A oposição parece ter acordado para o fato de que estava
ajudando a pavimentar uma estrada até então esburacada para a reeleição de Bolsonaro,
com a trégua em várias frentes concedida ao presidente justamente no pior
momento de seu governo.
Primeiro, foi a carta redigida por Temer quando o capetão
ensaiou uma ruptura institucional. Em seguida, a oposição, PT à frente,
rumava decidida para chancelar o Auxílio Brasil de R$ 400, incluído numa
grande pedalada que também contempla calote nos precatórios e que pode ser uma
catapulta a tirar o "mito" do fundo do poço da viabilidade eleitoral.
Some-se a isso a grande probabilidade de que o aliado Augusto Aras sente
em cima de boa parte do relatório final da CPI do Genocídio, e o
resultado é o pior presidente de toda a história do Brasil de novo com
viabilidade eleitoral (como se não bastasse o criminoso de Garanhuns em sua
versão ex-corrupto).
Para não repetir o erro de cálculo da oposição a Lula
em 2006, que decidiu não levar adiante o impeachment no auge do mensalão,
achando que o petista seria cachorro morto nas urnas, a esquerda parece
começar a acordar. O difícil será calibrar o discurso para justificar como
votar contra a PEC dos Precatórios, em que foram embutidos todos os
jabutis eleitorais de Bolsonaro — devidamente referendados por Paulo
Guedes, vale lembrar.
Para os partidos de esquerda, defender o teto de gastos e a
austeridade fiscal em detrimento de aumento do aporte a recursos sociais não é
uma opção. Por isso a decisão será justificada pelo estelionato travestido de
benesse social. Na outra ala da oposição, os partidos de centro e
centro-direita que fazem o discurso da terceira via abrigam em seu seio
parlamentares quinta-coluna que vira e mexe votam com o governo. Como se
portarão PSDB, PSD, União Brasil, MDB e outros
diante da ideia de rasgar o tão defendido teto de gastos? Nesse caso, a
justificativa é diferente de PT e demais siglas de esquerda, mas eles
também não podem ser favoráveis à PEC dos Precatórios, a maior pedalada
fiscal já tentada.
Caso todos esses partidos, ainda que por caminhos opostos e
razões diversas, percebam a urgência de abater Bolsonaro em seu voo de galinha,
só o Centrão de Arthur Lira e Ciro Nogueira terá dificuldade
em aprovar a emenda à Constituição. E a manobra pode fracassar já na Câmara,
antes mesmo de o Senado — comandado pelo agora presidenciável assumido Rodrigo
Pacheco — ser o anteparo.
Todo mundo com sensibilidade social sabe da necessidade de
garantir transferência de renda a quem mais precisa, ainda mais depois de uma
condução desastrosa da pandemia pelo desgoverno ainda em curso, que retardou as
vacinas e agravou as consequências sanitárias e econômicas da crise. Usar isso
como subterfúgio para resgatar do merecido limbo justamente o perpetrador dessa
tragédia, que ainda hoje, com 606 mil mortos nas costas, segue proferindo
declarações criminosas e mentirosas sobre vacinas e colocando em risco a vida
das pessoas que deveria governar, é um daqueles planos diabólicos de cinismo
político que de tempos em tempos mesmo as instituições e a oposição deixam ser
levados adiante.
A CPI pode não resultar, de pronto, na justa e
merecida condenação criminal de Bolsonaro e de seus asseclas pelos
inúmeros e comprovados crimes cometidos em um ano e sete meses de horror. Mas
foi fundamental para desnudar esses crimes perante o país. Aproveitar um
momento de cochilo geral para dar justamente a esse presidente uma segunda
chance é um vacilo que pode custar caro demais ao Brasil.