvidos com corrupção, a Lava-Jato continua sob permanente ataque. Principalmente vindo de  quem deveria defendê-la.

Em abril, o julgamento da famigerada ADC forçará o plenário a reavaliar a jurisprudência capenga que autoriza o cumprimento provisório da pena. Aos votos de Toffoli, Lewandowski e do vira-casa Gilmar somam-se os de Marco Aurélio e Celso de Mello — o decano tem posição histórica contrária à prisão antecipada. Fachin, Fux, Cármen, Barroso e Alexandre são mais alinhados às demandas da Lava-Jato, de modo que o fiel da balança, mais uma vez, será Rosa Weber.

A alternativa — que vem sendo defendida pelo próprio Toffoli — é que o STJ seja a última instância antes do cumprimento da pena. Gilmar simpatiza com a ideia, mas nada se sabe quanto aos demais. Em prevalecendo tal entendimento, as chances de Lula deixar a prisão diminuem: o ministro Felix Fischer, relator da Lava-Jato no STJ, já rejeitou um recurso do petralha, que agora aguarda a análise definitiva da 5ª Turma. Se, como se espera, o apelo for rejeitado, a defesa certamente ingressará com mais um recurso ao STF. Até lá, porém, o abejto criminoso de Garanhuns seguirá preso.