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terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

SOBRE GILMAR MENDES


Para além de um mandatário um tanto confuso, claramente vocacionado a tropeçar nos próprios pés e a ser apanhado em arapucas armadas pela própria prole, e de um Congresso fisiologista e contaminado pelo vírus da corrupção, que trabalha três dias por semana e dedica a maior parte do tempo a questões do interesse de seus integrantes, temos um Judiciário no qual a mais alta cúpula, dividida em alas garantista e punitivista, desobedece as próprias regras em decisões monocráticas estapafúrdias e promove barracos vergonhosos. Olhando esse quadro desolador, a conclusão a que chegamos é a de que, se o país ainda caminha, não é pelo governo que tem, mas apesar dele.

Num STF presidido por um ministro cuja lista de qualidades pode ser conferida nesta postagem, destaca-se o fabuloso Gilmar Ferreira Mendes, legítimo representante de Deus na face da Terra. Nomeado para o cargo por Fernando Henrique Cardoso, sua excelência é a prova provada de que o grão tucano deixou, sim, uma herança maldita — mas que nada tem a ver com a aleivosia cantada em prosa e verso por Lula, seus acólitos e militantes petistas descerebrados.

Por outro lado, não procedem as informações que vêm circulando nas redes sociais, sobre Gilmar Mendes jamais ter advogado, ter aprovado em concursos público ou submetido à tradicional sabatina no Senado. O nobilíssimo laxante de toga cursou Direito na Universidade Federal de Brasília, onde também fez mestrado em Direito e Estado — concluído na Alemanha com a dissertação “Die Zulässigkeitsvoraussetzungen der abstrakten Normenkontrolle vor dem Bundesverfassungsgericht” (lamentavelmente, ele não ficou por lá). Segundo o currículo disponível no site do STF, foi aprovado em 12° lugar para o cargo de Juiz Federal (1983-1984), em 4° lugar para o de Assessor Legislativo do Senado Federal (nomeação suspensa a pedido do candidato em 1984), em 1° lugar para o de Procurador da República (1984) e em 1° lugar para o de Professor Assistente (Direito Público) da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (1995) — onde até hoje é professor adjunto. Em 2000, foi nomeado Advogado Geral da União, cargo que ocupou até 2002, quando foi guindado ao STF na vaga aberta com a aposentadoria do ministro Néri da Silveira.  

Observação: Quem ostenta no currículo duas reprovações em concursos para Juiz de primeira instância — ambas na fase inicial, na qual são testados os conhecimentos gerais do candidato — é o atual presidente da Corte, sua excelência o ministro Dias Toffoli.

Gilmar Mendes foi brilhantemente definido pelo jornalista J.R. Guzzo como uma “fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país”. E o pior é que, a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos — o laxante togado é campeão em pedidos de impeachment; foram seis no ano passado e acho que dois ou três desde o começo deste —, seremos obrigados a aturar o dito-cujo por mais uma década: sua insolência colheu apenas 63 margaridas do jardim da existência, e ministros supremos só são aposentados compulsoriamente aos 75 anos.

A informação de que  não foi sabatinado pela CCJ do Senado não procede. É fato que a sabatina foi adiada por um pedido do ex-presidente da OAB, Reginaldo de Castro  não porque o candidato jamais teria atuado como advogado, mas porque ele respondia a processos por ofensa à honra e improbidade administrativa. Em sua defesa, Mendes classificou o pedido do desafeto como um "ato de covardia institucional” e salientou que moção não partiu do presidente da OAB, mas de “um advogado que tem em sua biografia a atuação como ex-censor da PF nos idos de 1970”. 

Na ocasião, o então senador petista Eduardo Suplicy — hoje sem cargo, depois de ter sido derrotado por Mara Gabrilli e pelo Major Olímpio nas eleição passadas e por José Serra em 2014 — capitaneou um pedido de vista coletivo que foi acolhido pelo presidente da CCJ, Bernardo Cabral (o folclórico Boto Tucuxi). Mas a sabatina foi realizada posteriormente e a indicação de Mendes, aprovada por 16 votos a 6 na CCJ e por 57 votos a 15 no plenário.

Observação: Vale registrar que o jurista e professor Dalmo Dallari publicou um artigo na Folha acusando Gilmar Mendes de representar sério risco à proteção dos direitos no Brasil, ao combate à corrupção e à própria normalidade constitucional. Mendes processou o desafeto, mas o juiz Sílvio Rocha recusou a instauração da ação penal por entender tratar-se de simples expressão de opinião.

Não são esses detalhes da vida pregressa do ministro que me levam a lhe dedicar estas linhas, mas sua beligerância ao classificar de "inusitado" e "esdrúxulo" o episódio envolvendo a Equipe Especial de Fraudes da Receita Federal, que aponta indícios de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência do ministro e da mulher, Guiomar. A existência do documento foi revelada em reportagem publicada no site da revista "Veja", após a qual Gilmar cobrou providências do presidente do STF, para apurar “eventual ilícito” cometido pelos auditores. Como Lula, o todo-poderoso de araque parece achar que está acima da lei. Lula está prestes a completar um ano na prisão. A ver.

A edição desta semana da revista Época traz uma extensa matéria sobre esse imbróglio, mas eu não vou transcrevê-la, tanto por questões de espaço quanto porque a Editora Globo precisa vender revistas para não acabar como a Abril — editora que publica a revista Veja —, que vê agora o afastamento da família Civita do seu comando e a contratação de uma consultoria especializada na recuperação de empresas em situação pré-falimentar. Portanto, seguem alguns pontos da reportagem que me chamaram a atenção.

Embora seja mera perfumaria, a descrição da luxuosa vivenda do casal merece menção:  A propriedade, que fica no Setor de Mansões, à beira do Lago Paranoá, poderia passar por um clube, a contar pela piscina, com uma onça preta de cerâmica bebendo água e uma edícula cheia de boias coloridas em formato de macarrão. Ou por uma fazenda urbana, com uma vista espetacular da cidade, árvores frutíferas, viveiros, patos, galinhas, cachorros, gatos, emas e até um pônei.

A suspeita levantada pela Receita envolve o Instituto Brasileiro de Direito Público — Faculdade da qual Gilmar é sócio fundador —, os honorários advocatícios de sua mulher, Guiomar, e um suposto favorecimento do próprio ministro no julgamento de processos na Corte. A declaração de imposto de renda do casal vazou, e 18 pessoas, entre parentes e conhecidos, foram listadas como potenciais investigados no caso. Aliás, a matéria diz ser a primeira vez na história que um magistrado da mais alta Corte do país sofre tal escrutínio. 

Gilmar diz ser alvo de ataques desde que chegou ao STF, há 17 anos”, mas que esta última ofensiva “passou dos limites”. “Primeiro, eram os ‘ex-colegas do Ministério Público’, depois a Polícia Federal e, agora, a Receita.” Gilmar atribui o fato a seus posicionamentos críticos ao que considera excessos ilegais. Não fossem seus enfrentamentos, diz ele, a PF já teria se “assentado como um Poder em si”. 

Época discorre sobre inúmeros casos em que Gilmar atuou como (segundo ele próprio) “voz contrária a interesses diversos”. Sobre Guiomar, a revista informa que ela diz nunca ter tido problemas com a Receita, que é de família rica, que tem tudo declarado, que a investigação é um absurdo. Dias antes, a revista eletrônica Crusoé publicou que os bens do casal totalizariam R$ 20 milhões, entre imóveis e bens espalhados pelo país.

Mendes tomou conhecimento da investigação em novembro, quando recebeu no IDP uma notificação da Receita pedindo explicações para dúvidas tributárias do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Segundo ele, o número do processo no Carf era de uma borracharia no Acre, e o secretário da Receita, Jorge Rachid, teria dito que o auditor responsável pelo caso, Luciano Castro, estava prestando serviços à Operação Calicute, do MP-RJ, responsável pela prisão de, entre outros, Sérgio Cabral e Jacob Barata — o Rei do Ônibus, acusado de pagar R$ 260 milhões em propina para políticos fluminenses e de cuja filha Mendes e Guiomar foram padrinhos de casamento (e que foi solto por Mendes em pelo menos três ocasiões). 

Mendes diz não ter dúvidas de que "fraudaram a autuação" apenas para chegar ao IDP. Perguntado se a fama de libertar criminosos em série não o incomoda, respondeu que não abre mão de suas convicções e entendimentos sobre a lei para agradar um ou outro, e lembrou que todas as suas liminares soltando quem a Lava-Jato do Rio de Janeiro prende foram acompanhadas pela maioria do STF

Observação: A propósito desse prende-e-solta, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou no ano passado que “Há no Supremo gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos”. O ministro não deu nome aos bois, mas é nítido que se referia a Gilmar Mendes, que ele já havia classificado publicamente como uma pessoa horríveluma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia“ e acusara de “desmoralizar o Tribunal”.

Há duas semanas, ao ser procurado pela revista Veja para comentar a investigação, Mendes telefonou ao secretário da Receita e ao secretário executivo do Ministério da Economia, para reclamar do vazamento. Também pediu a Dias Toffoli que determinasse uma investigação. Perguntado se acredita ser alvo do que está sendo chamado de CPI da Lava-Toga, ele diz que não, que tem uma vida financeira à prova de bala, e que o fruto de seu trabalho nada tem a ver com nenhuma operação maluca. “É dando aula, vendendo livro, é isso.” Então tá.

Gilmar disse também que a Receita quer cotejar os honorários de sua esposa com os processos em que ela atuou, debochando do entendimento dos auditores sobre como é a remuneração de uma advogada que chefia em Brasília um escritório do tamanho do de Bermudes. “A Receita está sendo usada como órgão de pistolagem de outras instituições.” Durante a conversa, ele ainda usou a palavra “consórcio”, “aliança” e “bando” para se referir a parte dos auditores. Na maior parte do tempo, usou apenas o pronome “eles”. Ao lhe ser pedido para nomear quem seriam “eles”, foi lacônico: “Eles, esse sujeito indeterminado, é uma combinação. São pessoas vinculadas a essas operações. Usam uma linguagem de arapongas no documento da Receita”.

Quando lhe foi perguntado por que seria o único alvo do que chamou de “milícias“ institucionais, Gilmar baixou a voz e disse que não era o único, que há um ministro do STF sendo chantageado por uma das grandes operações investigativas em curso no país. “A toda hora plantavam e plantaram que esse ministro estava delatado. Qual a intenção? Isso é uma forma de atemorizar, porque essa gente perdeu o limite. Este ministro ficou refém deles”, disse. Ao se despedir, elevou o tom de voz e, balançando as fotocópias dos documentos da investigação, disparou: “Isso aqui é a Gestapo com a KGB, mas feito pelas Organizações Tabajara!” 

Ave, César!