domingo, 6 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE VI)

TSE é historicamente condescendente com crimes eleitorais e vem postergando indefinidamente suas decisões, talvez por não ter estrutura nem disposição para atuar com a celeridade desejável. Em 2017, o ministro Gilmar Mendes, que à época presidia a Corte Eleitoral, foi o mentor da impostura travestida de julgamento da chapa Dilma-Temer e o responsável pelo voto de minerva que livrou a pele do então presidente por “excesso de provas”, como ironizou o relator do processo, ministro Herman Benjamim.

Fiel a seu estilo (que prefiro não comentar), o magistrado se empenhou pela anulação de condenações de réus da Lava-Jato como se travasse uma cruzada em defesa do império da impunidadeAliás, depois de um dos memoráveis bate-bocas com o semideus togado, o ministro Barroso disse à Folha: "No Supremo, você tem gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos.

Indicado para o STF em 2002 pelo então presidente FHCGilmar Mendes é a prova provada de que o grão-duque tucano deixou pelo menos duas heranças malditas (a outra foi a PEC da reeleição). Ele era defensor incondicional da Lava-Jato e inimigo figadal dos criminosos de colarinho branco enquanto os investigados eram Lula e políticos do PT. Foi ele, aliás, quem botou água no chope do ex-presidente quando Dilma o nomeou ministro-chefe da Casa Civil (com o nítido propósito de lhe restituir o foro privilegiado). Mais adiante, porém, passou a articular o sepultamento da prisão em segunda instância (que ele próprio defendia com unhas e dentes) e a conceder habeas corpus a quem fosse preso preventivamente pela força-tarefa de Curitiba.

Em 2016, ao fundamentar seu voto sobre a prisão em segunda instância, Gilmar anotou: "Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau [...] uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação...". Em 2017, porém, passou a admitir publicamente que poderia mudar de posição se houvesse um novo julgamento.

Também em 2017, Mendes mandou soltar — não uma, mas três vezes — o empresário Jacó Barata Filho, tido como chefe da máfia dos ônibus no Rio. Apesar de os procuradores da Lava-Jato pedirem seu impeachment, o magistrado não se deu por impedido de julgar o caso: "O fato de ser padrinho de casamento da filha do acusado não se enquadra nas regras legais que determinam o afastamento de um magistrado para julgar uma causa em função de relação íntima com uma das partes".

Em 2019, quando a questão prisão em segunda instância voltou à pauta, Mendes votou contra, juntamente com Rosa WeberRicardo LewandowskiCelso de MelloMarco Aurélio Mello e o então presidente da corte, Dias Toffoli — que, como Gilmar, era favorável ao cumprimento antecipado da pena.

No Brasil, criminosos que têm cacife para bancar os honorários astronômicos cobrados por causídicos estrelados (caso dos políticos corruptos, que pagam os chicaneiros com dinheiro desviado do Erário) têm acesso a um formidável cardápio de recursos que lhes permite empurrar os processos com a barriga até que a prescrição impeça a punição ou até baterem as botas, o que ocorrer primeiro.

A título de exemplo, a defesa de Luiz Estevão ingressou com 120 recursos até o salafrário ser encarcerado, e Paulo Maluf só foi recolhido à Papuda depois de seu processo tramitar por quase duas décadas, mas bastaram alguns meses para ele ser posto em prisão domiciliar por uma decisão tomada de ofício de Dias Toffoli.

Por outro lado, são falsas as acusações veiculadas em redes sociais de que Gilmar Mendes jamais advogou, que bombou em concursos públicos e que foi alçado ao STF sem passar pelo crivo do Senado (crivo esse que é eminentemente protocolar, como vimos no post do dia 4, as únicas reprovações ocorreram há mais de um século, durante o governo de Floriano Peixoto).

O atual decano do STF graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Brasília, onde iniciou o mestrado em Direito e Estado que concluiu na Alemanha (pena não ter ficado por lá). Também foi aprovado em 12° lugar para o cargo de Juiz Federal (1983-1984), em 4° lugar para o de Assessor Legislativo do Senado Federal (nomeação suspensa a pedido do candidato em 1984), em 1° lugar para o de Procurador da República (1984) e em 1° lugar para o de Professor Assistente (Direito Público) da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (1995). Sobre a sabatina na CCJ do Senado, ela realmente foi adiada, mas acabou acontecendo e o indicado, aprovado por 16 votos a 6 na CCJ e por 57 votos a 15 no plenário.

Quem ostenta no currículo duas reprovações em concursos para Juiz de primeira instância — ambas na fase inicial, na qual são testados os conhecimentos gerais do candidato — é o ministro Dias Toffoli, que foi nomeado para o STF graças aos “bons serviços prestados a Lula e ao PT”. Em sua trajetória até nossa mais alta Corte, Toffoli foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, consultor jurídico da CUT, advogado nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006 e subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil da Presidência e Advogado Geral da União. 

Abrilhantam também o invejável currículo de Toffoli o fato de ele não ter despido a farda de militante petista quando vestiu a suprema toga e ter ido buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político — ou, como bem o definiu J.R. Guzzo, “uma fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país” —, de quem Toffoli absorveu a arrogância incontida, a grosseria, a falta de limites, o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível e outros hábitos pouco elogiáveis.

Em 2019, a Receita Federal investigou a Faculdade da qual Mendes é sócio fundador e os honorários advocatícios de Guiomar Feitosa Mendes, esposa do ministro-deus (há também suspeitas de suposto favorecimento no julgamento de processos no STF, mas isso é outra conversa). A declaração de imposto de renda do casal vazou, e 18 pessoas, entre parentes e conhecidos, foram listadas como potenciais investigados no caso. 

Segundo matéria publicada na revista Época, a luxuosa vivenda do casal Mendes, que fica no Setor de Mansões à beira do Lago Paranoá, poderia se passar por um clube — a julgar pela piscina, com uma onça preta de cerâmica bebendo água e uma edícula cheia de boias coloridas em formato de macarrão — ou por uma fazenda urbana — com uma vista espetacular da cidade, árvores frutíferas, viveiros, patos, galinhas, cachorros, gatos, emas e até um pônei (dias antes, a revista eletrônica Crusoé publicou que os bens do casal totalizariam R$ 20 milhões, entre imóveis e bens espalhados pelo país.

Gilmar disse ser alvo de ataques desde que chegou ao STF e atribui o fato a seus posicionamentos críticos ao que considera excessos ilegais. Época discorreu sobre inúmeros casos em que ele atuou como “voz contrária a interesses diversos” (nas palavras do próprio). Sobre a esposa do ministro, a matéria menciona apenas que ela disse nunca ter tido problemas com a Receita, que é de família rica, que tem tudo declarado, que a investigação era um absurdo.

Não são esses detalhes da vida pregressa do ministro que me levam a lhe dedicar estas linhas, mas sua beligerância ao classificar de "inusitado" e "esdrúxulo" o episódio envolvendo a Equipe Especial de Fraudes da Receita Federal, que aponta indícios de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência do ministro e da mulher. Depois que a revista Veja trouxe o assunto a conhecimento público, Gilmar cobrou providências do presidente do STF para apurar “eventual ilícito” cometido pelos auditores. 

Como Lula, o todo-poderoso de araque parece achar que está acima da lei. Ave, César!

Continua...